19 de outubro de 2018

A Visão Transformadora: moldando uma cosmovisão cristã: uma resenha


WALSH, Brian; MIDDLETON, J. Richard. A Visão Transformadora: moldando uma cosmovisão cristã. Trad. Valdeci Santos. 1 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. Original em inglês: The Transforming Vision (1984).

Durante os anos de 1977 e 1983, os autores Brian Walsh e J. Richard Middleton ministraram cursos sobre cosmovisão cristã em alguns campi de Ontário do Sul. O propósito dos dois eram apresentar aos alunos uma cosmovisão abrangente e aplicada a todas as realidades da vida num mundo cada vez mais secularizado, uma vez que tem sido pouca a influência dos cristãos na vida pública.
O livro é dividido em 4 partes. A parte 1, “O que são cosmovisões”, possui dois capítulos. No capítulo 1, “Cosmovisão e cultura”, os autores fazem uma apresentação do que são cosmovisões. Afirmando que cada pessoa individualmente possui uma cosmovisão, que por sua vez é influenciada por um grupo maior, seja uma etnia, seja uma nação, seja uma cosmovisão que abranja boa parte do mundo, especialmente em nossos dias em que algumas questões são globalizadas. Segundo eles, cosmovisão é a visão de mundo que modela as ações no mundo.
O capítulo 2 Walsh e Middleton analisam as cosmovisões. Sugerem que “as cosmovisões são fundadas em compromissos fundamentais de fé” (p.32). Quem sou eu? Onde estou? O que está errado? Qual é a solução? Essas são as questões últimas que todos tentam responder (seja explícita ou tacitamente). Ao respondê-las, têm-se uma cosmovisão e, assim, vive-se modelada nela. A título de exemplos citam o Japão, a América do Norte e a etnia pele vermelha Dene. A avaliação de uma cosmovisão baseia-se nos critérios da (1) realidade, (2) coerência interna e (3) franqueza. Em relação a atual cosmovisão cristã há uma incoerência entre os que os cristãos americanos crêem, e o que vivem. Logo, a cosmovisão cristã sofre de falta de integridade. O livro tenta corrigir essa incoerência entre fé e prática.
A parte 2, “A cosmovisão bíblica”, dividida em 3 capítulos, eles fundamentam-se no Mitte da teologia bíblica: Criação, Queda e Redenção. No capítulo 3 sobre a perspectiva bíblica da criação, afirmam especialmente que a doutrina da criação não deve apenas ser fundamento para ir de encontro ao evolucionismo e o conseqüente naturalismo filosófico que permeia o mundo ocidental, mas a criação traz as diretrizes corretas que devem permear a formação da cultura. Ou seja, o ser humano deve cumprir seu mandato cultural de desenvolver e preservar o mundo. Ver a criação com essa ênfase, implica na totalidade da existência. Respondendo às questões de que somos criados por Deus e formadores de cultura, pessoas completas, “chamadas por seu criador para ir e desenvolver a terra” (p.51).
O capítulo 4, reconhece a Queda como a desobediência e afastamento daquilo que fomos originalmente chamados para ser no propósito da Criação. Falsos deuses, ou ídolos, usurparam o lugar de Deus e o nosso, como representantes de Deus na terra. Pouco a pouco o ser humano foi dicotomizando a vida por causa de sua visão distorcida de Deus e de sua vontade para a vida cotidiana, afirmando que Deus tem padrões para algumas coisas, e que para outras ele não se manifesta. Daí começou a surgir o dualismo sagrado/secular. Os autores dão exemplos bíblicos que em todos os aspectos da vida, as leis de Deus se revelam, por exemplo, as leis da agricultura de Isaias 28:24-29.
A solução para a situação trágica em que o homem se meteu foi trazida pela Redenção que há em Jesus. Esse é tema do capítulo 5. Desde Gn 3.15 Deus prometeu um redentor para o problema da queda do homem. Jesus renova a imagem de Deus por meio de seu sangue para que novamente a humanidade possa refletir Deus na terra. Cristo não somente redime o homem, mas a criação que foi afetada pelo pecado dele. É preciso buscar a redenção cultural também. Walsh e Middleton propõem que todas as coisas possuem Estrutura e Direção por ordem da criação e a tarefa do povo redimido de Deus – a Igreja – é reorientar a cultura ao senhorio de Cristo.
A terceira parte do livro, os autores tratam da problemática da “cosmovisão moderna”. O capítulo 6 expõe sobre “O Problema do dualismo”. O dualismo reside em que os cristãos (americanos) confessam uma coisa e não praticam o que professam. Se o reino é chegado, “onde estão as boas-novas personificadas culturalmente?” (p.81). Os cristãos americanos possuem uma cosmovisão dividida. Segundo Walsh e Middleton, “o dualismo aparece em pelo menos três formas: como vemos o trabalho (o religioso como mais importante), como vemos a cultura (contra a cultura ou alienados dela) e como lemos a Bíblia (arrebatamento ao invés da restauração e permanência na terra redimida).
 Como se deu “O Desenvolvimento do Dualismo” (cap.7)? Eles traçam essa separação entre sagrado versus secular nas próprias culturas antigas pagãs, passando pelos pais antigos, sendo influenciados pelo neoplatonismo matéria/forma (Agostinho: eterno x temporal). Pela influência aristotélica na forma elaborada por Aquino em graça/natureza (atividades naturais eram inferiores às sobrenaturais). Com os teóricos da ciência moderna, a natureza foi engolindo a graça, e passou-se do dualismo para o secularismo. Essa cosmovisão dualista “tornou o evangelho irrelevante para a vida como um todo” (p.99).
