4 de março de 2009

MESSIAS

INTRODUÇÃO


O propósito desse estudo é tratar do assunto Messias Mediador numa perspectiva da Teologia Bíblica. Não me detive somente ao aspecto messiânico do Novo Testamento, pois é necessário compreender as origens do termo Messias, que significa simplesmente “Ungido”, e de como, a partir daí, se gerou uma expectação a respeito de uma figura escatológica, um rei davídico, alguém que governaria com justiça e para sempre.


Responder essas questões é o que tentaremos expor a seguir. Dividimos esse estudo em seis partes. Na primeira, descrevemos como a expectativa do Messias foi gerada, ou desenvolvida, no período do Antigo Testamento, bem como do período do judaísmo posterior. Na parte dois vamos ao contexto no século I, especialmente no tempo do ministério de Jesus, registrado nos evangelhos. Um exemplo dessa expectativa ocorre durante o ministério de João Batista, quando foi enviada uma delegação da parte dos fariseus perguntando-lhe se era o Messias (Jo 1.17ss).


Feito isso, partimos para a identificação de Jesus como o Messias, e o motivo de Ele não ter enfatizado esse título durante a sua vida, que era justamente por causa da idéia errônea a respeito do Messias esperado. A seguir, fizemos a relação entre o Messias e o “Filho de Davi”, uma expressão estritamente messiânica. Por fim, tratamos do Messias como mediador da nova aliança, ou seja, aquele que é consumação da aliança de Deus com o Seu povo.


I. Definição do Termo “Messias”

A palavra Messias provém do hebraico Mashiach, que significa “ungido”, “aquele que é ungido”. No grego é a tradução para Christos. A palavra ocorre mais ou menos 40 vezes no Antigo Testamento, principalmente nos livros de Samuel e nos Salmos. A primeira unção de que se tem notícia no Antigo Testamento ocorre em Gn 28:18, com a significação de separação e consagração, por isso foram ungidos os utensílios do tabernáculo, como se encontra em Êxodo 30:22-33.


Com a mesma finalidade pessoas eram ungidas para os ofício de sacerdote, profeta e rei (Ex. 29.7; 1Sm 16.13; 1Rs 19.16). Além do sentido de consagração, de separação, havia o sentido de santificação. Algumas funções como a do sacerdócio exigiam essa consagração pela cerimônia de unção com óleo. “Conquanto possa designar uma função, tal como a do sumo sacerdote, mashiah é quase exclusivamente reservado como sinônimo de ‘rei’ (melek, q.v.), como em textos poéticos, onde é paralelo de ‘rei’ (1 Sm 2.10; 2 Sm 22.51; cf. Sl 2.2; 18.50 [51])”.[1] Daí o rei se tornar servo de Deus e objeto especial da divina proteção (Sl 2:2; 18:50; 45:7; 92:10). Esse fato tornava a pessoa do rei digna de especial respeito como se vê em 1 Samuel 24:4,15.

II. A Expectação Messiânica no AT e no Judaísmo Posterior
O estudo do desenvolvimento da figura messiânica é antes de tudo histórica, e, depois, teológica. Há uma confusão quando se transplanta o conceito cristão do Messias e implantam essa idéia no Antigo Testamento. O conceito que Jesus tinha de sua missão não satisfez a expectação messiânica dos judeus.


Como disse antes, o sentido primário do título Messias significa “rei”. Desse modo tinha uma conotação bastante política. No entanto, quando se olha para a totalidade da evidência judaica posterior, percebe-se que o Messias não seria somente um rei, mas um rei escatológico que surgiria nos tempos do fim. E uma vez que Davi era tido como um rei ideal, o rei messiânico seria como Davi.


Mas como o Messias nacional passou a ser um rei ideal futuro? Como Davi tinha sido um rei poderoso e de muito prestígio, os judeus esperavam que surgisse outro como ele. Mas com a divisão do reino e reis maus e idólatras no poder (com raras exceções), o sonho foi desvanecendo. Nem quando Zorobabel assumiu a liderança de Judá, depois do exílio, a expectativa quanto a um novo Davi foi concretizada ou alcançada. “Paulatinamente, a esperança foi projetada para o futuro e, finalmente, para um futuro muito remoto, de modo que o Messias passou a ser esperado para o fim dos tempos”.[2]


Nas Escrituras do Antigo Testamento essa expectativa é desenvolvida especialmente nos livros de Samuel (Ana – I:2.10b), Salmos (2), Isaías (9; 11) e Zacarias entre outros livros. Esse Messias seria aquele que haveria de governar a Israel e livrar o povo da opressão de outras nações. É o rei davídico prometido em 2 Sm 7.12 ss., com poderes sobrenaturais, que “purificará a terra da impiedade, reunirá o Israel fiel e reinará para sempre desde o trono de Davi sobre uma terra transformada”.[3]


No período do judaísmo posterior, pós-exílico babilônico, também continuou a expectativa de um Messias rei libertador dos opressores, por exemplo, nos Salmos de Salomão (autor desconhecido), nos manuscritos de Qumran (expressão “Renovo de Davi”); As Similitudes de Enoque; em dois Apocalipses (Séc. 1 d.C.); e na Literatura Rabínica. Todos têm como ênfase principal um rei davídico, agindo especialmente na dimensão política. No entanto, havia uma confusão acerca dessa esperança messiânica, pois se esperavam dois tipos de Messias. Um era o Messias puramente nacional, que apareceria como um homem e assumiria a governo de Judá, livrando-os, assim, dos seus opressores. O outro era o Messias transcendente, vindo do céu, parcialmente humano e parcialmente divino, este estabeleceria o reino de Deus na terra.

III. A Expectação Messiânica Nos Evangelhos
Por que Jesus foi chamado Messias, quando não desempenhou as expectativas judaicas contemporâneas? De início, não podemos esquecer da expectativa nos Evangelhos. Na mente do povo estava a esperança dos Salmos de Salomão. Desse modo, no período do Novo Testamento se esperava (1) que um Messias aparecesse (Jo 1.20; 41; 4.29); (2) que seria Filho de Davi (Mt 21.9; 22.42); (3) que nasceria em Belém (Jo 7.42; Mt 2.5); (5) que ele surgiria de origem obscura, como dizia uma tradição (Jo 7.26,27); e (6) que permaneceria para sempre (Jo 12.34).


O elemento mais importante nessa expectativa é que o Messias seria o rei davídico. Vejamos alguns fatos. Os magos vieram atrás de um Rei. Os escribas apontaram um lugar de seu nascimento como Belém. Herodes interpretou os fatos em termos políticos. Os fariseus e sacerdotes temeram a popularidade de Jesus, e que os romanos interpretassem sua fama como rebelião e tentassem esmagar o movimento, bem como a nação judaica.


“Um líder poderoso que sobrepujaria Roma é precisamente aquilo que o povo desejava como seu messias”.[4] Na multiplicação dos pães de forma poderosa surgiu um movimento de tentar, pela força, fazer Jesus rei (Jo 6.15), e se Ele tivesse esse propósito os judeus o aceitariam como o messias rei. Contudo, o messianato que Jesus veio trazer foi bem diferente da conotação popular.
“Nas epístolas de Paulo, o conceito messiânico chegou a ter conotações bem diferentes de um tipo soteriológico; e, se o ministério de Jesus realmente desenvolveu-se em tal direção e não deveria envolver no tempo presente qualquer forma de manifestação política, podemos compreender por que razão ele não fez uso muito extensivo de um termo que sugeriria à mentalidade popular algo bem diferente do que Jesus pretendia. Levando em conta esse contexto histórico, podemos entender por que a palavra tornou-se de uso generalizado para referir-se a Jesus somente após a sua ascensão, quando a sua missão messiânica foi finalmente compreendida e a categoria messiânica tão completamente reinterpretada que o termo foi submetido a uma transformação completa (Jo 20.31)”[5].


IV. Jesus e o Messias
A palavra Christos aparece nos quatros evangelhos como um título, e não como um nome próprio. Em algumas partes ela aparece sem o artigo definido, mas parece ter sido usada, sem dúvida, como título. Apenas em quatro lugares onde a palavra é usada como nome próprio, são textos editoriais, nestes casos o uso perfeitamente legítimo. Então se levanta uma suspeita que a tradição cristã nos tempos da igreja helenista tenha levado o nome Cristo como um sentido de nome próprio, como um sobrenome de Jesus.


Há dois episódios nos evangelhos que devem receber a atenção especial para entendermos o uso do título Cristo: Primeiramente depois que Pedro afirmou que Jesus era o messias (Mc 8.29), Jesus adverte-lhes que não dissesse a ninguém. E outro quando Pedro afirma que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, e Jesus o abençoa (Mt 16.16). Na primeira afirmação de Pedro, Jesus pede-lhe que não contasse a ninguém. Alguns comentaristas afirmam que Jesus sabia que o conceito de messias de Pedro era de um messias libertador do domínio romano. E quando o compara com o diabo é porque este não aceita a idéia de um messias. Já no outro episódio Pedro entende o real significado da messianidade de Jesus e assim Ele o abençoa. Talvez mais pelo reconhecimento como Filho de Deus do que como Messias. Pois este reconhecimento só poderia partir de uma revelação de Deus, no entanto, o reconhecimento messiânico poderia ser deduzido.

Porém, não podemos ter certeza se Pedro ao chamá-lo de “Ungido”, ele tinha esta conotação de libertador político, pois em nenhum mandamento Jesus se fez entender com este intuito, e é bem provável que os discípulos tenham ouvido a declaração de Jesus para João Batista que Ele era o cumprimento da promessa de um Messias. E até mesmo o pedido de Tiago e João era para o reino apocalíptico eterno e não para um reino vitorioso conquistador Davídico.


