1 de setembro de 2020

É possível conciliar a fé cristã com a ideologia socialista?


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Texto inicial: Lucas 10:29-37 (Parábola do bom samaritano)

O assunto da nossa palestra é sobre a questão da Justiça Social. O que nós, como povo de Deus, devemos pensar e agir para socorrer os pobres, diminuir as desigualdades e lutar por uma sociedade mais justa, menos desigual, menos opressora em relação aos menos favorecidos?

Samuel Sey, no artigo Por que os Cristãos Reformados são Vulneráveis à Justiça Social, afirma que o problema ao tratar do assunto é partir da cultura, em vez das Escrituras. Ou seja, o problema é identificado pelos socialistas, mas os pressupostos e os objetivos para resolver a questão são totalmente diferentes do que ensinam a Palavra de Deus.

 

O pressuposto dos comunistas e socialistas é apenas histórico, material e econômico. O problema da humanidade é resolvido solucionando seus problemas terrenos através de uma reforma política e econômica radicais; através do que chamam de revolução, que normalmente ocorre de forma violenta, na força das armas e com derramamento de sangue.

 

Biblicamente, a busca da justiça social é o desembocar do amor ao próximo que todos os cristãos devem exercitar. Bem como uma ação do Estado, que também foi designado por Deus. Em 1 João 4.20-21 está escrito que não podemos dizer que amamos a Deus, se não amamos ao próximo, aqueles que estão ao nosso redor.

 

O pastor reformado, parlamentar, escritor e ex-Primeiro Ministro da Holanda, Abraham Kuyper (1937-1920), em uma palestra num Congresso para tratar do Problema da Pobreza, disse:

É necessária misericórdia diante da miséria temporal e também diante do sofrimento espiritual de homens cativos a falsos evangelhos, incluindo os evangelhos dos ideais revolucionários e de seus sonhos emancipatórios. (O problema da pobreza, p. 16).

É inegável que existe, e sempre existiu, uma sociedade injusta e até perversa, fundamentada no pecado e no engano, sendo os maiores deles, os pecados da avareza e da ambição desenfreadas.

 

Como já havia observado o Rei Salomão, em Eclesiastes 4.1: “Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém consolasse os oprimidos”. 


No entanto, que é o que queremos argumentar, a “questão social não precisa ser necessariamente resolvida por meio do entendimento socialista” (O problema da pobreza (p. 119).

 

Vejamos, então, a proposta comunista/socialista original, e atual, e analisemos se é possível conciliar a questão da justiça social com a ideologia socialista.

 

No Manifesto Comunista, de Marx e Engels, de 1848, no segundo capítulo do livro, que tem por título PROLETÁRIOS E COMUNISTAS, está escrito:

 O objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos dos demais partidos proletários: constituição do proletário em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado. (p.51).

No cerne do pensamento comunista está uma mudança total no status quo das sociedades, ou seja, em tudo que estava estabelecido em termos de riqueza e cultura em geral. Segundo eles, houve a transição do sistema feudal para o burguês, mas isso não mudou muito a situação daqueles que estão com a mão na massa, ou seja, a situação do trabalhador ou proletário.

 

Logo, a mudança proposta por eles se dá de forma radical. Ainda no MANIFESTO COMUNISTA, é dito: “os comunistas podem resumir sua teoria numa única expressão: supressão da propriedade provada” (p.52).

 

No entendimento de Marx e Engels, o sistema de geração de riqueza gerado pelas propriedades privadas só acumulava riqueza para os proprietários. Eles entendiam que o problema humano girava em torno da seguinte situação antagônica (conflitante): o sistema capitalista explora o trabalho assalariado.

 

A ideia, então, era - e é - abolir a propriedade privada para que os trabalhadores (proletários) possam usufruir do capital. Como isso vai acontecer? Através de revoluções armadas. Foi assim na Rússia, China, Coreia do Norte, Cuba, Vietnã, Camboja, etc.

 

Só que, na experiência prática, esse governo do proletariado e em prol do proletariado nunca existiu. No lugar dos burgueses ficaram ditadores e tecnocratas. Em outras palavras, continuaram as desigualdades, e agora sem a iniciativa privada, sem as liberdades políticas, familiares e individuais. O Estado se torna um deus. Seus ditadores seus profetas inquestionáveis; que também deveriam ser venerados e adorados.

 

Outro desdobramento da ideologia comunista é que a ideia de família em seu conceito mais tradicional precisava ser abolida. Será que estou exagerando? Vejamos o que está no MANIFESTO COMUNISTA:

Supressão da família! Até os mais radicais se indignam com esse propósito infame dos comunistas.
[...] Censurai-nos por querermos abolir a exploração das crianças pelos seus próprios pais? Confessamos esse crime.
Dizeis também que destruímos as relações mais intimas, ao substituirmos a educação domestica pela educação social. (p.55)
Para alcançar seus objetivos era preciso “arrancar a educação da influência da classe dominante” (p.55), especialmente no Ocidente (Europa e Américas), o conceito de família está, de alguma forma, condicionado ao que a Bíblia ensina (judaico-cristão).

