7 de novembro de 2018

A Criação Restaurada: base bíblica para uma cosmovisão reformada: uma resenha


WOLTERS, Albert M. A Criação Restaurada: base bíblica para uma cosmovisão reformada.  Trad. Denise Pereira Ribeiro Meister. 1 ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006. Original em inglês: Creation regained (1985).

Este livro de Albert W. Wolters trata do tema cosmovisão da perspectiva bíblica e reformada.  Revela a sua não originalidade sobre os temas do livro dizendo que deve a personagens cristãos como Tyndale e Calvino e alguns escritores da linha do neocalvinismo holandês como Abraham Kuyper, Herman Bavinck, Herman Dooyerweerd e H. T. Vollenhoven.
Para os propósitos do livro, ele conceitua cosmovisão como “a estrutura compreensiva da crença de uma pessoa sobre as coisas”. Embora sua definição seja curta, a abrangência do significado abrange todas as coisas e como as pessoas, grupos ou sociedades pensam e vivem através dessa compreensão, uma vez que todos, mesmo que tacitamente, acreditam no significado daquilo que concluem acerca do mundo e assim modelam suas práticas.
Ainda no primeiro capítulo ele reconhece que há algumas distinções dentro da fé cristã sobre cosmovisão. Ele dá o exemplo de Herman Bavinck que conceitua a fé cristã de modo abrangente como toda a realidade criada. Eis a definição: “Deus, o Pai, reconciliou o seu mundo criado, mas caído, por meio da morte de seu Filho, e o renova num Reino de Deus pelo seu Espírito”.
Para Wolters, além da formula ser trinitariana, sua cosmovisão cristã abrange todo o propósito de Deus sobre todas as coisas. Ou seja, a criação (tudo que existe), a queda (o pecado e o mal no mundo) e a redenção (o que Deus fez para redimir o homem e o restante da criação por meio de Jesus Cristo).
Segundo ele, as outras cosmovisões cristãs são dualistas aplicando as verdades de Deus apenas para uma parte da humanidade, os próprios cristãos. Como se as outras relações e empreendimento humanos, e o próprio mundo, fossem esquecidos pelas verdades de Deus. O dualismo ou a dicotomia não expressa a integralidade da visão de Deus sobre tudo. Esse dualismo é expresso na cosmovisão sagrado/secular, religioso/natural-profano. Assim ele faz uma distinção da cosmovisão reformada e as outras cosmovisões cristãs.
Os próximos três capítulos Wolters aplica o conceito até agora abstrato às realidades de toda a nossa experiência social e cultural ao fio teológico unificador de toda a Escritura: Criação-Queda-Redenção.
Assim no capitulo 2 fala sobre a Criação. Apresenta o duplo significado da palavra Criação. O modo como Deus aplica a sua lei sobre o cosmo, que é de modo direto (sem mediação) ou indireto (envolvendo as ações humanas).  As leis diretas são aplicadas a natureza, as chamadas leis da natureza que o homem não pode mudar, enquanto as normas se aplicam ao seres humanos, nas suas mais amplas realizações como relacionamentos interpessoais, cultura, Estado, administração da agricultura e tudo mais. “Os estatutos e as ordenanças de Deus estão sobre todas as coisas, certamente não excluindo o amplo domínio dos assuntos humanos” (p.28). Enfim, há uma lei geral para a criação. O autor ainda faz uma distinção entre a lei geral e particular. Ainda nesse capítulo estuda o conceito da “Palavra de Deus na criação”.
A própria Bíblia revela que por meio da criação o próprio Deus se revela (Sl 19.1-4; At 14.17; Rm 1.18-20). Ele assim mostra que o conhecimento da criação é o fundamento para toda a compreensão humana, “tanto da ciência quanto na vida diária”.
Embora o pecado tenha maculado o mundo, em suas relações sociais, culturais e religiosas, os planos e leis de Deus continuam sendo seu projeto para todas as coisas. Isso não deve nos deixar inocentes para o processo de secularização da ciência, tecnologia e economia. A lei de Deus abrange essas áreas também, o que nos livra da dicotomia sagrado/religioso.
No capitulo 3, ao continuar a desenvolver uma cosmovisão reformada, Wolters agora trata sobre a Queda. Ele nos mostra que o pecado de Adão não foi apenas um ato isolado que atingiu somente ele e seus descendentes, mas toda a criação no sentido terreno. Ele cita Rm 8.22 como texto-prova.
Sua tese principal nesse capítulo é que ao criar Deus estabeleceu sua lei sobre toda a criação, é o que ele chama de estrutura e direção, ou seja, Deus criou tudo com uma estrutura e para seu bom funcionamento estabeleceu como deveria funcionar, a direção. Lembra os símbolos de Westminster (criação e providência). No entanto, com a entrada do pecado e a rebelião do homem, foi dado direções pecaminosas à estrutura dada por Deus devido à corrupção do ser humano. Segundo Wolters, “Deus força a sua reivindicação sobre nós na estrutura da sua criação, qualquer que seja a nossa direção” (p.72)
No capítulo sobre a Redenção (4), o autor mostra que uma vez que a criação e a queda envolve todo o cosmo, a redenção é cósmica, pois seu propósito é restaurar toda a criação. Ele divide a redenção em duas partes. A primeira é a restauração, que tem o objetivo de restaurar ao que era antes da queda. Não é restaurar a uma coisa nova, mas ao que era antes. E a segunda questão que envolve a restauração é que esta traz implicações para toda a criação, e não a apenas uma parte dela. Essa compreensão mais ampla da redenção revela que não se restringe à esfera pessoal ou eclesiástica, mas também social e cultural. Ele compreende a restauração da criação como a vinda do Reino de Deus. “... a salvação em Jesus Cristo no sentido mais amplo, significa uma restauração da cultura e da sociedade no seu atual estágio de desenvolvimento” (p.87).
Critica outras cosmovisões cristãs como reducionismo do propósito bíblico da redenção, tais como o pietismo, com sua visão de que o Reino é a igreja institucional; os dispensacionalistas, com sua visão de reino futura; o liberalismo clássico e a teologia da libertação.
O capítulo final “Discernindo estrutura e direção”, Wolters traça algumas implicações da cosmovisão reformada para vida social, pessoal e cultural dos crentes. Ou seja, as distorções na direção ao propósito estrutural original e permanente de Deus devem ser novamente canalizadas para os propósitos de Deus. Ele trata do redirecionamento estrutural na questão da santificação, família, agressividade, dons espirituais, sexualidade, dança (ele entende que há algo de estrutural na dança, que deve ser redirecionada pela redenção, mas não fala onde deve ser usada).
Ele conclui o livro dizendo que buscou “ressaltar que a cosmovisão reformada que consideramos requer uma filosofia reformada que possa relacionar os critérios básicos de uma perspectiva bíblica à base de uma filosofia sistemática que seja relevante às disciplinas especiais da universidade” (p.126).
Enfim, Wolters aplica que a restauração do pecador e da sociedade por meio de Jesus Cristo deve se coadunar com a estrutura original da criação, ou seja, os aspectos espiritual, social e cultural devem ser direcionados por essa cosmovisão cristã reformada toda abrangente que a Palavra de Deus nos revela.