Outra passagem importante é a acareação de Jesus perante o sinédrio: Onde o sacerdote ao querer incriminá-lo como herege para a religião judaica e usurpador do império romano, pergunta se ele era o Messias como o declaravam (Mc 14.62). E Jesus o afirma, mas declarando do tipo Filho de Deus e não do tipo rei. Ao reivindicar-se como Filho de Deus ele foi condenado como herege, mas ser o Messias não daria esta condenação. Por isso deveria ser condenado perante o império romano também como sedição, de reivindicar ser o pretendente real em desafio a Roma. A própria mudança repentina da multidão em Jerusalém nos últimos dias revela sua frustração ao reconhecer que a messianidade de Jesus era no sentido de Filho de Deus.


Sumariando, Jesus não fez nenhuma reivindicação aberta de ser o Messias, entretanto, ele não rejeitou a messianidade quando lhe foi atribuída. Como diz W. G. Kümmel, Mc 14.62 “é uma denominação importante de que Jesus não rejeitou de todo a esperança por um termo que não caracterizava suficiente e acertadamente todo sentido de sua missão. Por isso não chegou a utilizar por iniciativa própria o título ‘o Ungido’”.[6] Pode-se afirmar, pelos evangelhos, que Jesus não teve aspirações políticas. Para ele, o mais importante era a obediência a Deus (Mc 12.13-17). Por isso, não prometeu um governo judeu suplantando o poder romano, mas ordenou a seus discípulos que antes de tudo servissem, em vez de serem senhores, como o costume de outros povos (Mc 10.42-45).


V. O Filho de Davi e o Messias
Um rei que seria da descendência de Davi (Jeremias 23:5; 33:15), o ungido do Senhor nos Salmos de Salomão é designado Filho de Davi (Salmos de Salomão 17:23). No judaísmo pós-cristão, a expressão “Filho de Davi” ocorre freqüentemente como um título do Messias. Segundo a narrativa de Mateus, Jesus foi reconhecido como o Filho de Davi (e.g., Mt 9:27). Este título aparece somente uma vez em Marcos 10:47. O fato de Jesus pertencer à descendência de Davi é claro em Romanos 1:3, onde está escrito que Jesus foi “descendente de Davi segundo a carne”. Kümmel diz que “é bem provável que Jesus não tenha dado muita importância ao fato de ser descendente de Davi”.[7] Ele argumenta a partir da ocasião em que Jesus estava no templo e perguntou: “Como dizem os escribas que o Cristo é filho de Davi?” (Mc 12.35). Jesus, então, cita o texto de Salmo 110.1, onde o salmista Davi escreve: “Disse Yahweh ao meu Senhor: assenta-te à minha direita”. Jesus conclui que se “Davi chama-lhe (o Cristo) de Senhor; como, pois, é ele seu filho?” (Mc 12.37). Kümmel conclui dizendo que Jesus rejeitou o título religioso de Filho de Davi, pois era maior que Davi, logo, estava acima de Davi. É óbvio que Jesus ao ensinar no templo queria dizer que o Filho de Davi como Messias é maior do que o rei Davi, mas isso não significa que ele rejeitou a sua descendência davídica. Na verdade, “Jesus mostra que, conquanto o Messias descenda de Davi, sua dignidade real e poder sobrepujam os de Davi”.[8]


VI. O Messias como Mediador
No capítulo 3, do livro Cristo dos Pactos, O. Palmer Robertson fala sobre “A Unidade das Alianças Divinas”. Nele afirma que existe uma unidade estrutural e uma temática, e que unidade temática das alianças está no oráculo de Yahweh: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo”. E o clímax dessa palavra de Deus é alcançada na incorporação de uma única pessoa, a saber, o “Messias” de Deus.


O tema do “Ungido” é desenvolvido principalmente pelo profeta Isaías. Em que a essência do conceito da aliança converge para as expectações messiânicas. “Esse indivíduo, da mais alta significação, cumpre seu papel como personificação da aliança através de sofrimento em lugar de outros”.[9] É o Servo do Senhor de Isaías 42. Falando desse servo, Yahweh diz: “Eu te farei mediador da aliança com o povo e luz para os gentios” (Is 42.6).

Para efetuar nossa reconciliação, criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus, mas caídas em franca rebelião contra Ele - logo, inimigos - Ele, o Pai, designou e enviou seu Filho para ser nosso Mediador. Cristo traz a nós nada menos que a majestade do próprio Deus. Ele é o Deus encarnado, pois tomou para si a natureza humana e voluntariamente submeteu-se às exigências da lei de Deus (Gl 4.4).


Jesus é o mediador eficiente capaz de gerar a paz entre as partes em conflito ou inimizadas. É este o sentido da palavra mediador em 1Tm 2.5, a qual Jesus desempenhou como nosso perfeito Mediador. Paulo declarou que temos paz com Deus através da obra de Cristo de reconciliação: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1).


A palavra mesites (mediador) no Novo Testamento justifica um duplo significado quando aplicada a obra mediadora de Cristo, ou seja, “a de garantia ou fiança e a de acesso (grego, prosagoge, Rm 5.2)”.[10]


Em comparação, a obra mediadora de Cristo é superior a de todos os outros mediadores. Moisés foi o mediador da antiga aliança. Ministrou “o” sangue da aliança (Ex 24.8). Serviu como intermediário de Deus, dando a lei aos israelitas. Jesus, porém, é superior a Moisés. Solenemente declara: “Isto é o meu sangue, sangue da nova aliança” (Mt 26.28, grifo meu). “Como mediador real da aliança, Ele não ministra meramente as leis do reino. Ministra-se a si mesmo ao povo”.[11] O autor de Hebreus declara que “Jesus, todavia, tem sido considerado digno de tanto maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a estabeleceu. Pois toda casa é estabelecida por alguém, mas aquele que estabeleceu todas as coisas é Deus. E Moisés era fiel em toda a casa de Deus, como servo, para testemunho das coisas que haviam de ser anunciadas; Cristo, porém, como Filho, em sua casa; a qual casa somos nós, se guardarmos firme, até ao fim, a ousadia e a exultação da esperança” (Hb 3.3-6).


CONCLUSÃO
O autor de Hebreus escreve justamente para o povo israelita tentando mostra-lhe a supremacia de Cristo como mediador da consumação da aliança de Deus com o seu povo. Mas seu povo não o recebeu (Jo 1.12). Jesus veio arrebanhar as ovelhas perdidas da casa de Israel, mas elas preferiram ficar dispersas e correr o risco dos perigos e dos lobos devoradores. O Messias Jesus veio proteger e trazer segurança a seu povo como uma galinha ajunta seus pintos debaixo das suas asas, mas eles não quiseram. Então a casa de Israel teve de ficar deserta (Mt 23.37-39).


O que mostramos neste estudo é que a Escritura foi mal compreendida, e que o povo judeu passou a esperar um Messias mais condizente com sua situação existencial do que com aquilo que Deus realmente revelou na Escritura. E quando o verdadeiro Messias apareceu, na pessoa do Filho encarnado, eles o rejeitaram, crucificaram-no; mas “Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2.36).


Jesus Cristo também foi identificado como o Filho de Davi, o rei escatológico predito no Antigo Testamento. Quando os líderes do Sinédrio entregam Jesus a Pilatos, disseram que Ele afirmava ser “o Cristo, o Rei” (Lc 23.2). Quando Pilatos pergunta se Jesus era o rei dos judeus, ele responde de acordo com a verdadeira dimensão de seu reinado: “o meu reino não é desse mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui (Jo 18.36).

Para nós hoje resta-nos uma expectativa messiânica, essa se refere a Sua segunda vinda, quando “ele enviará os seus anjos com grande clangor de trombeta, os quais ajuntaram os seus escolhidos desde os quatros ventos, de uma a outra extremidade dos céus” (Mt 24.31). Infelizmente, os judeus ainda esperam pelo Messias do A.T.. E mais, há um grande número de pessoas que nunca ouviram falar de um Messias mediador. O único que pode nos reconciliar novamente com o Criador. E a promessa da segunda parousia se cumpre quando for pregador “o evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho de todas as nações” (Mt 24.14).


Notas
[1] V. P. Hamilton., “mashiah”, em R. Laird Harris et al., ed., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1998), 885.
[2] D. H. Wallace, “Messias”, em W. E. Elwell ed., Enciclopédia Histórico-Teologica da Igreja Cristã (São Paulo: Vida Nova, 1992), 508.
[3] G. E. Ladd, Teologia do Novo Testamento (São Paulo: Hagnos, 2001), 129.
[4] Ladd, Teologia do Novo Testamento, 131.
[5] ibidem.
[6] Kümmel, Síntese Teológica do Novo Testamento (São Leopoldo: Sinodal, 1983), 80
[7] Kümmel, Síntese, 82.
[8] Nota da Bíblia de Estudo de Genebra (São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil,
1999), 1170.
[9] O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos (Campinas: Luz Para o Caminho, 1997), 47-48 (grifos meus).
[10] Louis Berkhof, Teologia Sistemática (Campinas: Luz Para o Caminho, 1990), 283.
[11] Robertson, Cristo dos Pactos, 48.

