17 de abril de 2020

Coronavírus e Cristo - John Piper: uma resenha


Resenha

Robson Rosa Santana[1]


PIPER, John. Coronavirus and Christ [Coronavírus e Cristo]. Wheaton, Illinois: Crossway. 2020,114 p.

O renomado pastor batista John Piper escreveu este livro em pouco tempo, do final de marco a início do mês de abril de 2020, no período de quarentena por causa da rápida expansão do novo coronavírus e a doença a ele relacionado, o Covid-19. O objetivo do livro não é detalhar os desdobramentos da expansão, nem os possíveis tratamentos, que até a escrita dele não havia ainda cura. Nem ainda pretende tratar dos problemas econômicos, que já são uma realidade em todo mundo, causadas pelo isolamento social pela maioria dos países.
Fazendo um paralelo com a gripe espanhola de 1918, Piper afirma que “este é o tempo quando a forma frágil desse mundo é sentida” (p.8). A pergunta que o autor tentará responder no livro é essa: em tempo que os fundamentos desse mundo estão sendo chacoalhados, nós temos uma Rocha sob nossos pés? Uma Rocha que não pode ser abalada? O livro é dividido em duas partes. Na primeira, que contém cinco capítulos, Piper aborda: “O Deus que reina sobre o coronavírus". Na segunda parte o tema é: “O que Deus está fazendo através do coronavírus?”.
No capítulo 1, convida os leitores para que “Venha para a Rocha”. Em tempos incertos, no qual muitos jogam com as probabilidades em termos percentuais, jovem versus idosos, auto isolamento ou reuniões domésticas com os amigos, proveem pouca esperança. Para esse caos social Piper busca apontar para Deus como nossa única Rocha de certeza.
Quando foi acometido de câncer em 2005 tudo girava em torno das possibilidades, em termos de esperar para ver o que acontece, medicamentos e etc. Ele havia levado a sério a questão das probabilidades, até que ao final do dia ele concluiu com sua esposa: “Nossa esperança não está nas probabilidades. Nossa esperança está em Deus” (p.12).
Fundamentado no que Deus fala em Sua Palavra, ele sabia que Deus não estava irado com ele, pois vivendo ou morrendo, Deus estaria com ele, por causa de Cristo Jesus (paráfrase de 1Ts 5:9-10). Essa firmeza de fé é diferente de jogar com as probabilidades, seja do câncer ou do coronavírus. Este é o motivo dele escrever o livro.
A segurança que Deus está com seu povo é o que leva Piper a buscar gastar sua vida para o bem dos outros, sendo o bem maior a vida eterna, que exalta a grandeza de Jesus. Apesar das circunstâncias, podemos dizer que estamos bem, porque somente Deus sabe e decide se estamos bem.
Pois somente em Deus e na Sua presença nós podemos fazer isso ou aquilo (cf. Tg 4.13-15). Nada fica fora do “isto ou aquilo”, pois Deus está totalmente envolvido na vida, seja na saúde ou enfermidade, colapso econômico ou recuperação, respirando ou não. Deus é quem decide. Esse capítulo introdutório é um chamado para que todos venha à Rocha solida que é Jesus Cristo e que em qualquer momento, incluindo a pandemia do coronavírus, possamos permanecer no amor poderoso de Deus.
“Um Sólido Fundamento” é o título do capítulo 2. Piper afirma que o que ele pensa sobre o coronavírus não é importante, mas o que Deus pensa e fala através das páginas das Escrituras. Piper cita vários textos que apontam para a perfeição de Deus, tendo como ponto principal: “a doçura da Palavra de Deus não é perdida em momentos históricos de providência amarga – não se temos aprendido o segredo de ‘entristecidos, mas sempre alegres’ (2Co 6.10)” (p.22-23). Esse estado de alma só é possível pela luz do Evangelho de Cristo nos corações.
O capítulo 3, “A Rocha é Justa”, Piper argumenta que Deus é como uma Rocha, portanto, é justo, santo e bom. O desenvolvimento desse capítulo é a exposição dos atributos divinos da santidade, justiça e bondade. “A santidade de Deus é Sua infinita transcendência e dignidade acima de tudo mais” (p.29). Deus é auto existente, independente, completo e perfeito. A santidade de Deus não se refere apenas a Sua transcendência, mas também à moralidade. Logo, a santidade relaciona-se com a justiça. O Deus santo é justo. Justiça implica fazer o que é certo e o padrão de Sua justiça é ele mesmo. A justiça, por sua vez, está interligada com a bondade de Deus. Não há contradição. Sua justiça guia Seu favor. Desse modo, “a bondade de Deus é sua disposição para ser generoso – fazer o que abençoa os seres humanos” (p.34).
