WALSH, Brian; MIDDLETON, J. Richard. A Visão Transformadora: moldando uma cosmovisão cristã. Trad. Valdeci Santos. 1 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. Original em inglês: The Transforming Vision (1984).
Durante os anos de
1977 e 1983, os autores Brian Walsh e J. Richard Middleton ministraram cursos
sobre cosmovisão cristã em alguns campi
de Ontário do Sul. O propósito dos dois eram apresentar aos alunos uma
cosmovisão abrangente e aplicada a todas as realidades da vida num mundo cada
vez mais secularizado, uma vez que tem sido pouca a influência dos cristãos na vida pública.
O livro é dividido
em 4 partes. A parte 1, “O que são cosmovisões”, possui dois capítulos. No
capítulo 1, “Cosmovisão e cultura”, os autores fazem uma apresentação do que são
cosmovisões. Afirmando que cada pessoa individualmente possui uma cosmovisão,
que por sua vez é influenciada por um grupo maior, seja uma etnia, seja uma
nação, seja uma cosmovisão que abranja boa parte do mundo, especialmente em
nossos dias em que algumas questões são globalizadas. Segundo eles, cosmovisão
é a visão de mundo que modela as ações no mundo.
O capítulo 2 Walsh
e Middleton analisam as cosmovisões. Sugerem que “as cosmovisões são fundadas
em compromissos fundamentais de fé” (p.32). Quem sou eu? Onde estou? O que está
errado? Qual é a solução? Essas são as questões últimas que todos tentam
responder (seja explícita ou tacitamente). Ao respondê-las, têm-se uma
cosmovisão e, assim, vive-se modelada nela. A título de exemplos citam o Japão,
a América do Norte e a etnia pele vermelha Dene. A avaliação de uma cosmovisão
baseia-se nos critérios da (1) realidade, (2) coerência interna e (3)
franqueza. Em relação a atual cosmovisão cristã há uma incoerência entre os que
os cristãos americanos crêem, e o que vivem. Logo, a cosmovisão cristã sofre de
falta de integridade. O livro tenta corrigir essa incoerência entre fé e
prática.
A parte 2, “A
cosmovisão bíblica”, dividida em 3 capítulos, eles fundamentam-se no Mitte da teologia bíblica: Criação,
Queda e Redenção. No capítulo 3 sobre a perspectiva bíblica da criação, afirmam
especialmente que a doutrina da criação não deve apenas ser fundamento para ir
de encontro ao evolucionismo e o conseqüente naturalismo filosófico que permeia
o mundo ocidental, mas a criação traz as diretrizes corretas que devem permear
a formação da cultura. Ou seja, o ser humano deve cumprir seu mandato cultural
de desenvolver e preservar o mundo. Ver a criação com essa ênfase, implica na
totalidade da existência. Respondendo às questões de que somos criados por Deus
e formadores de cultura, pessoas completas, “chamadas por seu criador para ir e
desenvolver a terra” (p.51).
O capítulo 4,
reconhece a Queda como a desobediência e afastamento daquilo que fomos originalmente
chamados para ser no propósito da Criação. Falsos deuses, ou ídolos, usurparam
o lugar de Deus e o nosso, como representantes de Deus na terra. Pouco a pouco
o ser humano foi dicotomizando a vida por causa de sua visão distorcida de Deus
e de sua vontade para a vida cotidiana, afirmando que Deus tem padrões para
algumas coisas, e que para outras ele não se manifesta. Daí começou a surgir o
dualismo sagrado/secular. Os autores dão exemplos bíblicos que em todos os
aspectos da vida, as leis de Deus se revelam, por exemplo, as leis da
agricultura de Isaias 28:24-29.