Berkhof, Louis, Teologia Sistemática, 1a ed., trad. Odayr Olivetti, Campinas: Luz Para o Caminho, 1990.
Bíblia de Estudo de Genebra, 1a ed., São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, R. Laird Harris et al., ed., São Paulo: Vida Nova, 1998.
Enciclopédia Histórico-Teologica da Igreja Cristã, W. E. Elwell ed., São Paulo: Vida Nova, 1992.
Ferreira, W. C., Teologia Bíblica, CEIBEL: Patrocínio,1997.
Kümmel, Síntese Teológica do Novo Testamento, 3a Ed. Trad. Sílvio Schneider e Werner Fuchs São Leopoldo: Sinodal, 1983.
Ladd, G. E., Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Hagnos, 2001.
Robertson, O. Palmer, Cristo dos Pactos, Campinas: Luz Para o Caminho, 1997.
Sproul, R. C., Verdades Essenciais da Fé Cristã: 1o Caderno (Cultura Cristã, 1999)

3 de março de 2009

A MISSÃO DE DEUS E A MISSÃO DA IGREJA

por Robson Rosa Santana

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INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é desenvolver uma teologia de missão centrada na pessoa de Deus e as implicações práticas fundamentadas, especialmente, no Evangelho de João. Até meados do século XX, uma verdadeira missiologia centrada nas Escrituras não havia sido desenvolvida. Havia uma confusão em torno do termo “missão”. Desde a época da Igreja primitiva constata-se que os cristãos foram impulsionados pelo Espírito Santo a proclamar as Boas Novas de Cristo como redentor; mesmo assim, esse empreendimento missionário não tinha um fundamento sólido do que realmente viria a ser a “missão”.

Somente depois da década de 1950 é que houve uma dedicação mais séria para se conceituar essa tarefa primordial da Igreja do Senhor Jesus. Até então a missão se confundia com aquilo que a Igreja realizava e o sucesso que ela produzia em termos de resultados em outros lugares, onde o cristianismo não havia chegado. Por exemplo, no século XIX, o empreendimento missionário estava totalmente atrelado ou envolvido com o imperialismo dos Estados Unidos e dos países europeus. Com o processo de descolonização, as missões cristãs foram desacreditadas, justamente por causa da associação dos países ditos cristãos com a opressão. Esses e outros fatores contribuíram para aumentar a crise de identidade da Igreja e da validade da missão.

Isso levou teólogos e missiólogos a reverem se realmente era a própria Igreja o fundamento da missão. O resultado disso, que é sumariado nesse trabalho, é que a missão passou a ter um novo centro, ou seja, a Trindade. O empreendimento missionário deixou de ser visto apenas em termos soteriológicos (salvação de pessoas da perdição eterna), eclesiológicos (expansão da Igreja ou denominação) e/ou culturais (levar os do Oriente a desfrutar das bênçãos do Ocidente cristão).

Esses estudiosos das Escrituras chegaram à conclusão que quem tem uma missão é o próprio Deus, a missão é dele, por isso a expressão latina missio Dei (missão de Deus). Pois, na verdade, quem tem uma missão em direção e em benefício da humanidade caída, é o Pai, o Filho e o Espírito. Houve, assim, uma descentralização do homem, da Igreja e das agências missionárias como os protagonistas da missão. Chegou-se à conclusão que esses meios que Deus usa são os coadjuvantes de sua missão. É Deus que tem uma missão no mundo. A Igreja tem o privilégio de ser participante da missão de Deus.

Conquanto o foco principal desse texto seja a Trindade como protagonista da missão, não é do nosso interesse desenvolver uma teologia da doutrina da Trindade. Partimos do pressuposto do conhecimento e da aceitação de que há um só Deus, que subsiste em três pessoas distintas, iguais em poder e glória. Com relação às obras da Trindade no plano da redenção, e que nos interessa neste trabalho, podemos dizer, nas palavras do teólogo reformado Charles Hodge, que “o Pai envia o Filho, e o Pai e o Filho enviam o Espírito. O Pai opera através do Filho, e o Pai e o Filho operam através do Espírito”. Ainda quanto à obra da redenção, ele continua: “há algumas ações predominantemente atribuídas ao Pai, outras ao Filho, e outras ao Espírito. O Pai cria, elege e chama; o Filho redime; e o Espírito santifica”.

1. A CRISE DA MISSIOLOGIA

Embora a Igreja do Senhor Jesus Cristo tenha começado fazendo missões, no sentido de levar as boas novas da salvação a judeus e não judeus, uma verdadeira teologia de missões só começou a realmente ser pensada na segunda metade do século XX. De acordo com o missiólogo luterano James A. Scherer, “antes de 1950, o estudo da ‘teologia da missão’ como hoje a entendemos praticamente não existia. A disciplina não era considerada necessária, e muito trabalho missionário bom foi realizado sem beneficiar-se de uma reflexão teológica séria”.

Por isso, até a década de 1950 a “missão” tinha alguns significados, tais como: (a) envio de missionários a outro território; (b) as atividades feitas por esses missionários; (c) sua área de atuação; (d) a agência que os enviava; (e) o mundo não-cristão, entre outras concepções. Num sentido mais específico e restrito, pode-se parafrasear a “missão” como: “(a) propagação da fé, (b) expansão do Reino de Deus, (c) conversão dos pagãos, e (d) a fundação de novas igrejas”. Desse modo, pode-se dizer que “a ordem do dia efetiva girava mais em torno do ‘como?’ e do ‘que?’ da missão”.

Esses conceitos a respeito da palavra “missão” são bem familiares, mas têm suas origens em tempos recentes. Segundo o missiólogo David J. Bosch, “até o século dezesseis o termo era usado exclusivamente com referência à doutrina da Trindade, ou seja, do envio do Filho pelo Pai, e do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho”.

Na verdade, foram os Jesuítas que usaram a palavra “missão” no sentido de expansão da fé cristã entre os povos que não eram católicos, inclusive os protestantes. A abordagem católica de missões envolve seu conceito de missão em termos de expansão, ocupação de territórios, conquista de outras religiões ou algo semelhante. Não muito diferente da concepção protestante até meados do séc. XX. Essa incerteza quanto a uma teologia de missão na atualidade, levou-a a estar sob ataque tanto de dentro como de fora do meio protestante.

Alguns dos exemplos de estudiosos e missiológos que fizeram uma crítica missiológica no século XX foram: Paul Schütz (Zwischen Nil und Kaukasus, 1930), Paton (1953) e James Heissig (1981). E, citando obras, R. K. Orchard, Missões em um Tempo de Teste, James Scherer, Missionário, Vá para Casa, Ralph Dodge, O Missionário Impopular e John Carden, O Missionário Feio. Um destes - J. Heissig -, escreveu num jornal missiológico que a missão cristã era como uma “guerra egoísta”. Essas críticas feitas a tais conceitos missionários antigos ou ultrapassados exigiram um novo compromisso missionário baseado numa leitura sincera dos fatores que tornaram obsoleta a antiga era missionária.

Num artigo do missiólogo Carlos del Pino é feita uma pergunta que deve ser respondida neste trabalho: “A partir de que visão, de que motivação ou de que experiências dá-se a nossa participação nos programas e nas atividades missionárias da igreja?”

Há pelo menos dois tipos de envolvimento missionário que fogem ao que é proposto pelas Escrituras. O primeiro é o envolvimento antropocêntrico. Neste, o centro da missão é a própria vocação. O fato de alguém ter sido chamado para o trabalho missionário o faz tornar-se o centro e base de todas as suas ações. Se houver quaisquer impedimentos ou exigências por parte do pastor, da igreja ou da agência missionária, então o indivíduo reage contra o pastor ou igreja (que não têm visão), ou muda de agência (quando esta exige um treinamento condizente e adequado). Segundo del Pino, “para muitos, tanto a igreja e os irmãos (de preferência empresários), bem como a própria obra missionária devem girar ao redor de sua vocação, de sua visão pessoal e de seu projeto de ministério”. Outros desvios da motivação errada com relação ao antropocentrismo, são os seguintes:

O desejo de ser admirado e louvado por outros; a busca por ‘auto-realização’, sem levar em conta o esvaziar-se a si mesmo (Fp 2.5-7); a busca por aventura e excitação; a ambição em expandir a glória e influência de igreja ou denominação em particular, ou mesmo de um país; a fuga das situações desagradáveis do lar; a esperança de sucesso profissional após um curto período de serviço missionário; a culpa e o anseio pela paz com Deus por meio do serviço missionário.

O antropocentrismo também ocupa um lugar proeminente quando aqueles a quem se pregam torna-se o centro, ou seja, as pessoas. Deus deixa de ser o centro ou a motivação primária para a tarefa missionária. Basta ver certas apresentações de projetos missionários revelando a miséria e pobreza, material e espiritual, das pessoas de diversos lugares, não priorizando a glória de Deus, como propósito básico da realização da missão. Vários seriam os aspectos em que o homem é centro, mas será citado mais dois. Por exemplo, quando a conversão depende daquele que prega, ou seja, é ele quem move o coração de Deus por meio da oração. Segundo Oswald Smith,

a conversão é uma operação efetuada pelo Espírito Santo, e a oração é poder que assegura essa operação. As almas não são salvas pelo homem, e, sim, por Deus; e posto que ele opera em resposta à oração, não temos outra alternativa além de seguir o plano divino. A oração movimenta o braço divino, que põe o avivamento em ação.

Também existe o antropocentrismo quando o próprio receptor da mensagem salvífica tem o “poder” ou a “liberdade” de responder positiva ou negativamente ao Evangelho, é o que se chama de arminianismo. Este sistema nega a depravação total e a incapacidade total do homem e fornece o fundamento para a capacidade natural do homem em mudar os seus próprios corações. Nesse aspecto, tem-se como exemplo Charles Finney. Segundo Jadiel Martins Sousa, “Finney realmente cria nas habilidades morais do homem e em sua capacidade de responder positivamente aos apelos”.