 

A ideologia socialista não apenas foi colocada em práticas em países comunistas – ontem e hoje – mas também em países democráticos no Ocidente. Por exemplo, A então candidata pelo Partido Democrata nos EUA, Hilary Clinton, advogava que o Estado deveria intervir mais diretamente na criação dos filhos, para inculcar o pensamento liberal e progressista mais à esquerda de seu partido.

 

O que vemos em tudo isso até aqui?

 

Na prática, a ideia comunista é realizada de forma ditatorial pelo Estado, abolindo a propriedade privada, as liberdades individuais, a autonomia das famílias e à própria religião.

 

Segundo escreveu Marx, “a religião é o ópio do povo” (Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, 1843). Isso por que esteve atrelada ao sistema anterior, seja feudal, burguês ou capitalista. Logo, a solução é que a religião seja abolida.

 

Não somente isso. A ideia de pátria não existe. Ainda segundo o Manifesto Comunista:

os operários não têm pátria. não se lhes pode tirar aquilo que não possuem. como, porém, o proletariado tem o objetivo conquistar o poder político e elevar-se a classe dirigente da nação, tornar-se ele próprio nação, ele é, nessa medida, nacional, mas de nenhum modo no sentido burguês da palavra.

Logo depois de implantar o comunismo na Rússia, com o assassinato da família real, da dinastia Romanov, o próximo passo foi tentar expandir o comunismo para o resto da Europa. A Polônia estava no caminho. Disseram que iriam implantar o comunismo na Europa - e alhures - mesmo que fosse sobre os cadáveres dos poloneses. Mas nessa batalha foram derrotados. Talvez Marx e Engels não tivessem noção do que iria ocorrer décadas depois quando o comunismo fosse implantado em alguns países.

 

Eles diziam que o capitalismo iria acabar pouco a pouco em globalização. O comunismo iria apressar esse processo:

À medida que for suprimida a exploração do homem pelo homem será suprimida a exploração de uma nação pela outra (p.56).

Como a revolução comunista poderia ser colocada em prática? eles deixaram o passo-a-passo para isso:

Todavia, nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderão geralmente ser postas em prática: 

· Expropriação da propriedade latifundiária e emprego da renda da terra em proveito do Estado.
· Imposto fortemente progressivo.
· Abolição do direito de herança.
· Confiscação da propriedade de todas os emigrados e sediciosos.
· Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e com o monopólio exclusivo.
· Centralização, nas mãos do Estado, de todos os meios de transporte.
· Multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção pertencentes ao Estado, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundo um plano geral.
· Trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, particularmente para a agricultura.
· Combinação do trabalho agrícola e industrial, medidas tendentes a fazer desaparecer gradualmente a distinção entre a cidade e o campo
· Educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educação com a produção material, etc. (p.58).

No parágrafo final do Manifesto Comunista, Marx e Engels dizem:

 Os comunistas se recusam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social vigente. Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser os seus grilhões. Tem uma munda a ganhar. PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS. (p.69).

 

"Qual deve ser a posição e a atitude dos que confessam a religião cristã frente a este movimento socialista?" Pergunta Kuyper (o problema da pobreza, p. 128).

 


1) Os problemas sociais e as desigualdades devem gerar em nós profunda misericórdia

 

Exemplo: Bom samaritano. Dois religiosos passaram longe, mas um samaritano sentiu a dor do outro, comoveu-se, deu assistência necessária imediata e proveu ajuda através de outras pessoas.

 

De fato, Kuyper diz que devemos exercitar o contentamento, como diz Paulo, “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes” (1Tm 6.8). Ao mesmo tempo, podemos simplesmente usar erroneamente as palavras de Cristo: “os pobres sempre tendes convosco” (Mt 26.11), querendo nos isentar da nossa responsabilidade com o próximo. Desse modo, devemos reagir biblicamente quando pessoas são oprimidas e seu sustento é tirado mesmo quando tenha trabalhando para isso.

 

Kuyper disse também: 

“Uma misericórdia que só oferece dinheiro não é amor cristão. Amor cristão se caracteriza por uma doação completa. Não somente doação de dinheiro, mas doação de si mesmo, do seu tempo, de suas forças e da sua empatia. Somente então sairás em liberdade, quando sua doação transcender, com o fim de ajudar a solucionar o problema e colocar para sempre um fim a esta transgressão e, assim, minimizar os erros de uma vez por todas. Também nada do que se encontra escondido na casa do tesouro da sua religião cristã.” (O problema da pobreza (p. 130).


2) “Outra questão prática que deve ser levada em conta é que “o primeiro artigo de qualquer programa social, que se prepara para a aplicação do resgate, sempre será: creio no deus altíssimo, criador do céu e da terra.”  Kuyper. (p. 132).

 

Nos movimentos socialistas puramente materialista, Deus foi abolido, seja na Revolução Francesa, seja nos movimentos comunistas que vingaram no século XX.

 

Movimentos que buscaram diminuir os poderes autoritários e melhorar a vida da sociedade e que desemborram em sistemas democráticos e melhoraram de fato a sociedade, colocaram Deus no centro de seus projetos, seja na Inglaterra, Holanda ou Estados Unidos.