Robson Rosa Santana

19 de outubro de 2018

A Visão Transformadora: moldando uma cosmovisão cristã: uma resenha


WALSH, Brian; MIDDLETON, J. Richard. A Visão Transformadora: moldando uma cosmovisão cristã. Trad. Valdeci Santos. 1 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. Original em inglês: The Transforming Vision (1984).

Durante os anos de 1977 e 1983, os autores Brian Walsh e J. Richard Middleton ministraram cursos sobre cosmovisão cristã em alguns campi de Ontário do Sul. O propósito dos dois eram apresentar aos alunos uma cosmovisão abrangente e aplicada a todas as realidades da vida num mundo cada vez mais secularizado, uma vez que tem sido pouca a influência dos cristãos na vida pública.
O livro é dividido em 4 partes. A parte 1, “O que são cosmovisões”, possui dois capítulos. No capítulo 1, “Cosmovisão e cultura”, os autores fazem uma apresentação do que são cosmovisões. Afirmando que cada pessoa individualmente possui uma cosmovisão, que por sua vez é influenciada por um grupo maior, seja uma etnia, seja uma nação, seja uma cosmovisão que abranja boa parte do mundo, especialmente em nossos dias em que algumas questões são globalizadas. Segundo eles, cosmovisão é a visão de mundo que modela as ações no mundo.
O capítulo 2 Walsh e Middleton analisam as cosmovisões. Sugerem que “as cosmovisões são fundadas em compromissos fundamentais de fé” (p.32). Quem sou eu? Onde estou? O que está errado? Qual é a solução? Essas são as questões últimas que todos tentam responder (seja explícita ou tacitamente). Ao respondê-las, têm-se uma cosmovisão e, assim, vive-se modelada nela. A título de exemplos citam o Japão, a América do Norte e a etnia pele vermelha Dene. A avaliação de uma cosmovisão baseia-se nos critérios da (1) realidade, (2) coerência interna e (3) franqueza. Em relação a atual cosmovisão cristã há uma incoerência entre os que os cristãos americanos crêem, e o que vivem. Logo, a cosmovisão cristã sofre de falta de integridade. O livro tenta corrigir essa incoerência entre fé e prática.
A parte 2, “A cosmovisão bíblica”, dividida em 3 capítulos, eles fundamentam-se no Mitte da teologia bíblica: Criação, Queda e Redenção. No capítulo 3 sobre a perspectiva bíblica da criação, afirmam especialmente que a doutrina da criação não deve apenas ser fundamento para ir de encontro ao evolucionismo e o conseqüente naturalismo filosófico que permeia o mundo ocidental, mas a criação traz as diretrizes corretas que devem permear a formação da cultura. Ou seja, o ser humano deve cumprir seu mandato cultural de desenvolver e preservar o mundo. Ver a criação com essa ênfase, implica na totalidade da existência. Respondendo às questões de que somos criados por Deus e formadores de cultura, pessoas completas, “chamadas por seu criador para ir e desenvolver a terra” (p.51).
O capítulo 4, reconhece a Queda como a desobediência e afastamento daquilo que fomos originalmente chamados para ser no propósito da Criação. Falsos deuses, ou ídolos, usurparam o lugar de Deus e o nosso, como representantes de Deus na terra. Pouco a pouco o ser humano foi dicotomizando a vida por causa de sua visão distorcida de Deus e de sua vontade para a vida cotidiana, afirmando que Deus tem padrões para algumas coisas, e que para outras ele não se manifesta. Daí começou a surgir o dualismo sagrado/secular. Os autores dão exemplos bíblicos que em todos os aspectos da vida, as leis de Deus se revelam, por exemplo, as leis da agricultura de Isaias 28:24-29.
A solução para a situação trágica em que o homem se meteu foi trazida pela Redenção que há em Jesus. Esse é tema do capítulo 5. Desde Gn 3.15 Deus prometeu um redentor para o problema da queda do homem. Jesus renova a imagem de Deus por meio de seu sangue para que novamente a humanidade possa refletir Deus na terra. Cristo não somente redime o homem, mas a criação que foi afetada pelo pecado dele. É preciso buscar a redenção cultural também. Walsh e Middleton propõem que todas as coisas possuem Estrutura e Direção por ordem da criação e a tarefa do povo redimido de Deus – a Igreja – é reorientar a cultura ao senhorio de Cristo.
A terceira parte do livro, os autores tratam da problemática da “cosmovisão moderna”. O capítulo 6 expõe sobre “O Problema do dualismo”. O dualismo reside em que os cristãos (americanos) confessam uma coisa e não praticam o que professam. Se o reino é chegado, “onde estão as boas-novas personificadas culturalmente?” (p.81). Os cristãos americanos possuem uma cosmovisão dividida. Segundo Walsh e Middleton, “o dualismo aparece em pelo menos três formas: como vemos o trabalho (o religioso como mais importante), como vemos a cultura (contra a cultura ou alienados dela) e como lemos a Bíblia (arrebatamento ao invés da restauração e permanência na terra redimida).
 Como se deu “O Desenvolvimento do Dualismo” (cap.7)? Eles traçam essa separação entre sagrado versus secular nas próprias culturas antigas pagãs, passando pelos pais antigos, sendo influenciados pelo neoplatonismo matéria/forma (Agostinho: eterno x temporal). Pela influência aristotélica na forma elaborada por Aquino em graça/natureza (atividades naturais eram inferiores às sobrenaturais). Com os teóricos da ciência moderna, a natureza foi engolindo a graça, e passou-se do dualismo para o secularismo. Essa cosmovisão dualista “tornou o evangelho irrelevante para a vida como um todo” (p.99).
O capítulo seguinte faz-se um relato do “Progresso da Cosmovisão Secular”. Em suma, a partir do século 18 a modernidade se estabelece na forma de secularismo. O homem se torna autônomo, pois a ciência à parte de Deus encontrava respostas para a vida neste mundo e buscava dominar a natureza com sucesso. Assim a natureza foi reduzida a uma máquina, ao invés de criação à qual devemos administrar como mordomos de Deus.
Baseado nesse fulcro da ciência estritamente naturalista é que surgem, segundo os autores, “Os Deus da Nossa Era” (cap. 9): O cientifismo, o tecnicismo e o economismo. A ciência é tida como conhecimento para salvação. É a crença num pós-milenismo humanista. O tecnicismo é a aplicação do conhecimento científico na criação de máquinas capazes de solucionar nossos problemas humanos. Citando Rifkin: “... A máquina é o nosso meio de vida e nossa cosmovisão” (p.115). O desenvolvimento da ciência e tecnologia é o que gera a fonte de lucro do nosso mundo materialista. Segundo Ron Sider, “o padrão de vida cada vez mais opulento é o deus da América do Norte do século 20 e o publicitário é o seu profeta” (p.119). Ainda nesse capítulo dizem que estamos no final da história da redenção secular. O secularismo não tem “salvado” a humanidade e parece estar com sua cosmovisão em crise. Eles apresentam três áreas que em que o economismo tem falhado: (1) não tem trazido felicidade; (2) tem sido perigoso para a vida (doenças modernas, idosos desvalorizados, etc.); e (3) está alcançando seu limite.
Qual a resposta para o fracasso dos 3 deuses de nossos tempos? É o que tentam responder na parte 4, “A Cosmovisão Bíblica em Ação”. No capítulo 10, Walsh e Middleton começam apresentando “Uma resposta cristã cultural”. Não somente algumas questões devem inquietar os cristãos, mas os amplos aspectos relacionados à vida, sociedade e mundo. Isso requer que os cristãos (1) renunciem aos ídolos, (2) reconheçam o caráter multidimensional da vida, (3) obedeçam aos padrões de Deus para o ser humano, e (4) vivam em comunidade de modo renovado.
No capítulo seguinte (11), continuam buscando apresentar uma cosmovisão cristã em ação para a Academia (conhecimento e estudo). Se a universidade está no coração da cultura ocidental, é preciso sérias reflexões acadêmicas nas diversas áreas do conhecimento dominadas pelo naturalismo/secularismo/lucro. O cristão deve ir de encontro à idéia da ciência autônoma, à parte das questões religiosas. As divergências de escolas em relação a muitas áreas do conhecimento trazem fundamentos para a própria incongruência na interpretação dos fatos apenas racionalmente. Ou seja, a ciência moderna não é puramente objetiva, mas contem pontos de partida religiosos. Como a academia é estruturada em termos de cosmovisão que determina os paradigmas do conhecimento e teorias científicas filosoficamente, uma “renovação cristã nos estudos universitários exigirá alguma compreensão filosófica cristã”.
O último capítulo, “Rumo a uma Estrutura Filosófica Cristã” trata do desenvolvimento de estrutura teórica que seja modelada pela cosmovisão bíblica. Segundo os autores, uma filosofia cristã começa com a criação. O academicismo cristão abrangente tem por base o mandato cultural de cultivar e manter a criação de Deus. Ao praticar um academicismo filosoficamente cristão dar-se testemunho do Criador e de Jesus Cristo.
Analisando criticamente o livro, lamento que a maioria dos livros sobre cosmovisão cristã reformada tenha demorado tanto para serem traduzidos ao português. Uma vez que os autores propõem a disseminação de uma filosofia cristã que atinja toda uma sociedade e o mundo, deveria haver mais esforços de traduções nos mais diversos idiomas. O outro lado da moeda é que as editoras cristãs brasileiras demoraram muito pra traduzi-los dada a importância da sua influência ao mundo.
Quanto ao livro propriamente dito, concordo que uma igreja cristã dualista tem sido de pouca influência para nosso mundo secularizado de hoje, e que as conseqüências do dualismo da história do mundo e da igreja, geraram os deuses da modernidade. Reconheço que é preciso rejeitar os deuses, como plano de salvação secular, mas não creio na ciência, tecnologia e economia (ou capitalismo) como algo inerentemente maus. Desde que existe mundo, sempre houve os três aspectos citados.
A própria Bíblia mostra isso. Deus deu sabedoria a Bezalel para criar por meio da sua arte. A arca, as casas, o templo de Jerusalém, os barcos dos apóstolos, etc., foram construídos com ciência e tecnologia. Havia personagens bíblicos muito ricos, como Abraão, Jó, Salomão, os próprios pescadores não eram tão pobres como pensamos. O grande problema dessas coisas é confiar neles como deuses. Um cientista cristão ou não descobre apenas as leis da natureza que Deus criou e aplica o conhecimento adquirido em forma de tecnologia.
Os perigos propostos, especialmente, quanto aos limites da exploração econômica do mundo, é em parte por causa da exploração irresponsável, ao invés de sustentável, e a outra, ao próprio aumento da população. Outra questão difícil jaz no fato de que mesmo uma estrutura filosófica cristã na academia não irá cristianizar o mundo. As implicações últimas para uma aplicação de uma cosmovisão cristã muito abrangente numa sociedade pressupõem que a maioria seja cristã. E mesmo assim, dado que vivemos em democracias - e antes democracias do que qualquer outra forma de governo – deve-se respeitar a liberdade individual das pessoas. Ou senão, no final, teremos teocracias cristãs, a exemplo de teocracias islâmicas. Para mim isso é sempre perigoso, some-se isso ao fato de que sempre teremos algumas cosmovisões cristãs, a exemplo de tantas denominações e doutrinas diferentes e divergentes entre si. Deus nos ajude!