O segundo fundamento errado para missões é o eclesiocentrismo, incluindo o agenciocentrismo. Neste, o ponto de partida para o desenvolvimento do trabalho missionário são os programas “fabricados” ou “produzidos” pela igreja (quer seja local ou denominacional) ou por agências missionárias sem uma análise crítica desses programas, nem adaptação ao contexto da realidade do local. “Aqui também devem ser incluídos os programas e pacotes missionários estrangeiros (geralmente feitos sob medida para nós) que as diversas agências missionárias que recrutam pessoal e captam recursos no Brasil se vêem obrigadas a adotar”.

Fundamentos inadequados para a missão e motivações missionárias ambíguas resultam numa prática missionária insatisfatória. Por exemplo, as igrejas mais jovens plantadas nos campos missionários foram cópias das igrejas que estavam à frente das agências de missões; “‘abençoadas’ com toda a parafernália daquelas igrejas”. Não havia nenhuma adaptação das práticas ocidentais aos costumes e práticas dos campos missionárias das mais diversas culturas. Desse modo, e ainda em relação a essas igrejas jovens, Bosch afirma que:

Como as igrejas na Europa e América do Norte, elas eram comunidades sob a jurisdição de pastores de tempo integral. E elas tinham de aderir a confissões preparadas séculos antes na Europa, em circunstâncias e em resposta a desafios fundamentalmente diferentes daqueles que enfrentam as igrejas jovens da Índia e África.

Tais igrejas permaneciam sob a tutela das agências missionárias ocidentais, até quando estas lhes dessem o “certificado de maturidade”, ao tornarem-se autóctones, ou seja, auto-sustentáveis, auto-governáveis e auto-propagáveis. Em outras palavras, a “tripla autonomia”.

Esta eclesiologia exportada levou Schütz a clamar em protesto: “A casa da igreja está queimando! Em nosso alcance missionário nos assemelhamos a lunáticos que levam a colheita para dentro de seu celeiro em chamas”. Para ele, o problema não estava lá fora, nos campos missionários, mas na essência da própria igreja ocidental. Por isso chamou a igreja para que voltasse dos campos missionários, pois ela não estava pregando o evangelho, mas o individualismo e os valores do Ocidente. Ele ainda conclama a igreja para que seja o que deveria ser: a igreja de Jesus Cristo no meio dos povos da terra. A questão não está no “campo”, mas dentro da Igreja. Logo, não uma teologia da missão, centrada nas Escrituras e na natureza do próprio Deus, era o fundamento para a missão, mas o sucesso do empreendimento missionário.

Ainda existem outros fatores que fazem com que a crise seja maior. Gostaria de sintetizar seis fatores propostos por David Bosch:

1) Com o avanço da ciência e da tecnologia a fé em Deus parece algo redundante, uma vez que agora se têm meios de tratar com as exigências da vida moderna.

2) O Ocidente, como base do empreendimento missionário no mundo, está passando por um processo de descristianização, especialmente a Europa. Ali há países que antes foram celeiros de missões, agora estão se tornando campo missionário, tomados pelo neo-paganismo, ateísmo, secularismo, descrença e superstição.

3) O mundo não pode ser mais dividido em cristão e não-cristão. A descristianização do Ocidente e a grande imigração de povos de várias crenças têm gerado um imenso pluralismo religioso dentro de um mesmo país. Some isso ao fato de que os devotos de outras religiões geralmente são mais agressivos missionariamente do que os cristãos.

4) Incapacidade dos cristãos ocidentais de testemunhar sua fé por causa da subjugação e exploração de povos de outras persuasões.

5) O quase irreversível fato da separação entre ricos e pobres. Os países ricos são aqueles que se consideram cristãos. Isto gera frustração entre os pobres e também relutância entre esses cristãos de compartilhar sua fé.

6) Recusa das igrejas mais jovens de receber imperativamente os modos e práticas da teologia e eclesiologia ocidentais. Elas estão buscando sua autonomia, e colocando em seu lugar uma teologia do Terceiro Mundo.

Com isso, Bosch conclui que “estas circunstâncias também têm contribuído para aprofundar as incertezas nas igrejas ocidentais, até mesmo sobre a validade da missão cristã como tal”. Com relação ao tópico 4, Scherer sugere que “sentimentos de culpa relativos a associações passadas com o imperialismo e uma sensação de haver perdido autoridade moral devido à cumplicidade com estruturas opressoras se combinaram para criar dúvidas quanto à validade e integridade do cristianismo ocidental”.

Todos estes aspectos e conceitos a respeito da “missão” levam à conclusão que a missiologia está em crise e que algumas mudanças de paradigmas são necessárias para reverter esta situação. A proposta deste trabalho é tentar contribuir para que nem o homem nem a igreja sejam considerados o centro da “missão”, mas aquele que nunca deveria ter saído de lá: o Deus Triúno.

O desafio de uma teologia de missões está posto. Não se pode mais incorrer nos erros missionários dos nossos antepassados. A geração atual quase não tem desculpa se se comprometer com a falta de qualidade no tratamento do assunto. O primeiro passo é reconhecer a crise, pois ocorre uma crise ainda maior na identidade missionária da igreja quando esta não reconhece a situação por que tem passado. E, como diz o missiólogo presbiteriano C. Timóteo Carriker, “Freqüentemente, há tendência de se cortar o caminho de uma reflexão séria a despeito da identidade missionária a fim de se embarcar logo na prática da tarefa missionária. É uma tendência compreensível, porém perigosa”.

2. A OPORTUNIDADE DA MISSIOLOGIA: MISSIO DEI

Sem reconhecer a crise, ou até mesmo o impasse por que tem passado a missiologia, não se pode partir em busca de uma teologia de missão genuinamente centrada na Escritura. A Escritura é clara quando mostra que Deus está interessado na humanidade caída e vai ao seu encontro. O ser humano pós-queda não deu um passo sequer em direção a Deus. Deus é quem vem ou providencia seus enviados como mediadores. Por isso, é preciso desenvolver o conceito de missio Dei (Missão de Deus), como a origem, a motivação e o modelo de missões devem estar centrados em Deus e em sua natureza. Nesse aspecto é que a Trindade deve ser o protagonista da “missão”, e de sua interferência no meio dos pecadores deve derivar o serviço como igreja de Deus. A própria palavra “missão” supõe quatro elementos: (a) um enviador, (b) pessoas que são enviadas, (c) aqueles para quem se é enviado e (d) uma tarefa. A missão é realizada na autoridade e poder daquele que envia, a saber, o Senhor Jesus Cristo (Jo 17.18; 20.21; cf. Mt 28.19).

Do ponto de vista econômico, crise é o “ponto de transição entre uma época de prosperidade e outra de depressão, ou vice e versa”. Podemos parafrasear para o campo da missiologia e dizer que a crise não deve gerar estagnação ou imobilidade, mas a oportunidade para mudanças de paradigmas. Como diz o dicionário Aurélio, é o “ponto de transição”. A crise é o ponto onde o perigo e a oportunidade se encontram. “Portanto, nós só podemos fazer justiça ao nosso elevado chamado se reconhecermos a presença do perigo e da oportunidade e executarmos nossa missão dentro do campo de tensão gerado por ambos”.

Alguns autores fazem distinção entre “missão” e “missões”, enquanto outros entrelaçam em um conceito os dois termos. Segundo John Stott, depois da Conferência de Willingen, realizada pelo Conselho Missionário Internacional (1952), o conceito de “missão” foi ampliado. Até então havia uma falta de definição entre missão e evangelização, missões e programas evangelísticos, missionários e evangelistas, pois pareciam significar a mesma coisa.

A Conferência de Willingen adotou o seguinte conceito de missão: “A missão não é somente obediência a uma palavra do Senhor, não é apenas o compromisso de congregar a comunidade; ela é participação na missão do Filho, na missio Dei, com o abrangente objetivo do estabelecimento do senhorio de Cristo sobre toda a criação redimida”. Norman Goodal completa o conceito: “o movimento missionário do qual somos parte tem sua fonte no próprio Deus triúno”.

Um novo redirecionamento na teologia de missão ocorreu no Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne, na Suíça, em 1974. Reuniu cerca de 2700 participantes de 150 países, metade deles do mundo não-ocidental. Segundo Scherer, “foi o maior encontro devotado ao apoio da missão e evangelismo dos tempos modernos”.

Numa das principais palestras do Congresso de Lausanne, John Stott conceitua assim o que é missão:

‘Missão’ quer dizer atividade divina que emerge da própria natureza de Deus. Ora, o Deus vivo da Bíblia é um Deus que ‘envia’; eis aí, portanto, o significado da palavra. Ele enviou os profetas a Israel, e enviou seu Filho ao mundo. Este, por sua vez, enviou os apóstolos, os setenta e a igreja. Enviou também o Espírito Santo à igreja, e hoje o envia aos nossos corações. Assim, a missão da igreja resulta da própria missão de Deus, e nela tem de ser modelada.

Bosch, por sua vez, refere-se a “missão” como missio Dei, isto é, “a auto-revelação de Deus como aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus em e com o mundo, a natureza e a atividade de Deus, que abraça a igreja e o mundo e em que a igreja é privilegiada em participar. Missio Dei anuncia as boas novas de que Deus é um Deus-para-pessoas”. Ele conceitua “missões” como missiones ecclesiae, referindo-se a “formas particulares, relacionadas a tempos, lugares ou necessidades específicos, da participação na missio Dei”.