 


3) A questão da propriedade privada

 

De acordo com a Bíblia, as pessoas podiam acumular riqueza de forma honesta e sua herança passar para sua descendência (herdeiros). Isso não quer dizer que o Estado não deva estar atento às necessidades urgentes dos pobres e menos favorecidos.

 

No Brasil temos o Bolsa Família, Seguro Defeso. Recentemente o Auxílio Emergencial, etc. Mas a solução não dever ser apenas assistencialista. O Estado e outras entidades civis e religiosas devem auxiliar pessoas e famílias a encontrarem um caminho onde possa trabalhar e adquirir renda para sua família, empreender, etc.

 

O teólogo Wayne Grudem, em parceria com o economista Barry Asmus, escreveram o livro Economia e Política na Cosmovisão Cristã. Falando sobre a questão da desigualdade econômica, dentre outras coisas, disse: 

“A única solução em longo prazo para a pobreza vem quando as pessoas têm habilidades suficientes e disciplina para obter e manter empregos economicamente produtivos” (p.56)


Trazendo a ideologia socialista para o campo daqueles que professam a fé cristã, Franklin Ferreira escreveu recentemente o artigo infiltração dos “cristãos progressistas” na igreja cristã. Segundo ele, de modo geral, os “cristãos progressistas”: 

·  repudiam a Bíblia como Palavra de Deus inspirada e infalível;

·  falam da irrelevância da Trindade ou defendem o teísmo aberto;

·  são indiferentes aos ensinos sobre o pecado original e pessoal e a salvação pela graça;

·  repudiam o nascimento virginal de Cristo Jesus;

·  seu sacrifício expiatório e substitutivo na cruz;

·  e sua ressurreição corporal;

·  rejeitam todo e qualquer milagre ou sinal divino;

·  são críticos das igrejas ou “desigrejados”;

·  são indiferentes ou abandonaram qualquer crença na segunda vinda de Cristo.

Esta ruptura com as doutrinas centrais da fé cristã pode ser encontrada numa consulta aos livros, artigos, ensaios e apostilas sugeridos ou publicados por estes e que ilustram a ruptura com a fé entre muitos dos “cristãos progressistas” brasileiros; Infelizmente essa ideologia adentrou nos seminários teológicos, gerando pastores praticamente ateus.

 

Franklin Ferreira questiona: Se há tal ruptura com a tradição cristã mais ampla, como reconhecer esses ditos “progressistas” como cristãos?

 

A agenda dos chamados “cristãos progressistas” tornam absoluta toda a agenda atrelada aos anseios centrais da esquerda e extrema-esquerda, defendendo ferrenhamente: 

·  a união homoafetiva e a redefinição do conceito de família;

·  a defesa do aborto;

·  a liberalização das drogas;

·  o antissemitismo e antissionismo, e Israel como um “estado terrorista”;

·  a divisão marxista da sociedade em categorias de opressor e oprimido/vítima;

·  uma política identitária que divide a sociedade, sem nenhum interesse em reconciliação;

·  a crença de que “todos os homens brancos são responsáveis pela opressão branca” e que o homem branco cristão é o opressor, “o diabo” (James Cone), e “a igreja ‘branca’ é o Anticristo” (Jeremiah Wright);

·  a satanização dos opressores e imposição aos indivíduos de pagar por opressões históricas das categorias a que pertencem;

·  que aqueles que não concordem com eles são fascistas, homofóbicos, racistas, misóginos etc.

·  e a fé de que o Estado controlador, sob o domínio do Partido, pode moldar e controlar a sociedade civil, levando-a a um milênio secularizado.

Este é todo o “evangelho” que os “cristãos progressistas” têm para oferecer.

 

Finalizo com as palavras do estadista reformado Abraham Kuyper: 

“Tudo o que se pode sussurrar aos nossos ouvidos aqui é o comovente e eloquente chamado do bom samaritano. Há sofrimento ao teu redor e os que passam por este sofrimento são teus irmãos, compartilham a mesma natureza, são de tua própria carne, de teus próprios ossos. Tu poderias estar no lugar deles; e eles, em tua posição privilegiada. E agora o evangelho vos fala de um Redentor da humanidade que, mesmo sendo rico, fez-se pobre por amor de vós para vos tornar ricos. O evangelho nos faz ajoelhar e adorar uma criança que nos nasceu, mas que nasceu em um estábulo. Uma criança que foi deitada em uma manjedoura e envolta em faixas. Este fato nos aponta para o Filho de Deus, mas o qual se tornou Filho do homem a fim de percorrer a terra, indo da rica Judeia à pobre Galileia, achegando-se, naquela desprezada Galileia, aos que ali se encontravam necessitados ou pressionados pelo sofrimento. Sim, este evangelho vos fala de um único Salvador que, antes de partir deste mundo, inclinou-se com vestes de escravo a fim de lavar os pés de seus discípulos, um a um. Após ter feito isso, levantou-se e disse: “Eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também uns aos outros”. (O problema da pobreza. p. 146).


















Pergunto: É possível conciliar a fé cristã com a ideologia socialista?

 


Robson Rosa Santana

Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil

(62) 98547-6460