Robson Rosa Santana

29 de setembro de 2018

As 10 principais fontes de desencorajamento de pastores

"Este vale que estou passando é normal para pastores?"

A pergunta me veio diretamente de um pastor que era  relativamente novo na sua igreja. Ele ficou surpreso com o quão abruptamente o desânimo o atingiu. Mais do que tudo, ele estava procurando assegurar que sua situação não era uma aberração, que ele não estava sozinho.

Eu ouço pastores e outros líderes da igreja milhares de vezes por ano. Usando essa enorme quantidade de informações, agreguei muitos dos comentários relacionados ao desânimo. Eu tentei quantificá-los e listá-los em ordem de freqüência.

Aqui estão as dez principais fontes de desânimo para os pastores, reconhecendo alguma sobreposição entre eles. Eu incluí uma citação direta de um pastor para cada fonte.

1. Conflito e críticas de membros da igreja. “Eu não tinha ideia do número de críticos que seriam tantos. E algumas delas são realmente más”.

2. Membros saindo da igreja. “Parece que quanto mais eu invisto nos membros da igreja, mais provável é que eles saiam. Realmente dói quando eles me dizem que estão indo para outra igreja que atenda melhor às suas necessidades ”.

3. Declínio da igreja. “Estamos em declínio gradual há oito anos. Eu gostaria de saber o que fazer para reverter isso.

4. Conflito de equipe. “Há poucas coisas que me machucam mais do que conflitos de equipe. Estes são os homens e mulheres com quem trabalho todos os dias. Eu odeio quando não nos damos bem."