O missiólogo Scherer também nos dá a sua contribuição. Para ele,

“Missão como termo aplicado a Igreja significa a intenção específica de dar testemunho do evangelho da salvação em Jesus Cristo na linha divisória entre fé e descrença. Missão ocorre quando a Igreja sai de si, indo além de sua vida interior, e testemunha o evangelho ao mundo”.

Mais à frente ele acrescenta:

Esta peregrinação histórica da antiga para uma nova ordem missionária não estaria completa sem um lembrete de que, em última análise, a missão global não é simplesmente a tarefa da Igreja, mas a causa do próprio Deus. A Igreja está em missão porque “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito...”. Antes da missão histórica dos apóstolos e da Igreja havia a missão eterna do Deus Triúno, que deu início ao processo de envio no mistério da encarnação por amor a uma criação perdida e alienada.

Um documento sobre missão, de cunho reformado, expressa, em outras palavras, a concepção da missão como obra de Deus (missio Dei) que vem sendo desenvolvida desde o Concílio de Willingen:

1. O foco central da Escritura é o interesse redentor de Deus pela humanidade e seu universo criado. Nas páginas das Escrituras somos confrontados com o fato impressionante de que Deus se recusa a abrir mão de um mundo rebelde. Ele está determinado a recriar o gênero humano caído, juntamente com toda a criação, a seu propósito inicial. O Antigo e o Novo Testamento mostram que nosso Deus é um Deus que envia. Ele enviou profetas, apóstolos e anjos, e finalmente ele enviou seu Filho unigênito (Hebreus 1.1-4). A própria existência da Escritura dá testemunho do fato que Deus estende a mão em amor a seu mundo caído.

2. Missão é a obra do Deus Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo. Esta missão de Deus (missio Dei) expressa o interesse de Deus pela salvação do mundo em todas as suas dimensões e culminará em seu Reino de Paz.

Todos esses conceitos refletem uma nova perspectiva na teologia de missão e expressam o que a Escritura é explícita em demonstrar: a missão é uma atividade do próprio Deus. Na Conferência de Willingen, Karl Barth foi um dos primeiros teólogos a formular essa idéia, ainda que não tenha empregado a expressão missio Dei. Ele pode ser considerado o primeiro expoente de um novo paradigma teológico, que quebrou com a abordagem iluminista da teologia. A partir daí, a missão não mais se enquadrou dentro do campo da soteriologia (salvação individual da perdição eterna) ou eclesiologia (expansão da igreja ou denominação), mas na doutrina da Trindade. “A doutrina clássica sobre a missio Dei, como Deus Pai enviando o Filho, o Deus Pai e o Deus Filho enviando o Espírito, foi expandida para incluir ainda outro ‘movimento’: Pai, Filho e Espírito Santo enviando a igreja ao mundo”. Logo, a missão da igreja não tem vida própria, mas como enviada tem o privilégio de participar da missão de Deus. A missão deve ser vista como um atributo de Deus. Deus é um Deus missionário. Assim, “não é a igreja que tem uma missão a cumprir no mundo; mas é a missão do Filho e do Espírito através do Pai, que inclui a igreja”.

Já em 1910, nas suas palestras em Duff, Robert E. Speer disse que “o último mandamento de Cristo não é a base profunda e final da tarefa missionária da Igreja”. No seu livro Christianity and the Nations (O Cristianismo e as Nações), argumenta:

Esta tarefa é expressa oficialmente nas palavras da Grande Comissão, e o fato de isto ter sido declarado pelo nosso Senhor faz com que haja infinitas conseqüências. Mas se essas palavras em particular nunca foram pronunciadas por Ele, ou, se foram ditas, nunca foram conservadas, a tarefa missionária da igreja não seria afetada nem um pouco. Os principais argumentos para missões não são encontrados em palavras específicas, é no próprio ser e caráter de Deus que a base mais profunda do esforço missionário deve ser encontrada. Nós não conseguimos pensar em Deus exceto em termos que compelem à idéia missionária. Embora palavras possam revelar tarefas missionárias eternas, as bases estão no ser e pensamento de Deus, no caráter do cristianismo, no objetivo e propósito da igreja cristã, e na natureza da humanidade, sua unidade e necessidade.

Desde Willingen, o conceito de missio Dei tem sido abraçado por protestantes, ortodoxos gregos e também pelo catolicismo romano, especialmente em documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), o que faz com que, a partir de então, tenha havido uma distinção mais clara entre “missão” e “missões”. “Missão” é primário, enquanto “missões” constitui um derivativo. Neil chegou a proclamar que “a era de missões está no fim; a era da missão tem começado”.

Depois de Willingen o conceito de missio Dei começou também a sofrer mudanças a tal ponto que foi dito que a igreja é desnecessária para a missio Dei. Aring (1971) disse que nós não temos tarefa nessa articulação de Deus, e que em última análise, “‘missio Dei’ significa que Deus articula a si mesmo, sem qualquer necessidade de assisti-lo através de nossos esforços missionários a esse respeito”. Esse desenvolvimento posterior vai de encontro ao pensamento de Karl Barth e de Karl Hartenstein, aquele que primeiro formulou o termo missio Dei.

O conceito a ser expandido neste trabalho é o da “missão” como obra do Deus Triúno, da qual a Igreja é privilegiada em participar. A exposição de cada pessoa da Trindade como Deus missionário não será feita na hipótese de ações independentes. “Ao contrário”, como diz del Pino, “são ações que existem e somente fazem sentido quando vistas de forma totalmente integradas em si mesmas, compondo uma única missão de Deus (missio Dei) em favor da humanidade”.

O conceito de missio Dei deve ser compreendido ao mesmo tempo como genitivo atributivo, ou seja, Deus não apenas é enviador, mas também o enviado. A dogmática católica chama isso de missio intratrinitária. M. Schmaus (1948:377), por exemplo, escreveu: “sob ‘envio’ se entende a comunicação de uma das pessoas divinas através de outra às criaturas, o que ocorre em virtude da ordem original intradivina”. . Logo, as ações de cada pessoa da Trindade devem ser vistas como ações de toda a divindade, ou seja, de Deus por inteiro. Há ligação muito íntima e primordial entre esse processo intradivino e a missão e o serviço da Igreja. Como diz o missiólogo alemão Georg F. Vicedom, a missão da igreja “está prefigurada na missão divina, seu serviço está preestabelecido pelo serviço divino, o sentido e conteúdo do trabalho estão determinados a partir da missio Dei”. Desse modo, nas palavras de Scherer, “a Igreja continua sua missão na nova era porque se trata, do início ao fim, da missão do próprio Deus”.

A tarefa missionária faz parte da natureza da igreja. Como disse Norman Goodal, “não há participação em Cristo sem participação em sua missão ao mundo”. Vicedom chega a uma conclusão mais enfática: “não cabe à Igreja decidir se ela quer fazer missão, mas ela só pode decidir se quer ser Igreja”. A tarefa missionária da Igreja é parte do decreto eterno de Deus, no qual é convocada a participar, se realmente quer ser Igreja. Isso não coloca os crentes ou a Igreja como centro da missão. Como diz Larkins Jr. e Williams, “os fiéis participam da missão de Deus não porque ele precise da sua contribuição, mas porque eles estão convictos acerca da importância de Deus e de sua vontade, e porque Deus na sua graça se humilhou para incluir os agentes humanos no cumprimento de seu trabalho”.

Nem o homem, nem a Igreja, nem as agências missionárias são protagonistas na salvação. Toda a obra da redenção se inicia e se completa no Deus Triúno. Logo, não o bem-estar ou glória humana, nem a expansão da Igreja é o principal objetivo de missões, mas a glória de Deus, porque o seu ser e o seu caráter são o fundamento da missão, “pois dele, e através dele, e para ele são todas as coisas, a ele pois a glória eternamente. Amém” (Rm 11.36).

3. A IGREJA MISSIONÁRIA: MISSIONES ECCLESIAE

Em 1876, quando ministrava a palavra inicial numa convenção regional em Taranto (Itália), o bispo católico Don Caprício disse que “a missio Dei pela sua supremacia bíblica dispensa a missão da Igreja. Somos apenas contempladores das maravilhas que Deus faz”. Com certeza, essa concepção de missio Dei está totalmente equivocada quanto à participação da Igreja na missão de Deus. Este trabalho tem mostrado que realmente a “missão” é do Deus Triúno, e que a Igreja não tem missão própria. Contudo, isso não quer dizer que ela não tenha uma tarefa a cumprir com relação a essa missão. Num sentido restrito, a missão é só de Deus, mas por sua graça e propósito, a Igreja tem o privilégio de participar.

Em relação aos fundamentos da missão da Igreja e suas implicações práticas, escolhemos o Evangelho de João por causa de sua perspectiva missiológica. Conforme Martin Erdmann, “o que é enfatizado na abordagem de João para a missão é a idéia de que o Pai envia o Filho”. Jesus tem plena consciência que é o enviado do Pai. A palavra grega que corresponde a enviado é apostello (bem como pempo). Desse modo, Jesus identificava-se como apóstolo do Pai.