A solução para a
situação trágica em que o homem se meteu foi trazida pela Redenção que há em
Jesus. Esse é tema do capítulo 5. Desde Gn 3.15 Deus prometeu um redentor para
o problema da queda do homem. Jesus renova a imagem de Deus por meio de seu
sangue para que novamente a humanidade possa refletir Deus na terra. Cristo não
somente redime o homem, mas a criação que foi afetada pelo pecado dele. É
preciso buscar a redenção cultural também. Walsh e Middleton propõem que todas
as coisas possuem Estrutura e Direção por ordem da criação e a tarefa do
povo redimido de Deus – a Igreja – é reorientar a cultura ao senhorio de
Cristo.
A terceira parte do
livro, os autores tratam da problemática da “cosmovisão moderna”. O capítulo 6
expõe sobre “O Problema do dualismo”. O dualismo reside em que os cristãos
(americanos) confessam uma coisa e não praticam o que professam. Se o reino é
chegado, “onde estão as boas-novas personificadas culturalmente?” (p.81). Os
cristãos americanos possuem uma cosmovisão dividida. Segundo Walsh e Middleton,
“o dualismo aparece em pelo menos três formas: como vemos o trabalho (o
religioso como mais importante), como vemos a cultura (contra a cultura ou
alienados dela) e como lemos a Bíblia (arrebatamento ao invés da restauração e
permanência na terra redimida).
Como se deu “O Desenvolvimento do Dualismo”
(cap.7)? Eles traçam essa separação entre sagrado versus secular nas próprias culturas antigas pagãs, passando pelos pais
antigos, sendo influenciados pelo neoplatonismo matéria/forma (Agostinho:
eterno x temporal). Pela influência aristotélica na forma elaborada por Aquino
em graça/natureza (atividades naturais eram inferiores às sobrenaturais). Com
os teóricos da ciência moderna, a natureza foi engolindo a graça, e passou-se
do dualismo para o secularismo. Essa cosmovisão dualista “tornou o evangelho
irrelevante para a vida como um todo” (p.99).
O capítulo seguinte
faz-se um relato do “Progresso da Cosmovisão Secular”. Em suma, a partir do
século 18 a modernidade se estabelece na forma de secularismo. O homem se torna
autônomo, pois a ciência à parte de Deus encontrava respostas para a vida neste
mundo e buscava dominar a natureza com sucesso. Assim a natureza foi reduzida a
uma máquina, ao invés de criação à qual devemos administrar como mordomos de
Deus.
Baseado nesse
fulcro da ciência estritamente naturalista é que surgem, segundo os autores,
“Os Deus da Nossa Era” (cap. 9): O cientifismo, o tecnicismo e o economismo. A
ciência é tida como conhecimento para
salvação. É a crença num pós-milenismo humanista. O tecnicismo é a
aplicação do conhecimento científico na criação de máquinas capazes de
solucionar nossos problemas humanos. Citando Rifkin: “... A máquina é o nosso
meio de vida e nossa cosmovisão” (p.115). O desenvolvimento da ciência e
tecnologia é o que gera a fonte de lucro do nosso mundo materialista. Segundo
Ron Sider, “o padrão de vida cada vez mais opulento é o deus da América do
Norte do século 20 e o publicitário é o seu profeta” (p.119). Ainda nesse
capítulo dizem que estamos no final da história da redenção secular. O
secularismo não tem “salvado” a humanidade e parece estar com sua cosmovisão em
crise. Eles apresentam três áreas que em que o economismo tem falhado: (1) não
tem trazido felicidade; (2) tem sido perigoso para a vida (doenças modernas,
idosos desvalorizados, etc.); e (3) está alcançando seu limite.
Qual a resposta
para o fracasso dos 3 deuses de nossos tempos? É o que tentam responder na
parte 4, “A Cosmovisão Bíblica em Ação”. No capítulo 10, Walsh e Middleton
começam apresentando “Uma resposta cristã cultural”. Não somente algumas
questões devem inquietar os cristãos, mas os amplos aspectos relacionados à
vida, sociedade e mundo. Isso requer que os cristãos (1) renunciem aos ídolos,
(2) reconheçam o caráter multidimensional da vida, (3) obedeçam aos padrões de
Deus para o ser humano, e (4) vivam em comunidade de modo renovado.