5. Pressões familiares. “Eu gostaria de poder acertar com minha família. Eu sempre me sinto puxado em tantas direções na igreja que temo que estou negligenciando-a. ”

6. Membros resistentes a mudanças. “Cada mudança que tento levar é recebida com oposição. Quero dizer. Toda vez."

7. Pressões financeiras pessoais. “Nós compramos um carro de seis anos com mais de 75.000 milhas nele. Nós já tivemos três membros da igreja queixando-se de que estamos vivendo extravagantemente. Não, estamos mal pagando nossas contas com o salário que recebo da igreja."

8. O fator comparação. "Eu sei que não devo me comparar a outros pastores, mas pode doer quando eles parecem fazer isso tão bem enquanto eu estou lutando muito. Minha esposa me disse para parar de olhar no Facebook.”

9. Pressões financeiras da igreja. “Nossas receitas orçamentárias caíram até o ponto em que mal estamos pagando nossas contas. Não temos fundos para o ministério, e provavelmente teremos que demitir o assistente de meio período na igreja. Eu não aprendi a lidar com esse tipo de pressão financeira no seminário ”.

10. Desafios das instalações. “A maioria das nossas instalações é antiga e precisa de muito trabalho. Nosso santuário é muito grande e nosso salão é pequeno demais. Estou envergonhado quando os convidados entram em nossos banheiros. Há muito o que fazer e não dinheiro suficiente. É deprimente."

Pastores sofrem pressões. Estas são as dez principais das interações que temos. Mas tenho certeza de que há mais.

Provavelmente muito mais.

Thom S. Rainer

__________

Tradução: Pr. Robson Rosa Santana 
www.e-missional.blogspot.com

11 de setembro de 2018

A missão no ensino de Jesus | John D. Harvey

Um número de princípios importantes relacionados à missão emerge do ensino de Jesus. 

Primeiro, o ímpeto primário para a missão é a necessidade espiritual. Tanto Jesus como seus discípulos foram enviados a homens e mulheres que eram necessitados espiritualmente. Embora as necessidades físicas sejam, às vezes, direcionadas durante o curso da missão, o foco é espiritual. 

Segundo, o objetivo primário da missão é redentivo. Este princípio segue o primeiro logicamente. Jesus veio buscar e salvar o perdido. Após a ressurreição, os discípulos foram enviados para proclamar o perdão dos pecados. Em ambos os casos o propósito foi promover o plano divino de redenção. 

Terceiro, a missão tem uma abrangência mundial. Jesus antecipou uma missão universal, e a missão dos discípulos pós-ressurreição era explicitamente universal. O propósito redentivo da missão estende-se a “todas as nações”. 

Quarto, o enviado em missão exercita a mesma autoridade do enviador. Do mesmo modo que o Pai conferiu sua autoridade ao Filho, assim Jesus conferiu sua autoridade aos discípulos. A continuidade da autoridade é o mesmo exemplo proeminente entre o enviador e o enviado. 

Quinto, a obediência caracterizaria o enviado em missão. Jesus foi comissionado para fazer a vontade do Pai, e ele esperava seus discípulos obedecer tudo que ele tinha ordenado a eles. Se as intenções divinas para a missão existem para serem cumpridas, então a obediência é essencial para aquele que é enviado. 

Sexto, a pregação/ensino é a atividade primária do enviado em missão. Jesus foi enviado para pregar. A missão dos discípulos pós-ressurreição incluía a pregação, e a missão pós-ressurreição enfatizava a pregação e o ensino. A proclamação deve permanecer central para o empreendimento da missão. 

Sétimo, a comunicação fiel da mensagem da missão trará resultados positivos. Jesus previa o resultado da missão em crescimento extensivo e transformação intensiva. A mensagem da missão contém dentro de si o potencial para produzir estes resultados. O que é requerido, portanto, é a comunicação fiel dessa mensagem.

Existem, é claro, outros princípios que podem – e devem – ser tirados do ensino de Jesus sobre a missão. Os setes precedentes são simplesmente um ponto inicial. Eles servem para nos lembrar, porém, que Jesus tinha muito a dizer sobre o tópico e estas suas palavras apontam o caminho para a compreensão da igreja da tarefa confiada a ela.”


John D. Harvey

Conclusão do capítulo “Mission in Jesus's Teaching”, p.48-49. Do livro Mission in rhe New Testament. Tradução Robson Rosa Santana.

A ressurreição de Cristo e a Missão | John D. Harvey

             A ressurreição de Cristo marcou um maior ponto de virada em seu estado. Antes da ressurreição, ele foi o Filho do Homem itinerante (Mt 8.20; Lc 9.58), enviado para fazer a vontade do Pai (Mt 26.39, 42; Mc 14.36; Lc 22.42). Subsequente à ressurreição, no entanto, ele é o Cristo que sofreu e ressuscitou dos mortos no terceiro dia (Lc 24.46), tal como profetizado no AT (Lc 24.44). Como Legrand nota, “A Ressurreição estabeleceu Jesus como Senhor e Cristo. Fez dele ‘Filho de Deus em poder,’ revelou-o como o soberano triunfante dos céus e da terra, Filho de Deus exaltado à destra do Pai e enviador do Espírito.” [Unity and Plurality, p.85]
     A ressurreição também marcou um ponto de virada no ensino de Jesus sobre a missão. Sua própria missão foi completada, e seu papel mudou de enviado para enviador. Nesse novo papel ele assumiu muitas das prerrogativas previamente atribuídas ao Pai. Seu nome é igual ao do Pai (Mt 28.19) e é em seu nome que o perdão de pecados é para ser proclamado (Lc 24.47). Esse nome carrega peso (Mc 16.17-18), porque lhe foi dado “toda autoridade ... no céu e na terra” (Mt 28.18). Assim como ele guardou a vontade do Pai, assim seus discípulos devem ensinar oas outros a guardar aquilo que ele ordenou (Mt 28.20). É ele que enviaria a promessa do Espírito para capacitá-los para o testemunho (Lc 24.48-49; At 1.4-5, 8). Como o Pai esteve sempre presente com ele (Jo 8.29), assim ele estaria presente com seu povo (Mt 28.20).
     Com a mudança no papel de Jesus veio outra importante mudança no empreendimento da missão. O foco da missão mudou para os discípulos de Jesus. Eles eram agora os enviados. Eles eram aqueles que levariam adiante os propósitos de julgamento e redenção do Pai".

     [Você sabia que você já faz parte desse envio de Jesus também?]

John D. Harvey
Parte do capítulo 'Missão no Ensino de Jesus' do livro "Mission in the New Testament" (Missão no Novo Testamento). 

8 de setembro de 2018

Missão no Judaísmo Intertestamentário | Clifford H. Bedell



 O envio de Deus durante do período intertestamentário foi indireto, mas poderoso, a voz de Deus ouvida na leitura e explanação da Escritura na sinagoga. McKnight está convencido em demonstrar que o judaísmo intertestamentário foi raramente formalmente intencional em sua atividade missionária.
Há ainda um corpo geral de evidências que os pagãos foram atraídos em um relacionamento pactual com o judaísmo e o Deus do judaísmo através do período intertestamentário. Esse processo pelo qual gentios foram atraídos para o Deus de Israel tendiam a ser informal, pessoal, relacional, oportunista, mais ou menos bem sucedido e extremamente estratégico.