No capítulo 4, “Soberano sobre Tudo”, Piper faz uma bela exposição sucinta sobre a doutrina fundamental da soberania de Deus e, por correlação, da doutrina da providência. Essa providência, por vezes, é amarga, dura ou dolorida. Citando vários exemplos, como Noemi, Jó, Jeremias (Lamentações), o autor afirma que a “providência amarga não um descrédito dos caminhos de Deus. É uma descrição” (p.37).
Na verdade, tudo que Deus deseja Ele realiza. Como Ele mesmo disse: “que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). Segundo ele, não deve haver lugar para uma visão sentimental de Deus.
O último capítulo da primeira parte que trata sobre o Deus soberano, incluindo o coronavírus, John Piper aborda outro aspecto essencial da Sua pessoa: “A Doçura do Seu Reinado”. Como seria possível conciliar a soberania de Deus sobre o coronavírus e sobre nossas vidas como algo doce? Piper responde que o segredo é “saber que a mesma soberania que poderia parar o coronavírus, mas não o faz, é a mesma soberania que sustenta a alma nele” (p.45).
Citando Romanos 8.32, ele afirma que o envio de Jesus e sua obra na cruz é prova de que Deus usará Sua soberania para “nos dá todas as coisas”. Essa é a confiança que todo crente dever ter, que Deus proverá tudo para façamos sua vontade, glorifiquemos o seu nome e desfrutemos da sua presença plena de alegria. Desse modo, vida e morte não dependem da ação de Satanás ou de quaisquer outras circunstâncias, até mesmo o coronavírus, como se todas estas coisas não estivessem sob o controle das mãos poderosas de Deus.
Não cai um pardal ou fio de cabelo sem que não seja da vontade de Deus. Na verdade, as circunstâncias executam a santidade, justiça, bondade e sabedoria de Deus. Em outras palavras, é possível afirmar que somos imortais até que a obra que Deus nos deu para realizar seja feita.
A segunda parte do livro começa com uma breve introdução em que o autor trata dos pensamentos preliminares de ver e apontar. O argumento principal continua sendo o da soberania de Deus. Que ele “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Quais, então, são os propósitos dele nesse surto de coronavírus com toda sua devastação? O que Deus está fazendo?
Primeiro deixar de considerar o homem com seus argumentos pessoais e justificativas. O homem não tem as respostas, mas as Escrituras, pois são a Palavra de Deus inerrante. “Deus não está em silêncio sobre o que ele está fazendo nesse mundo” (p.56). Embora muito do que acontece seja inescrutável (cf. Rm 11.33), isso não quer dizer que devemos deduzir a realidade por nossa própria conta, segundo nossos pensamentos e modo de ver as coisas. Quando Paulo findou a primeira parte de Romanos (1-11), o que ele queria dizer é que Deus nos revelou seus planos eternos de salvação, que, por sua vez, estava oculto das gerações anteriores.
Assim, o sofrimento, incluindo o surto do novo coronavírus, são descritos como uma realidade da vida humana no presente mundo. Inescrutável, portanto, quer dizer que Deus está agindo além do que podemos ver, e se podemos ver, é porque ele revelou. Isso leva à segunda parte dos pensamentos preliminares: aportar para a realidade.
Deve-se deixar de lado as especulações humanas e reconhecer que Deus e Sua Palavra são a realidade que precisamos, a Rocha sob nossos pés. Nos capítulos seguintes Piper diz que “apontará para o que a Bíblia ensina e assim fará as conexões com o coronavírus” (p.59), e os leitores devem julgar o que está certo. Os próximos seis capítulos são seis respostas apontadas pelo caminho das Escrituras.
A primeira resposta é "Ilustrando o Horror Moral" da humanidade (cap.6). Piper argumenta que “Deus está dando ao mundo no surto do coronavírus, como em todas as outras calamidades, uma imagem física do horror moral e feiura espiritual do pecado que menospreza de Deus” (p.61). A base doutrinária acerca de todos os males humanos, incluindo as misérias físicas, jaz na Queda do homem em pecado, registrado em Genesis 3 e sumariada por Paulo em Romanos 5.12. O pecado levou o julgamento de Deus a este mundo. Desde então iniciou-se uma devastação e miséria a nível global.
Embora sejamos salvos por Cristo, ainda estamos sujeitos à corrupção desse mundo, até mesmo passamos pela morte física, por todas as causas possíveis. Mas com um diferencial. Os crentes não experimentarão a condenação eterna. Deus não nos destinou para a ira (1Ts 5.9). Os sofrimentos nos purificam. O aguilhão da morte foi removido. Morrer é lucro. Partir e estar com Cristo é infinitamente melhor.