Embora forte ênfase sobre a Grande Comissão recaia sobre os Evangelhos sinóticos (Mt 28.18-20; Mc 16.15-18; Lc 24.44-49), o Quarto Evangelho possui em sua essência um propósito missionário (Jo 20.31), bem como uma comissão da parte do Senhor Jesus: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21). Estas palavras foram ditas pouco antes de sua ascensão e são o fundamento básico para o envolvimento missionário da Igreja no Evangelho de João. Referindo-se a este verso, John Stott observa que a missão da Igreja encontra articulação precisa no Quarto Evangelho:

A forma crucial em que a Grande Comissão tem sido legada a nós (apesar de que ela é a mais negligenciada porque é a mais custosa) é a Joanina. Jesus tinha antecipado-a em sua oração no cenáculo na qual tinha dito ao Pai: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (Jo 17.18). Agora, provavelmente no mesmo cenáculo, mas após sua morte e ressurreição, ele tornou a sua oração-declaração em comissão e disse: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21). Em ambas essas declarações Jesus fez mais do que descrever um paralelo vago entre a sua missão e a nossa. Deliberadamente e precisamente, ele fez de sua missão o modelo da nossa, dizendo: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Desse modo, nossa compreensão da missão da Igreja deve ser deduzida de nossa compreensão da missão do Filho.

A missão da Igreja é fundamental na missão do Filho e “nada menos que a missão de Jesus para o mundo serve de modelo para a missão da Igreja”. O apostolado da Igreja é identificado com o apostolado do Filho e dele depende. Pois fora dessa missio Dei, por meio de Jesus, não existiriam mais envios hoje. “Tudo o que acontece em termos de envio desde Sua missio partiu dele, está determinado por Ele, encerrado em Seu envio, é continuação de Seu envio por Ele mesmo”. Por isso, é possível e correto dizer que a missão da Igreja é a continuação da missão de Jesus. Erdmann, falando sobre a missão em João, nomeia um de seus subtítulos de The Continuation of Mission: the Sending of the Disciples (A Continuação da Missão: o Envio dos Discípulos).

Antes de analisarmos melhor a Comissão de Jesus em João 20.21-22, é preciso fazer algumas observações e comentar outros textos que também falam do envio dos discípulos. A primeira consideração é a respeito da palavra Igreja. Reconhecemos que ela não aparece no Evangelho de João, nem nas suas duas primeiras Epístolas; somente na terceira e em Apocalipse (III Jo 1.6, 9, 10; Ap 2.1; 8, 12, 18; 3.1, 7, 14). No entanto, embora a palavra não apareça no Evangelho, o seu conceito está presente. Em segundo lugar, é preciso fazer diferenciação entre a Igreja e a “missão”. Nem tudo que a Igreja faz é missão (por exemplo, o culto). De acordo com Stott, “dizer que ‘a igreja é missão’ soa bem, mas não passa de exagero”. Também não podemos dizer que “missão” é tudo que Deus faz no mundo, pois, independente da atividade da Igreja, Deus age no mundo através da sua providência e graça comum.

Quanto aos outros textos que falam do envio dos discípulos por Jesus, além de João 20.21, existem mais três declarações em relação ao envio deles ao mundo (4.34, 38; 13.16, 20; 17.18). Depois da conversa de Jesus com a mulher samaritana, ele envia seus discípulos para a ceifa (4.35-38). O objetivo dessa missão é “entesourar seu fruto para a vida eterna” (4.36), ou seja, eles deveriam levar outras pessoas a Cristo, como aquele que confere vida eterna. A seriedade de receber os desafios dessa tarefa absorvente é impulsionada pela consciência do iminente julgamento que virá sobre o mundo (5.22, 27-30). Na sua segunda vinda, o Senhor Jesus dará seu veredito imparcial sobre a vida de todos os seres humanos, e o destino eterno deles estará baseado no fato de eles terem crido ou não no Evangelho (3.16-18).

Em João 13.16-20, Jesus diz que “o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que o enviou” (v. 16). O “enviado” aqui se refere aos discípulos. E se Jesus, que é o Senhor, lavou os pés deles, demonstra que ele não se tornou menos digno. Logo, eles deveriam fazer o mesmo. Nessa tarefa oficial em que os discípulos foram divinamente comissionados, a humildade deve ser algo próprio do exercício de sua função. Se a humildade é uma atitude própria para o Senhor e enviador, assim também deveria ser para os servos e comissionados. Por meio de Cristo, eles deveriam exercitar-se nesta graça e crescer nela, pois é bênção para quem a pratica (v.17). No verso 20, Jesus diz: “quem recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou”. Novamente Jesus se identifica como enviador e enviado, estabelecendo uma relação com os discípulos como enviados dele. Os discípulos representariam a Cristo, assim como ele representou o Pai. E se alguém rejeita a mensagem dos apóstolos, está rejeitando automaticamente, tanto o Filho como o Pai. Essa correlação é inseparável. Por isso “aplica-se a todos os tempos e para cada verdadeiro embaixador de Cristo (i.e., para cada embaixador que verdadeiramente o representa e verdadeiramente proclama sua Palavra)”.

Na oração final de Jesus, ele não roga ao Pai para que seus discípulos fossem tirados do mundo, mas para que fossem livrados do mal (17.15). Jesus também intercedeu para que fossem santificados pela Palavra de Deus (17.17). Assegurado da resposta do Pai, ele continua: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (17.18-19). A santificação dos discípulos é para que eles possam ser enviados, assim como ele havia sido antes. Nessa mesma oração, Jesus também roga para que os discípulos vivam em unidade, pois a unidade servirá como testemunho ao mundo da verdade referente a Jesus (17.21-23). Em João 13.34-35, Jesus diz que o amor dos discípulos uns pelos outros levaria o mundo a reconhecer que eles eram verdadeiramente seus seguidores. Feitas essas considerações preliminares, vamos ao envio da Igreja na Comissão do Cristo pós-ressurreto.

3.1. O ENVIO DA IGREJA

“Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio (Jo 20.21). Essa palavra de Jesus refere-se ao ato de alguém que envia outro a um remetente, levando consigo a autoridade daquele que o enviou. Esse fato é bastante importante aqui, porque capacita a Igreja com a autoridade de Cristo. É a verdade que Cristo trouxe, viveu e revelou que a Igreja proclama ao mundo. Analisando esse aspecto em João 20.21, C. K. Barrett diz:

O envio de Jesus por Deus significou que nas palavras, obras e pessoa de Jesus, os homens verdadeiramente se confrontam não meramente com um judeu, mas sim com o próprio Deus... A isto segue que na missão apostólica da Igreja, o mundo verdadeiramente se confronta não meramente com uma instituição humana, mas sim com Jesus, o Filho de Deus.

Essa apostolicidade da Igreja através do envio do Filho (e do Pai e, por inferência, do Espírito), deve gerar em nós uma consciência muito profunda do papel que temos a cumprir como transmissores da mensagem salvífica. A Igreja não pode esquecer ou deixar de priorizar essa tarefa que Deus lhe confiou. “O tornar-nos instrumentos do Pai para levar a Sua salvação a todo o mundo e a consciência que temos disso devem gerar em nós, como indivíduos e comunidade, uma intensa e constante compulsão missionária”.

A participação da Igreja na missão de Deus faz parte de sua própria natureza, como instituição criada pelo ele mesmo. Se a Igreja não está envolvida na missão de Cristo ao mundo, não há envolvimento com ele e nele. Como foi citado antes: “não cabe à Igreja decidir se ela quer fazer missão, mas ela só pode decidir se quer ser Igreja”. Desse modo, a Igreja como instrumento do Pai na consecução dos seus propósitos de salvação a um mundo que o rejeita, tem paralelo ou fatores de identificação com a própria missão do Filho.

Até agora foram apresentados pelo menos três desses aspectos. Primeiro, a Igreja assume a missão do Filho, ou seja, através dela o Pai dá continuidade a sua missio. A Igreja deve levar a mensagem confrontadora do Evangelho ao mundo, mas essa missão é derivada e dependente da missão de Cristo. No entanto, a Igreja como apóstola de Cristo, não continua a obra dele em um caráter redentor, isto é, a sua missão não assume o aspecto soteriológico. Segundo, assim como o Filho não veio fazer a sua própria vontade, nem trouxe uma mensagem que não fosse a de seu Pai, ou seja, o modelo de sua missão estava centrado naquilo que o Pai lhe outorgou, do mesmo modo a Igreja não tem modelo missionário próprio. O seu modelo é a encarnação. A Igreja tem a seguir o mesmo padrão que o Pai usou ao enviar o Filho. Jesus é o seu modelo missionário. Terceiro, uma vez que o enviado identifica-se com o enviador, a Igreja, quando realiza a missão, está representando o Senhor Jesus. Ela age fundamentada na autoridade que o Filho possui no céu e na terra (cf. Mt 28.18-19). Como diz Stott, “a missão da Igreja brota da autoridade universal de Cristo”. Resta ainda tratar de mais dois aspectos da instrumentalidade da Igreja na missão: sua relação com o mundo e seu serviço.

3.2. O CARÁTER DA MISSÃO DA IGREJA

“Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21). Se realmente a Igreja quer cumprir a missão que lhe foi outorgada, é preciso olhar para Cristo e ver nele o que compete fazer. E com base em Cristo como modelo missionário, cabe desenvolver aqui pelo menos mais dois aspectos essenciais para a realização dessa obra que compete à Igreja. Pois existe uma analogia entre o envio do Filho como Mediador e o envio dos apóstolos:

“A autoridade comissionante é a mesma; a mensagem é a mesma (todavia, existe esta diferença: Jesus através de sua expiação faz a mensagem possível; os apóstolos simplesmente a proclamam!); e os homens a quem é proclamada são os mesmos. Portanto, o ‘assim... como’”.