BEDELL,  Clifford H. Mission in Intertestamental Judaism. In: LARKIN JR, William e WILLIAMS, Joel F. (editors). Mission in the New Testament: An Evangelical Approach. Marynoll, New York: Orbis Book, 1998, p. 29. Tradução: Robson Rosa Santana. Este texto é a conclusão do referido capítulo.

29 de agosto de 2018

Missão no Antigo Testamento | Ferris L. McDaniel

“O Deus Criador, que enviou a humanidade do paraíso (Gn 3) e espalhou-a através da face da terra (Gn 10.1-11.9), também prometeu que todas as nações seriam abençoadas por meio da semente de um homem, Abraão (Gn 11.10-12.3). Este Soberano continuou a envolver-se com a criação para realizar sua vontade. Este envolvimento é frequentemente visto na ação de envio de Deus, especialmente Seu envio dos profetas. Às vezes eles pregaram uma mensagem de julgamento, mas é deleite de Deus enviar a mensagem de salvação e esperança que leva ao arrependimento e comunhão. Isaías olha para um tempo quando o Senhor enviará um remanescente a toda terra, e pessoas de nações distantes adorarão o Deus de Israel (Is 66.19; cf. 19.18-25). Isso será cumprido quando os cristãos, enviados por Deus, realizarem a missão deles.”

McDANIEL, Ferris L., Mission in the Old Testament. In: LARKIN JR, William, WILLIAMS, Joel F. (editors). Mission in the New Testament: An Evangelical Approach. Marynoll, New York: Orbis Book, 1998, p. 20. Tradução: Robson Rosa Santana.

17 de agosto de 2018

Sete razões para esgotamento de pastores | Thom Rainer

1. A mentalidade 24h / 7 dias por semana

2. Conflitos


3. Expectativas


4. Resistência para deixar a igreja.


5. Falta de amigos.


6. Não é adequado para algumas tarefas.


7. Nenhuma vida fora da igreja.


Alguns destaques da postagem de hoje de Rainer:


• Liderança traz mudança. Mudança traz conflito. Conflito traz críticas. Se você liderar bem, haverão críticas.


• Meça as críticas que você recebe. Vale a pena responder ou se preocupar com isso?


• Se você não está disposto a delegar certas partes do ministério, você vai se esgotar. Você não pode fazer tudo.


• Faça as coisas que mais o energizam e trabalhe com os outros em coisas que drenam sua energia.



Thom Rainer

Veja mais aqui: https://thomrainer.com/2018/07/seven-reasons-pastors-burn/

1 de agosto de 2018

O equívoco monumental do comunismo | Fabiano de Almeida Oliveira

Vejo pessoas o tempo todo romantizarem o regime comunista como uma alternativa mais humana, justa e igualitária. O comunismo tal como proposto por Marx, ou nas suas versões posteriores tais como as encontramos em Lukács, Gramsci​ e em alguns pensadores da nova esquerda, está fadado ao fracasso enquanto práxis social e política. Aliás, a história recente tem demonstrado isso. E isso por causa de seu componente utópico e, portanto, irrealizável. O que ocorre por quatro razões muito simples: 

1) Primeiro porque ignora deliberadamente o egoísmo como componente intrínseco à natureza ou condição humana. Não pode haver sociedade perfectivel se os seres humanos são profundamente auto-interessados. Além do mais, tal egoísmo não se deve apenas aos efeitos corruptores da sociedade, ou do meio, sobre os homens, como pensava Rousseau em seu otimismo antropológico, mas é originário, como atesta a experiência (e boa parte dos pensadores ocidentais: Agostinho, Calvino, Hobbes, Pascal, Freud, etc.);

2) Em segundo lugar, porque atribui um caráter de virtude, quase que essencial, ao pobre, ao oprimido e às minorias. Como se o simples fato de pertencer ao "proletariado" já conferisse às pessoas um grau de credibilidade e legitimidade superiores aos dos demais indivíduos;

3) Em terceiro, porque tende a identificar, necessariamente, igualdade social com justiça social, o que é um equívoco;

4) E em quarto lugar, porque usurpa da religião o lugar que por direito é dela como catalisadora de uma esperança escatológica que jamais poderá se concretizar neste presente estado de coisas. Ou seja, o comunismo tenta concretizar na história, pela força do Estado, aquilo que nem as religiões costumam prometer ao fiel nesta vida. Daí porque, geralmente, apelam para uma redenção para além deste mundo material.

Longe de acreditar que o neocapitalismo global seja a solução para o mundo atual, uma democracia liberal com preocupação social continua sendo a alternativa menos pior num mundo sem alternativas viáveis. 

Geralmente, o que se viu e o que se vê nos socialismos vigentes é o monopólio de um Estado centralizador, governado por pessoas megalomaníacas, controlando e limitando as liberdades individuais e direitos fundamentais das pessoas ao bel prazer de suas convicções ideológicas. 

Fabiano de Almeida Oliveira
Teólogo,  filósofo  e professor no Mackenzie Rio


* Texto postado originalmente no Facebook do autor em 2017. Usado com permissão .

31 de julho de 2018

Citações | Frases cristãs

"Certamente há um lugar para o planejamento e esforço humano, mas devemos lembrar que o crescimento e a vitalidade da igreja não são fundamentados na força, poder ou planejamento humanos ou gerenciamento por objetivos. Eles são fundamentados no Espírito de Deus. A igreja é o Corpo de Cristo, não nossa organização humana. Sua vida tem a vida dEle fluindo através dela, não mero entusiasmo gerado por programas humanos"

Paul G. Hiebert, Incarnational Ministry, 1995, p.359
Tradução Robson Rosa Santana

"Os Salmos nos ensinam como adorar; Provérbios, como comportar-se; Jó, como sofrer; Cântico dos Cânticos, como amar; Eclesiastes, como viver"

J. I. Packer
(Breve descrição dos livros poéticos)


"Que terrível é ser ignorado por Deus quando mais se precisa dele. Essa é uma declaração impressionante. Quando nos recusamos a ouvir a voz de Deus também não devemos esperar que ele ouça nossas orações (cf. Is 1. 10-15; 59.1-4)."