O capítulo seguinte faz-se um relato do “Progresso da Cosmovisão Secular”. Em suma, a partir do século 18 a modernidade se estabelece na forma de secularismo. O homem se torna autônomo, pois a ciência à parte de Deus encontrava respostas para a vida neste mundo e buscava dominar a natureza com sucesso. Assim a natureza foi reduzida a uma máquina, ao invés de criação à qual devemos administrar como mordomos de Deus.
Baseado nesse fulcro da ciência estritamente naturalista é que surgem, segundo os autores, “Os Deus da Nossa Era” (cap. 9): O cientifismo, o tecnicismo e o economismo. A ciência é tida como conhecimento para salvação. É a crença num pós-milenismo humanista. O tecnicismo é a aplicação do conhecimento científico na criação de máquinas capazes de solucionar nossos problemas humanos. Citando Rifkin: “... A máquina é o nosso meio de vida e nossa cosmovisão” (p.115). O desenvolvimento da ciência e tecnologia é o que gera a fonte de lucro do nosso mundo materialista. Segundo Ron Sider, “o padrão de vida cada vez mais opulento é o deus da América do Norte do século 20 e o publicitário é o seu profeta” (p.119). Ainda nesse capítulo dizem que estamos no final da história da redenção secular. O secularismo não tem “salvado” a humanidade e parece estar com sua cosmovisão em crise. Eles apresentam três áreas que em que o economismo tem falhado: (1) não tem trazido felicidade; (2) tem sido perigoso para a vida (doenças modernas, idosos desvalorizados, etc.); e (3) está alcançando seu limite.
Qual a resposta para o fracasso dos 3 deuses de nossos tempos? É o que tentam responder na parte 4, “A Cosmovisão Bíblica em Ação”. No capítulo 10, Walsh e Middleton começam apresentando “Uma resposta cristã cultural”. Não somente algumas questões devem inquietar os cristãos, mas os amplos aspectos relacionados à vida, sociedade e mundo. Isso requer que os cristãos (1) renunciem aos ídolos, (2) reconheçam o caráter multidimensional da vida, (3) obedeçam aos padrões de Deus para o ser humano, e (4) vivam em comunidade de modo renovado.
No capítulo seguinte (11), continuam buscando apresentar uma cosmovisão cristã em ação para a Academia (conhecimento e estudo). Se a universidade está no coração da cultura ocidental, é preciso sérias reflexões acadêmicas nas diversas áreas do conhecimento dominadas pelo naturalismo/secularismo/lucro. O cristão deve ir de encontro à idéia da ciência autônoma, à parte das questões religiosas. As divergências de escolas em relação a muitas áreas do conhecimento trazem fundamentos para a própria incongruência na interpretação dos fatos apenas racionalmente. Ou seja, a ciência moderna não é puramente objetiva, mas contem pontos de partida religiosos. Como a academia é estruturada em termos de cosmovisão que determina os paradigmas do conhecimento e teorias científicas filosoficamente, uma “renovação cristã nos estudos universitários exigirá alguma compreensão filosófica cristã”.
O último capítulo, “Rumo a uma Estrutura Filosófica Cristã” trata do desenvolvimento de estrutura teórica que seja modelada pela cosmovisão bíblica. Segundo os autores, uma filosofia cristã começa com a criação. O academicismo cristão abrangente tem por base o mandato cultural de cultivar e manter a criação de Deus. Ao praticar um academicismo filosoficamente cristão dar-se testemunho do Criador e de Jesus Cristo.
Analisando criticamente o livro, lamento que a maioria dos livros sobre cosmovisão cristã reformada tenha demorado tanto para serem traduzidos ao português. Uma vez que os autores propõem a disseminação de uma filosofia cristã que atinja toda uma sociedade e o mundo, deveria haver mais esforços de traduções nos mais diversos idiomas. O outro lado da moeda é que as editoras cristãs brasileiras demoraram muito pra traduzi-los dada a importância da sua influência ao mundo.
Quanto ao livro propriamente dito, concordo que uma igreja cristã dualista tem sido de pouca influência para nosso mundo secularizado de hoje, e que as conseqüências do dualismo da história do mundo e da igreja, geraram os deuses da modernidade. Reconheço que é preciso rejeitar os deuses, como plano de salvação secular, mas não creio na ciência, tecnologia e economia (ou capitalismo) como algo inerentemente maus. Desde que existe mundo, sempre houve os três aspectos citados.
A própria Bíblia mostra isso. Deus deu sabedoria a Bezalel para criar por meio da sua arte. A arca, as casas, o templo de Jerusalém, os barcos dos apóstolos, etc., foram construídos com ciência e tecnologia. Havia personagens bíblicos muito ricos, como Abraão, Jó, Salomão, os próprios pescadores não eram tão pobres como pensamos. O grande problema dessas coisas é confiar neles como deuses. Um cientista cristão ou não descobre apenas as leis da natureza que Deus criou e aplica o conhecimento adquirido em forma de tecnologia.
Os perigos propostos, especialmente, quanto aos limites da exploração econômica do mundo, é em parte por causa da exploração irresponsável, ao invés de sustentável, e a outra, ao próprio aumento da população. Outra questão difícil jaz no fato de que mesmo uma estrutura filosófica cristã na academia não irá cristianizar o mundo. As implicações últimas para uma aplicação de uma cosmovisão cristã muito abrangente numa sociedade pressupõem que a maioria seja cristã. E mesmo assim, dado que vivemos em democracias - e antes democracias do que qualquer outra forma de governo – deve-se respeitar a liberdade individual das pessoas. Ou senão, no final, teremos teocracias cristãs, a exemplo de teocracias islâmicas. Para mim isso é sempre perigoso, some-se isso ao fato de que sempre teremos algumas cosmovisões cristãs, a exemplo de tantas denominações e doutrinas diferentes e divergentes entre si. Deus nos ajude!

Robson Rosa Santana