É nesta perspectiva e paralelo que dois aspectos da proclamação da mensagem serão tratados: a quem e como. Jesus envia a Igreja ao mundo com uma mensagem, para servir.

3.2.1 Jesus envia sua Igreja ao mundo

“Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (17.18; cf. 20.21). Nesta oração que Jesus fez ao Pai, ele diz que sua missão foi direcionada ao mundo, de modo que a missão da Igreja tem a mesma direção e propósito. Em síntese, e tomando os conceitos esboçados por René Padilla, pode-se conceituar mundo em três sentidos básicos: (1) O universo criado; (2) A ordem presente da existência humana [tempo-espaço]; e (3) A humanidade em franca inimizade contra Deus e servil aos poderes das trevas.

O sentido em que o mundo é reclamado pelo Evangelho, é este último, ou seja, o mundo rebelde e hostil a Deus. Desse modo, a palavra mundo no Quarto Evangelho “designa a esfera dos homens e dos afazeres humanos colocada em contraste ao mundo acima e ao Reino de Deus”. Ao olhar com mais atenção para o prólogo de João, percebe-se que ele difere dos Evangelhos sinóticos. Enquanto estes, pelo menos Mateus e Marcos, relatam o fato da humanidade e descendência do Messias ser da linhagem de Israel, e a conseqüente obra messiânica de Jesus parecer restringir-se aos israelitas, João já começa com o Messias criador do universo e como vindo ao mundo. Não somente a Israel (Jo 1.9-10). Isso demonstra que a missão de Cristo foi universal e alcança toda a humanidade. Ele não é o Salvador de uma seita ou somente de uma nação, mas é o “Salvador do mundo” (Jo 4.42; cf. I Jo 4.14). Como visto, o mundo é objeto do amor de Deus (Jo 3.16). Jesus é o Cordeiro que “tira o pecado do mundo” (Jo 1.29), a luz do mundo (Jo 1.9; 8.12; 9.5), a propiciarão pelos pecados do mundo inteiro (I Jo 2.2; cf. II Co 5.19). O Filho foi enviado ao mundo não para que o condenasse, mas “para o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3.17).

Estes textos falam claramente que a salvação por meio de Cristo tem uma amplitude universal. No entanto, a universalidade da salvação não quer dizer que todos os homens, no final serão salvos, independente de sua posição frente a Cristo. Os benefícios da obra de Cristo são indissociáveis do Evangelho e, consecutivamente, só poderão ser recebidos através do Evangelho. Ao mesmo tempo em que pregar o Evangelho é falar de um fato consumado há quase dois mil anos atrás, deve-se chamar os ouvintes ao arrependimento e à fé, hoje. “A proclamação de Jesus como ‘o Salvador do mundo’ não é uma afirmação que todos os homens sejam salvos automaticamente, mas um convite dirigido a todos os homens a colocarem sua confiança naquele que deu sua vida pelos pecados do mundo”. A salvação em Cristo está estritamente ligada à fé nele. Somente a fé nele é que salva. Há um duplo processo. Sem essa identificação com Cristo, não se pode usufruir os resultados da sua obra, ou seja, a vida eterna.

Disse Jesus: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (17.18; cf. 20.21). O objeto da salvação de Deus é o mundo e “da universalidade do Evangelho se deriva a universalidade da missão evangelizadora da Igreja”. O Evangelho deve ser pregado a todas as nações e exigido de cada um que o ouve, o arrependimento para perdão dos pecados.

Ainda com relação ao mundo, como deve ser levado o Evangelho? Que princípio básico e essencial é encontrado em Cristo como modelo? O princípio da encarnação. “O Verbo estava no mundo...” (Jo 1.10); “O Verbo se fez carne” (Jo 1.14). Deus foi enviado ao mundo e aqui esteve com os homens. Ele assumiu a natureza humana. Tornou-se como os homens e experimentou as mesmas fraquezas, sofrimentos e tentações que estes experimentam. Levou sobre si os pecados dos homens e morreu a sua morte. Ele se identificou com os homens para que a Igreja também se identifique. Em relação a essa encarnação na missão, diz Stott:

Um dos nossos fracassos mais típicos, evangelicamente falando, é, com toda a certeza, o fato de raramente levarmos a sério o princípio da encarnação... A nós, porém, parece-nos mais natural gritar o Evangelho para as pessoas, à distância, do que nos deixarmos envolver profundamente em suas vidas, preocupando-nos com os seus problemas de tal modo que pareçam nossos; partilhando, enfim, das suas próprias aflições.

Se realmente a Igreja quer ter a Jesus como seu modelo missionário, deve atentar para a necessidade do esvaziamento de si mesma e se identificar com aqueles a quem a mensagem é dirigida, seja qual for a tribo, povo ou nação. Esse princípio da encarnação da missão é expresso de forma majestosa e impactante por Samuel Escobar:

Seja a nossa atitude a mesma de Cristo Jesus, o qual, para chegar até nós, cruzou a fronteira entre o céu e a terra,

cruzou a fronteira da pobreza para nascer em um curral e viver sem saber onde iria reclinar sua cabeça a cada noite,

cruzou a fronteira da marginalização para abraçar publicanos e samaritanos,

cruzou a fronteira do poder espiritual para libertar os que eram afligidos por legiões de demônios,

cruzou a fronteira do protesto social para dizer verdades aos fariseus, escribas e mercadores do templo,

cruzou a fronteira da cruz e da morte para ajudar a todos nós a passarmos para o outro lado;

Senhor ressuscitado que por isso nos espera lá, em toda fronteira que tenhamos de cruzar com seu evangelho.

3.2.2 Jesus envia a sua Igreja para servir

Como modelo missionário para a Igreja, Jesus veio ao mundo para servir. Não somente veio para pregar ou salvar, mas também para servir. Aqueles que estavam esperando o Messias estavam familiarizados com a figura do “Filho do homem” de Daniel 7.13-14, que possuía todo e poder e por todas as nações era servido. Porém, Jesus sabia que antes de receber todo esse poder e domínio, ele teria de servir e suportar as provações. Na verdade, em Jesus fundem-se duas figuras do Antigo Testamento, que na mente dos judeus, ávidos por libertação de Roma, não havia conciliação: o “Filho do homem” de Daniel e o “Servo Sofredor” de Isaías.

Jesus fez essa conciliação quando disse: “Pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45). A sua morte expiatória selou a sua vida de serviços. “Em seu ministério público Jesus proclamava o Reino de Deus e falava das suas implicações; saciava bocas famintas e lavava pés sujos. Curou enfermos, confortou melancólicos, ressuscitou mortos, colocando-se altruisticamente a serviço dos outros”.

Desse modo, a missão da Igreja tem como característica servir, assim como Jesus serviu. Ele deu o modelo de como servir e isso a obriga a caracterizar-se, na sua prática, como Igreja missionária de servidores. Eis, agora, três características de como Jesus realizou sua missão tornando-se modelo para a Igreja.

(1) Humildade. Toda a vida de Jesus enquanto apóstolo do Pai aqui na terra foi uma vida de submissão (5.30; 7.18; 9.4). Um dos exemplos mais característicos de sua humildade foi a lavagem dos pés dos discípulos (13.12-17). Se ele é Senhor e Mestre lavou os pés deles, eles também deveriam fazer o mesmo, “porque eu vos dei o exemplo”, disse Jesus (v. 15). Jesus realizou a sua missão e serviço em plena humildade, assim também a Igreja deve fazer. Como diz del Pino, “não somos maiores que Jesus e isto deve conduzir-nos a uma atitude de submissão a Deus”.

(2) Misericórdia. Uma análise das declarações de Cristo em João 5.24; 6.29; 12.44-45 e 17.3, por exemplo, fica claro que a encarnação de Jesus Cristo com o propósito de trazer salvação a um mundo que rejeita a Deus, é um ato de misericórdia. Assim, a misericórdia e a redenção “são o próprio coração, essência e natureza dessa missão”. A misericórdia do Senhor Jesus não deve ser vista somente nos resultados finais de trazer vida eterna aos pecadores, mas foi demonstrada durante todo o seu ministério (cf. Mt 9.13; 23.23; Lc 10.37). Da mesma maneira Jesus espera misericórdia no desenvolvimento da missão do Deus Triúno (cf. Mt 5.7). O paralelo mais próximo da misericórdia de Jesus, em João, é graça (1.14, 16, 17).

(3) Amor. O amor de Deus pelo Filho e pela humanidade é o fundamento motivador da missão. O amor incondicional e eterno do Pai é a única motivação da sua missão (Jo 3.16, 35; 14.31; 15.19; 17.23). Assim como o amor do Filho pelo mundo caracterizou a sua missão, assim também a missão cristã deve ser caracterizada pelo amor dos irmãos, uns pelos outros (João 13.34-35) e pelo mundo. Assim diz o apóstolo Paulo: “o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo” (Rm 5.5).

Desse modo, a missão da Igreja é identificada pela missão do Filho, ou seja, nele a Igreja deve ser modelada ao participar da missio Dei. Ela é caracterizada pelo seu envio ao mundo e pelo serviço em amor, misericórdia e humildade. E, assim, dá continuidade à missão do Filho, proclamando-o como redentor, na autoridade de seu nome.

Entretanto, a Igreja por si só não está capacitada para realizar a missão para a qual foi enviada. Como diz del Pino, “a presença e a atuação especial do Espírito Santo, tanto na Igreja, quanto no mundo que rejeita a Deus, são fatores básicos sem os quais a Igreja não tem como realizar a sua missão”. É sobre a capacitação do Espírito no cumprimento da missão da Igreja que versará o próximo item.