Giuliano Coccaro
(Esperança em meio à crise: estudos em Zacarias e Malaquias, p.32)

“A pessoa que diz que pode viver descuidadamente porque não está debaixo da lei, mas debaixo da graça, precisa verificar bem se não está debaixo da ira” (J. Blanchard)


11 de julho de 2018

Calvino e a presença espiritual de Cristo na santa ceia

         INTRODUÇÃO
A santa ceia, ordenada por Cristo à sua Igreja para fosse realizada até que ele volte, está registrada nos Evangelhos (Mt 26.26-30; Mc 14.22-26, Lc  22.14-20), bem como em 1 Coríntios (11.23-26). É sinal e selo da sua obra vicária na cruz. Revela a nossa comunhão com ele e a comunhão daqueles que são membros de seu Corpo.
No entanto, o significado da ceia nos ramos da Igreja Cristã, seja Católica Romana, como dentro dos ramos protestantes, foi e é motivo de controvérsias.
De forma não abrangente iremos expor os pontos de vista teológicos desses ramos do cristianismo, enfatizando o ponto de vista de Calvino.

1. A VISÃO CATÓLICA
A Igreja Católica Romana oficializou seu conceito da ceia do Senhor no Quarto Concílio Lateranense em 1215 como transubstanciação, ou seja, “na ceia a substância nos elementos do pão e do vinho é transformada na substância do corpo e do sangue de Cristo, ao passo que os acidentes – isto é, a aparência, o sabor, o tato e o olfato – permaneçam os mesmos”.[1]
Assim conceitua a Enciclopédia Católica Popular,
Segundo a interpretação autêntica do Magistério, depois da consa­gra­ção, o pão e o vinho deixam de o ser, para darem lugar ao Corpo e Sangue de J. C., o qual se torna presente nas espécies consagradas com uma presença que se diz por antonomásia real. Daqui o culto de adoração devido a esta presen­ça, normalmente guardada no sacrá­rio, para a comunhão aos doentes e au­sentes, e descoberta pela sensibilidade cristã como presença amiga (Cat. 1373-1381).[2]

2. AS VISÕES PROTESTANTES
O reformador Martinho Lutero, utilizando-se das ferramentas do aristotelismo medieval, conceituava as coisas como substância e acidente. Substância é a definição da coisa em si. Ou seja, aquilo que torna pão pão. Acidente, por sua vez, é a aparência da coisa, por exemplo, a cor, gosto, cheiro, textura do pão.
Para ele Cristo está “realmente” presente no sacramento, “o pão consagrado é o corpo, e o vinho consagrado é o sangue de Cristo”.[3] Seu entendimento se postava entre a visão católica e a zwingliana. Embora tenha encontrado em várias fontes as palavras que seguem, no entanto, dizem que são atribuídas a Lutero no debate que teve com Zwinglio num castelo em Marburg (1529): “Antes beber mero vinho com a Suíça do que beber sangue com o Papa”.[4] Entretanto Zwinglio não aceitava que seu entendimento da ceia fosse “mero vinho”.
O modo da presença de Cristo advogado por Lutero é a consubstanciação, uma vez que a substância do corpo e sangue de Cristo – o próprio Cristo – está presente com a substância do pão e do vinho. Pois enquanto a onipresença de Cristo significa que ele está presente em todos os lugares, ele é recebido sacramentalmente por causa da promessa da instituição. Assim, Cristo está presente “em” os elementos e os que comungam da ceia o recebem.
Como afirma o historiador da Igreja Justo Gonzalez,
O pão continua sendo pão, e o vinho, vinho. Porém agora estão também neles o corpo e o sangue do Senhor, e o crente se alimenta deles ao tomar o pão e o vinho. Se bem que mais tarde se deu a essa doutrina o nome de “consubstanciação”, Lutero nunca a chamou assim e preferia sim chamá-la de a presença de Cristo, em, com, debaixo, ao redor e por trás do pão e do vinho.[5]

Zwinglio é acusado em todos os lugares de mero memorialista. Segundo a Bíblia de Estudo de Genebra, “Zwinglio negou que o Cristo glorificado, agora no céu, esteja presente de qualquer modo que palavras tais como “corporalmente”, “fisicamente” ou “localmente” possam sugerir.”[6].
Para Zwinglio, os elementos da ceia mostram que ele está ausente. As palavras da instituição “isto é o meu corpo”, o verbo “é” não quer dizer “é”, mas “significa”, assim como ele não queria dizer que era verdadeiramente uma porta em João 10.9. Os crentes recebem Cristo, mas não o comem. Zwinglio entendia a eucaristia como memorial, como sendo “culto de comemoração pelo qual a igreja proclamava sua aliança com Cristo”.[7] Enquanto Lutero enfatizava o “este é”, Zwinglio ressaltava o “fazei isto”.
Zwinglio cria que sinal e coisa significada não são a mesma coisa. O sinal é o pão e a coisa significada é o corpo de Cristo. As duas coisas não são a mesma coisa.
"O verdadeiro corpo de Cristo é o corpo que está sentado à mão direita de Deus, e o sacramento de seu corpo é o pão, e o sacramento do seu sangue é o vinho, do qual nós participamos com ação de graças. Agora, o sinal e a coisa significada não podem ser um e o mesmo. Portanto, o sacramento do corpo de Cristo não pode ser o próprio corpo." [8]

2.3 Calvino

2.3.1. Definição de sacramento
Calvino trata da Santa Ceia do Senhor em vários dos seus escritos. Em 1536 no Cathecism of the Church of Geneva: being a form of instruction for children (Catecismo da Igreja de Genebra: sendo uma forma de instrução para crianças), Calvino define sacramento como “Uma atestação exterior da benevolência divina a nós, que, por um sinal visível, figuras de graça espiritual, selar as promessas de Deus em nossos corações, e desse modo melhor confirmar sua verdade a nós”.[9]
Em 1537 ele escreveu Brève Instruction Chrétienne (Breve Instrução Cristã)[10], onde há uma parte dedicada “As Ordenanças”, definindo como segue: “Uma ordenança é um sinal externo pelo qual o Senhor retrata e testifica a Sua bondade para conosco, a fim de dar suporte à nossa débil fé. Para dizê-lo mais concisa e claramente, uma ordenança é uma expressão da graça de Deus declarada por um sinal exterior”[11]
Na última edição das Institutas, de 1559, Calvino expõe uma melhor compreensão de sacramento, definindo-o como segue:
é o sinal externo mediante o qual o Senhor nos sela à consciência as promessas de sua benevolência para conosco, a fim de sustentar-nos a fraqueza da fé; e nós, de nossa parte, atestamos nossa piedade para com ele, tanto diante dele e dos anjos, quanto junto aos homens[12]

2.3.2 Presença real de Cristo na ceia
Quanto ao nosso assunto específico ele nos ensina da seguinte forma na obra A Verdade para todos os Tempos (Brève Instruction Chrétienne):
Os emblemas desse mistério são pão e vinho, por meio dos quais o Senhor nos propicia a verdadeira comunicação do Seu corpo e do Seu sangue. Estamos falando de comunhão espiritual, a qual é efetuada unicamente pelo vínculo do Espírito Santo e que de nenhum modo requer a presença encerrada na carne de Cristo por meio do pão, ou do Seu sangue por meio do vinho. Pois embora Cristo, exaltado no céu, tenha deixado atrás esta habitação terrena, na qual ainda somos peregrinos, todavia nenhuma distância pode diminuir o Seu poder, pelo que Ele alimenta os Seus com o Seu próprio ser. Apesar de estarem muito longe dEle, por esse poder Ele nos concede que desfrutem comunhão conSigo, sendo que Ele, não obstante, está bem perto.[13]