No capítulo
seguinte (11), continuam buscando apresentar uma cosmovisão cristã em ação para
a Academia (conhecimento e estudo). Se a universidade está no coração da
cultura ocidental, é preciso sérias reflexões acadêmicas nas diversas áreas do
conhecimento dominadas pelo naturalismo/secularismo/lucro. O cristão deve ir de
encontro à idéia da ciência autônoma, à parte das questões religiosas. As
divergências de escolas em relação a muitas áreas do conhecimento trazem
fundamentos para a própria incongruência na interpretação dos fatos apenas
racionalmente. Ou seja, a ciência moderna não é puramente objetiva, mas contem
pontos de partida religiosos. Como a academia é estruturada em termos de
cosmovisão que determina os paradigmas do conhecimento e teorias científicas filosoficamente,
uma “renovação cristã nos estudos universitários exigirá alguma compreensão
filosófica cristã”.
O último capítulo,
“Rumo a uma Estrutura Filosófica Cristã” trata do desenvolvimento de estrutura
teórica que seja modelada pela cosmovisão bíblica. Segundo os autores, uma
filosofia cristã começa com a criação. O academicismo cristão abrangente tem
por base o mandato cultural de cultivar e manter a criação de Deus. Ao praticar
um academicismo filosoficamente cristão dar-se testemunho do Criador e de Jesus
Cristo.
Analisando
criticamente o livro, lamento que a maioria dos livros sobre cosmovisão cristã
reformada tenha demorado tanto para serem traduzidos ao português. Uma vez que
os autores propõem a disseminação de uma filosofia cristã que atinja toda uma
sociedade e o mundo, deveria haver mais esforços de traduções nos mais diversos
idiomas. O outro lado da moeda é que as editoras cristãs brasileiras demoraram
muito pra traduzi-los dada a importância da sua influência ao mundo.
Quanto ao livro
propriamente dito, concordo que uma igreja cristã dualista tem sido de pouca
influência para nosso mundo secularizado de hoje, e que as conseqüências do
dualismo da história do mundo e da igreja, geraram os deuses da modernidade.
Reconheço que é preciso rejeitar os deuses, como plano de salvação secular, mas
não creio na ciência, tecnologia e economia (ou capitalismo) como algo
inerentemente maus. Desde que existe mundo, sempre houve os três aspectos
citados.
A própria Bíblia
mostra isso. Deus deu sabedoria a Bezalel para criar por meio da sua arte. A
arca, as casas, o templo de Jerusalém, os barcos dos apóstolos, etc., foram
construídos com ciência e tecnologia. Havia personagens bíblicos muito ricos,
como Abraão, Jó, Salomão, os próprios pescadores não eram tão pobres como
pensamos. O grande problema dessas coisas é confiar neles como deuses. Um
cientista cristão ou não descobre apenas as leis da natureza que Deus criou e
aplica o conhecimento adquirido em forma de tecnologia.
Os perigos propostos,
especialmente, quanto aos limites da exploração econômica do mundo, é em parte
por causa da exploração irresponsável, ao invés de sustentável, e a outra, ao
próprio aumento da população. Outra questão difícil jaz no fato de que mesmo
uma estrutura filosófica cristã na academia não irá cristianizar o mundo. As
implicações últimas para uma aplicação de uma cosmovisão cristã muito
abrangente numa sociedade pressupõem que a maioria seja cristã. E mesmo assim,
dado que vivemos em democracias - e antes democracias do que qualquer outra
forma de governo – deve-se respeitar a liberdade individual das pessoas. Ou
senão, no final, teremos teocracias cristãs, a exemplo de teocracias islâmicas.
Para mim isso é sempre perigoso, some-se isso ao fato de que sempre teremos
algumas cosmovisões cristãs, a exemplo de tantas denominações e doutrinas
diferentes e divergentes entre si. Deus
nos ajude!
Robson Rosa Santana
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