3.3 O ESPÍRITO SANTO E A MISSÃO DA IGREJA

Em seu livro sobre o Espírito Santo, John V. Taylor assim inicia: “O principal protagonista da missão histórica da Igreja cristã é o Espírito Santo. Ele é o diretor de todo o empreendimento”. Esse fato é central quando se observa a capacitação do Espírito na vida do Senhor Jesus e a extrema influência e direção do Espírito na Igreja no livro de Atos, no cumprimento de suas missões específicas. Numa análise em João, chega-se à conclusão que os discípulos estavam no meio termo. Jesus disse, no último dia da festa dos Tabernáculos, que aquele que tivesse sede poderia ir até ele e beber – referia-se a crer –, e se alguém crer nele, do “seu interior fluirão rios de água viva”. Sobre isso, João comenta: “Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (Jo 7.37-39). A doação do Espírito, por meio do Cristo glorificado, se deu no dia de Pentecostes (At 2.1-4). Com isso não se quer dizer que o Espírito não estava presente na antiga aliança, mas que, no dia de Pentecostes, ele entrou num relacionamento mais íntimo com os crentes (Jo 14.17; cf. I Co 6.19).

A ação do Espírito na missão da Igreja e, através desta, no mundo, assume um papel principal. Após a comissão dos discípulos (Jo 20.21), Jesus comunica o meio pelo qual eles realizariam a missão: “... soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20.22). Os discípulos só podiam permanecer fiéis no testemunho do Evangelho por contar com a paz de Deus e com o poder do Espírito Santo. O ministério deles, bem como o da Igreja hoje, é dizer ao mundo que o perdão dos pecados está disponível somente por meio de Cristo. Por isso continuou Jesus: “Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos” (Jo 20.22). Mas o que significa essa promessa? De acordo com F. F. Bruce, “os dois passivos – são-lhes perdoados e são retidos - subentendem a ação divina; a função do pregador é declarar, e é Deus quem, na verdade, perdoa ou retém. Os servos de Cristo não recebem nenhuma autoridade independente da dele, nem qualquer garantia de infalibilidade”. Desse modo, não há garantia contra o erro dos discípulos ou da Igreja. Mas um fato é certo. O Espírito Santo suprirá a Igreja em suas ações enquanto ela se apega a Cristo. E isso é a única necessidade da Igreja e nessa promessa ela pode confiar.

A unção do Espírito é a capacitação indispensável e suficiente para a continuação da missio Dei. Pelo menos cinco vezes no discurso de despedida (Jo 14-16), Jesus prometeu a vinda do Espírito. Uma síntese dessa obra do Espírito na Igreja, no mundo incrédulo e em relação a Cristo é a seguinte: o Espírito Santo (o Ajudador) que é enviado pelo Pai (Jo 14.26) e pelo Filho (15.26), testemunhará do próprio Filho (15.26), de modo que os homens possam reconhecer a verdade da mensagem dos discípulos acerca de Cristo. O Espírito também convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (16.8-11). Guiará os discípulos em toda verdade (14.17; 16.13), bem como exercerá uma importante função ao trazer à lembrança o ensino de Jesus (14.26). E ainda o Parácleto permanecerá continuamente com a Igreja como seu Mestre divino (14.17, 26).

Desse modo, o protagonismo do Espírito na missão histórica da Igreja é evidente e essencial. “Por meio do Espírito, a Igreja pode agir em lugar de Deus como Deus agiu com Seu Filho... A Igreja agora executa a missão e, através dela, a missio Dei se torna visível ao mundo”. Portanto, sem a capacitação do Espírito não existiria missão entre os homens. E, de fato, a missão é do Deus Triúno. A missão é de Deus. A Igreja tem o privilégio de cooperar (cf. I Co 3.7-9).

Certamente um parágrafo, intitulado “Deus, o Evangelista”, produzido pelo Manifesto de Manila, no II Congresso Internacional de Evangelização Mundial (1989), resume muito bem e acertadamente a obra do Espírito quanto à missio Dei:

As Escrituras declaram que Deus é o principal evangelista. Pois o Espírito de Deus é o Espírito da verdade, do amor, de santidade e poder, e sem Ele o evangelismo é impossível. É Ele quem unge o mensageiro, confirma a palavra, prepara o ouvinte, convence o pecador, ilumina o cego, restitui vida ao morto, nos capacita para o arrependimento e à fé, nos une ao Corpo de Cristo, garante-nos a condição de filhos de Deus, leva-nos a assumir o caráter e o serviço cristãos e nos envia para sermos testemunhas de Cristo. Em tudo isso a preocupação principal do Espírito Santo é glorificar Jesus Cristo, mostrando-O a nós e formando-O em nós.

CONCLUSÃO

No início desse trabalho, dissemos que tentaríamos responder a seguinte pergunta do missiólogo Carlos del Pino: “A partir de que visão, de que motivação ou de que experiências dá-se a nossa participação nos programas e nas atividades missionárias da igreja?”. Cremos que, de uma forma breve e introdutória, a respondemos. Pois, em primeiro lugar, afirmamos que a antiga era missionária está passando. Os modelos missionários do século XIX estão ultrapassados. Missiólogos e teólogos de meados do séc. XX aos nossos dias passaram a ter uma visão de que a missão da Igreja é a sua participação na missão de Deus (missio Dei). Ela não tem missão própria. Muito menos ela deve ser realizada em buscar de satisfazer os desejos dos missionários ou expansão de uma denominação específica.

O autor, realizador e consumador da missão é o Deus Triúno. O centro da missão é o próprio Deus, pois ele é um Deus missionário. A missão não deve ser vista apenas como salvação de pessoas da condenação eterna, nem como um programa de expansão de uma igreja e, muito menos, em termos de dominação cultural, em que a cultura ocidental “cristã” é superior às outras. Assim, a visão que a Igreja deve ter é a visão que a missão é da Trindade. Ela é a verdadeira protagonista da missão. A Igreja é coadjuvante. Ela não tem missão própria. Por sua graça, Deus a inclui na sua missio.

Para isso, deixou-se claro que cada pessoa da Trindade é um Deus missionário. O Pai é missionário porque ele é o autor da missão. Quando ele revela o proto-Evangelho em Gênesis 3.15, conclui-se que no seu plano eterno ele tinha uma missão de restaurar a humanidade caída em Adão. Para realizar esse propósito, ele envia os meios necessários para que isso se cumprisse. Ele enviou os profetas a Israel; enviou Jesus para ser o realizador da missão; ele enviou o Espírito Santo para aplicar aquilo que o Filho consumou na cruz; ele enviou os setenta e os apóstolos; e enviou e continua enviando a Igreja a proclamar Cristo como redentor e realizar o seu propósito de resgatar o pecador da sua miséria. E a única motivação que levou o Pai a agir em missão de resgate dos pecadores, foi o seu amor eterno e incondicional pela humanidade (Jo 3.16).

Na economia da graça, coube ao Filho ser missionário do Pai. “Deus amou ao mundo... que deu seu Filho unigênito”. O amor de Deus é tão maravilhoso que ele não poupou o seu próprio Filho. Jesus veio a esse mundo. Fez-se como nós, assumindo a natureza humana, a fim de que os nossos pecados pudessem ser expiados, a ira pudesse ser aplacada e a justiça de Deus, ser aplicada (II Co 5.21). Sua morte não foi involuntária. Foi o Pai quem o deu, mas ele espontaneamente a entregou. A missão principal dele foi morrer a nossa morte, para que pudéssemos viver a sua vida. Não podemos perder de vista que tudo isso ele fez, foi feito para que Deus fosse glorificado (Jo 17.1, 4, 6, 26; 11.4). Não somente ele veio para glorificar ao Pai, mas os crentes devem fazer o mesmo (Jo 15.8, 21.19). Jesus é o consumador da nova aliança que Deus tem com homens de todas as nações (Jo 19.30). E ele cumpriu cabalmente a sua missão.

Como proposto neste trabalho, a missão é obra da Trindade. Por isso, todas as pessoas da Trindade participam dessa missão. Sem a obra do Espírito, o plano da redenção não se realizaria. Ele aplica a obra da redenção realizada pelo Filho. Sem ele, os pecadores eleitos não poderiam nascer de novo (ou de cima). É o Espírito Santo quem convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Sem essa função do Espírito como promotor, os homens não chegariam ao arrependimento para com Deus e à fé em Jesus. É o Espírito Santo que capacita a Igreja e, com ela, testemunha de Jesus. Assim, o Espírito Santo é o consumador da missio Dei e completa essa missão.

Em suma, cabe a Igreja do Senhor Jesus entender que é o Deus Triúno que tem uma missão. A Igreja tem a incumbência de ser continuadora da missio Dei. O antropocentrismo e eclesiocentrismo devem ser postos de lado. Deus é o protagonista da missão. Como apóstola de Cristo, a missão da Igreja deve ser modelada na dele. Todas as nações e etnias precisam ouvir do Evangelho. O mundo deve ser o seu púlpito. As barreiras sociais, culturais e espirituais que Cristo ultrapassou, a Igreja é desafiada a ultrapassar. O mesmo caráter de Cristo, de amor, misericórdia e humildade, devem ser exercitados na pregação. Por fim, como continuadora da missão, a Igreja não está sozinha. Jesus não a deixou órfã. Ele lhe deu Deus outro Ajudador para estar com ela e nela. É a obra do Espírito na vida daqueles que ouvem o Evangelho, que garante o sucesso da missio Dei.


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