Em 1545, no Catecismo da Igreja de Genebra, Calvino ensinou acerca da presença espiritual de Cristo na ceia da seguinte forma:
Mestre. Nós temos na Ceia somente uma figura dos benefícios que você tem mencionado, ou eles são ali exibidos a nós em realidade?
Estudante. Sendo que nosso Senhor Jesus Cristo é verdade em si, não pode haver dúvida que ele ao mesmo tempo cumpre as promessas que ele nos dá, e adiciona a realidade às figuras. Portanto, eu não duvido que como ele testifica por palavras e sinais, assim ele também nos faz participantes de sua substância, que assim possamos ter uma vida com ele.
Mestre. Mas como pode ser isto, quando o corpo de Cristo está no céu, e nós ainda peregrinos na terra?
Estudante. Isto ele realiza pela agência secreta e miraculosa de seu Espírito, para quem não é difícil unir coisas separadas pelo espaço distante.
Mestre. Você não imagina então, que o corpo está envolvido no pão ou o sangue no vinho?
Estudante. Não está envolvido. Meu entendimento maior é que para obter a realidade dos sinais, nossas mentes devem ser elevadas ao céu, onde Cristo está, e de onde nós o esperamos como Juiz e Redentor, e que é impróprio e vão buscá-lo nestes elementos terrenos. [14]

Na sua obra magna, As Institutas (ou Tratado da Religião Cristã), última edição de 1559, Calvino reafirma de uma forma mais abrangente o que vem desenvolvendo nas Instruções e no Catecismo de Genebra sobre a ceia. Vejamos alguns insights acerca da presença real e espiritual de Cristo na eucaristia. Calvino entendia o significado representativo e simbólico dos elementos pão e vinho atentando para o seguinte:
que somos conduzidos das coisas corpóreas que se apresentam no sacramento, por meio de certa analogia, às coisas espirituais. Assim, quando o pão nos é dado como símbolo do corpo de Cristo, imediatamente se deve imaginar esta similitude: como o pão nutre, sustenta, conserva a vida de nosso corpo, assim o corpo de Cristo é o alimento único para revigorar e vivificar a alma.[15]

Ele de fato não compreendia todo o mistério envolvendo o sacramento da ceia, por isso usou as seguintes palavras:
Digo, pois, que no mistério da Ceia, mediante os símbolos do pão e do vinho, Cristo se nos exibe verdadeiramente, e deveras seu corpo e sangue, nos quais cumpriu toda obediência no interesse de conseguir nossa justiça, para que, com efeito, primeiro com ele nos unamos em um só corpo; então, feitos participantes de sua substância, em plena participação de todos os seus benefícios, também sintamos seu poder.[16]

Calvino chama de hiperbólica superstição o entendimento católico da presença real de Cristo nos elementos. Segundo ele, o corpo de Cristo, assim como na terra, ele é finito também no céu, onde ele está, até que volte no dia final. Diz ele:
Desço agora às misturas hiperbólicas que a superstição introduziu, porque com mirabolesca astúcia aqui se recreou Satanás, de sorte que as mentes dos homens, afastadas do céu, as imbuísse de perverso erro, como se Cristo fosse encerrado no elemento do pão. E, primeiro, a presença de Cristo no sacramento de modo nenhum deve ser sonhado como o configuraram os artífices da cúria romana, como se o corpo de Cristo fosse contido em uma presença local, para ser tocado pelas mãos, triturado pelos dentes, tragado pela boca![17]

A comunhão do seu corpo na ceia não é de forma física, mas por meio da ação do Seu Espírito. Ele diz:
ainda que pareça incrível que a carne de Cristo nos penetre de tão grande distância, de sorte que nos seja para alimento, lembremo-nos de quanto acima de todos os nossos sentidos se sobreleve a arcana virtude do Santo Espírito e quão estulto seja querer medir sua imensidade por nossa medida. Portanto, o que nossa mente não compreende, a fé o concebe: que o Espírito verdadeiramente une as coisas que permanecem afastadas.[18]

Calvino vai de encontro ao conceito da consubstanciação defendida por Lutero, e seus seguidores, de que o pão está de forma invisível unido ao corpo de Cristo. Vejamos as palavras de Calvino:
Querem, pois, que o corpo de Cristo seja invisível e imensurável, de sorte que jaza latente sob o pão, pois acreditam que de modo algum podem recebê-lo, se não descer ao pão. Mas não compreendem o modo de descer com ele que nos eleva a si. Evocam todos e quantos pretextos possam; mas depois de haver dito tudo, se percebe sobejamente que insistem na presença local de Cristo. Do quê procede isso? Evidentemente, em razão de não suportarem conceber outra participação da carne e do sangue, senão a que consista em ou conjunção e contato de lugar, ou de alguma crassa inclusão.[19]

Calvino não escreve diretamente a Zwinglio como o fez a Lutero e o ramo luterano, mas possivelmente seja dirigido ao seu pensamento que ele escreveu as seguintes palavras:
Nós também rejeitamos os sentimentos de todos os que negam a presença de Cristo na ceia [...] Embora ele esteja distante de nós com respeito ao lugar, todavia, ele está presente pela energia sem fronteiras do seu Espírito, de forma que sua carne pode dar vida.[20]
Quanto à presença de Cristo na ceia, Zwinglio defendia que isto ocorria pela contemplação da fé e não em essência e realidade. A sua deficiência jaz na falta de afirmação da presença real de Cristo mediante o Espírito e que ao comermos a ceia somos verdadeiramente alimentados por Cristo. Por isso, provavelmente, Calvino tenha escrito essas palavras contra o conceito de Zwinglio: “Eu não estou satisfeito com aqueles que, quando eles deveriam mostrar o modo de comunhão, ensinam que somos participantes do Espírito de Cristo, omitindo toda menção à carne e ao sangue.” [21]

CONCLUSÃO
Um dos temas teológicos mais polêmicos do século XVI com certeza foi acerca da Santa Ceia do Senhor Jesus Cristo. Nos séculos anteriores houve também muita discussão até que a Igreja Católica oficializou dogmaticamente, o que permanece até hoje, o conceito da presença real de Cristo na ceia na forma da transubstanciação. Esta doutrina afirma que a substância dos elementos da ceia de fato se transformam no corpo e sangue de Cristo, mesmo que a aparência , o sabor, o tato e o olfato permaneçam os mesmos. Uma das implicações foi que a eucaristia, especialmente o pão, na forma da hóstia, é adorada, pois Cristo está plenamente presente no elemento.
Com a chegada da Reforma, o tema voltou à tona. Todos os reformadores eram contra a doutrina da transubstanciação, mas não houve pequena discussão dos pontos de vista de Lutero, Zwinglio e Calvino.
Lutero era contra a doutrina da transubstanciação, e defendia que há pão e vinho reais no altar. Embora não cresse que os elementos eram transformados, cria que a presença de Cristo estava em, com, debaixo, ao redor e por trás do pão e vinho. Ou seja, Lutero defendia a presença da natureza corporal de Cristo em todo lugar, à semelhança da natureza divina.  Calvino rejeitava essa idéia chamando-a de monstruosa, ou seja, a doutrina da ubiqüidade[22]. Para ele o corpo de Cristo está num lugar, no céu.
Calvino e Lutero eram contra o entendimento de Zwinglio da ceia como praticamente um momento de ações de graças, um “memorialismo”, uma contemplação de fé, ou seja, não há nenhuma presença real de Cristo nesse sacramento.  Os dois primeiros concordavam também que no cumprimento da ordenança da santa ceia, Cristo está presente e que verdadeiramente alimenta os crentes com Seu corpo e sangue, pois é isso que faz um sacramento.
A posição de Calvino é a que mais se aproxima dos teólogos católicos e luteranos dos tempos atuais, pois afirmava,
Que a Ceia do Senhor é um rito instituído por Jesus Cristo, onde o pão é rompido e o fruto da videira é derramado como grata memória do sacrifício expiatório de Cristo, tendo se tornado, por meio da recepção e da benção sacramental dada pelo Espírito Santo, a comunhão (ou seja, a participação) do corpo e do sangue de Cristo e um antegozo da plena salvação futura[23]


Robson Rosa Santana
IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL


NOTAS
______________________
[1] OSTERHAVEN, M. E. Conceitos da Ceia do Senhor. In: ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. 1 ed. Vol. 1. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 265.
[2] Verbete Transubstanciação. Enciclopédia Católica Popular [on-line] Maio 2010.  Disponível em: http://www.ecclesia.pt/catolicopedia/ [capturado em 05 de maio de 2010].
[3] SASSE, Hermann. This is My Body. Adelaide: Lutheran Publishing House, 1988, p. 82. Tradução Heber Carlos Campos.
[4] SHEPHERD, Victor A. Witnesses to the Word: Fifty Profiles of Faithful Servants.  Toronto: Clements Publishing, 2001, p. 39.
[5] GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores: uma historia ilustrada do cristianismo, tradução Itamir N. de Sousa, São Paulo: vida Nova, 1995, pp. 71-72.
[6] Nota Teológica A Ceia do Senhor. Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999, p. 1360
[7] GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, tradução Gérson Dudus e Valéria Fontana, São Paulo: Vida Nova, p. 148.
[8] ZWINGLI. On the Lord's Supper. Zwingli and Bullinger, editado por G. A. Bromiley, London: SCM Press, 1958, p. 188. Tradução Heber Carlos Campos.
[9] CALVIN, John. Cathecism of the Church of Geneva: being a form of instruction for children.  Disponível em: http://www.reformed.org/documents/index.html?mainframe=http://www.reformed.org/documents/calvin/geneva_catachism/geneva_catachism.html [on-line]. Capturado em 10 de maio de 2010. Minha tradução.
[10] Há duas traduções do inglês para o português. Uma da editora Logos, Instrução na Fé: Princípios para a vida cristã, e outra da Editora PES (1 ed. São Paulo, 2008), com o título A Verdade para Todos os Tempos: um breve esboço da fé cristã.
[11] CALVINO, João. A Verdade para Todos os Tempos: um breve esboço da fé cristã. tradução Odayr Olivetti, 1 ed. São Paulo: PES, 2008, p. 78.
[12] Institutas (IV, 14, 1): edição clássica (latim), Vol. 4, tradução Waldyr Carvalho Luz, São Paulo: Cultura Cristã, p. 268.
[13] CALVINO. A Verdade para Todos os Tempos. p. 80.
[14] CALVIN. Cathecism of the Church of Geneva. Minha tradução .
[15] Institutas, IV, 17, 3.
[16] Institutas, IV, 17, 11
[17] Institutas. IV, 17, 12. Nos parágrafos 13, 14 e 15 Calvino continua expondo os erros da doutrina da transubstanciação católica.
[18] Institutas. IV, 17, 10.
[19] Institutas. IV, 17, 16.
[20] CALVIN, John. The Clear Explanation of Sound Doctrine Concerning the True Partaking of the Flesh and Blood of Christ in the Holy Supper. LCC, vol. XXII, Calvin: Theological Tretises, translated by J.K.S. Reid, (London: SCM Press, 1954), p. 289. Tradução Heber Carlos Campos.
[21] Ibidem. p. 308. Tradução Heber Carlos Campos.
[22] Ver Institutas. IV, 17, 30.
[23] OSTERHAVEN. Conceitos da Ceia do Senhor. p. 269.



BIBLIOGRAFIA

Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
CALVIN, John. Cathecism of the Church of Geneva: being a form of instruction for children. [on-line] Disponível em: http://www.reformed.org/documents/index.html?mainframe=http://www.reformed.org/documents/calvin/geneva_catachism/geneva_catachism.html [on-line]. Capturado em 10 de maio de 2010.
CALVIN, John. The Clear Explanation of Sound Doctrine Concerning the True Partaking of the Flesh and Blood of Christ in the Holy Supper. LCC, vol. XXII, Calvin: Theological Tretises, translated by J.K.S. Reid, London: SCM Press, 1954.
CALVINO, João. A Verdade para Todos os Tempos: um breve esboço da fé cristã, tradução Odayr Olivetti, 1 ed. São Paulo: PES, 2008.
CALVINO, João. Institutas: edição clássica (latim), Vol. 4, tradução Waldyr Carvalho Luz, São Paulo: Cultura Cristã.
ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. 1 ed. Vol. 1. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1990.
Enciclopédia Católica Popular [on-line] Maio 2010.  Disponível em: http://www.ecclesia.pt/catolicopedia/ [capturado em 05 de maio de 2010].
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Tradução Gérson Dudus e Valéria Fontana, São Paulo: Vida Nova.
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores: uma história ilustrada do cristianismo, tradução Itamir N. de Sousa, São Paulo: vida Nova, 1995.
SASSE, Hermann. This is My Body. Adelaide: Lutheran Publishing House, 1988.
SHEPHERD, Victor A. Witnesses to the Word: Fifty Profiles of Faithful Servants.  Toronto: Clements Publishing, 2001.

ZWINGLI. On the Lord's Supper. Zwingli and Bullinger, editado por G. A. Bromiley, London: SCM Press, 1958, p. 188.