Em boa parte dos males desse mundo haja ação do diabo, pois é o “príncipe desse mundo”, suas ações são limitadas pela mão de Deus. Em outras palavras, mesmo que seja difícil muitos compreenderem, o diabo serve aos propósitos de Deus.
Por que, então, o homem sofre consequências físicas por causa do mal moral que é o pecado? Piper sintetiza: “o mal físico é uma parábola, um drama, uma placa apontando para o ultraje moral da rebelião contra Deus” (p.66). Usando palavras que lembram C. S. Lewis, Piper diz que a dor física é como uma trombeta soando a dizer-nos que algo está muito errado nesse mundo. E que juízo ainda maior haverá na eternidade para aqueles que não se converteram a Jesus.
A segunda resposta no capítulo 7 é que Deus envia julgamentos específicos (Sending Specific Divine Judgments). Ou seja, “algumas pessoas serão infectadas com o coronavírus como um julgamento especifico de Deus por causa de suas atitudes e ações pecaminosas” (p.69). Piper fundamenta esse argumento citando o juízo de Deus sobre Herodes em Atos 12. O juízo de Deus em Romanos 1 acerca da prática homossexual. Em suma, ele afirma que nem todo sofrimento é um julgamento específico para pecados específicos, mas alguns é.
Cristãos podem morrer por causa do COVID-19. Por isso cada ser humano tem de buscar discernir se seu sofrimento é julgamento de Deus ou não em relação ao modo que vivemos. Os que estão em Cristo Jesus não entram em juízo, conforme Joao 5.24 (cf. Rm 8.1; Hb 12.6).
O capítulo 8 tem por título “Despertando-nos para a Segunda Vinda”. A terceira resposta é a compreensão de Piper que Deus enviou o coronavírus para que estejamos preparados para a volta de Jesus. Tudo que causa sofrimento é o princípio das dores preditas por Jesus. São as dores do parto. A terra sente as dores como uma mulher em trabalho de parto que dará a luz um novo mundo na segunda vinda de Cristo. Logo, um chamado ao seu povo, e ao mundo, para que esteja em vigilância constante (Mc 13.33-37). “O caminho para estar pronto é vir a Jesus Cristo, receber perdão pelos pecados e andar na sua luz”, diz Piper (p.76).
No capítulo 9, “Realinhando-nos ao Valor Infinito de Cristo”, o autor traz a quarta reposta: o coronavírus é um chamado poderoso ao arrependimento e realinhamento das nossas vidas a Cristo. Não é o único, mas também é. Piper cita como fundamento e ilustração o episódio ocorrido com alguns galileus foram mortos por Pilatos no templo e o sangue deles misturados com o sangue do sacrifício e os mortos quando a torre de Siloé caiu. Jesus questiona e exorta os que levaram a notícia: “vocês pensam que eles eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? Digo a vocês que não eram; mas, se não se arrependerem, todos vocês também perecerão” (Lc 13.1-5). Esses desastres não eram para despertar a curiosidade das pessoas. Segundo Jesus, todas pessoas têm de pensar que poderia ser com elas. Essa é sua conclusão: “arrependam-se ou serão condenados ao inferno”.
Esses sinais específicos de juízo são também sinais da misericórdia enquanto há tempo. Em todo desastre Deus traz uma mensagem de misericórdia. Piper acredita que é essa mensagem de Deus nesses tempos de pandemia. Segundo ele, Deus está chamando as pessoas para que o amem de todo coração e o coloquem em primeiro lugar nas suas vidas. Colocando Deus como seu maior tesouro e Jesus como o relacionamento mais importante. O recado de Deus é este: nada nesse mundo dá segurança e satisfação que só podem ser encontradas em Jesus.
No contexto de perigo de contaminação pelo coronavírus, Piper nos dá a quinta resposta por meio de boas obras de amor que glorificam a Deus (cap. 10). Jesus afirmou que seus discípulos são o sal da terra e a luz do mundo, logo após falar da bem-aventurança das perseguições. O contexto atual não é o da perseguição, mas de epidemia. Um tempo perigoso que pode levar a morte. Fazer boas obras em tempo de perigos é um sinal de que somos sustentados pela esperança em Deus.
Ele cita Pedro como um dos escritores do Novo Testamento que mais enfatizou o ensino de Jesus sobre as boas obras para a glória de Deus (1Pe 2.12). No entanto, o argumento imbatível de Piper foi que Jesus morreu para realizar boas obras em perigo. A boa obra de Jesus na cruz nos salva e nos faz viver para justiça (1Pe 2.24) e zelosos de boas obras (Tt 2.14). Segundo Piper, “um dos propósitos de Deus no coronavírus é que seu povo faça morrer a autopiedade e o medo, e deem a si mesmos para as boas obras na presença do perigo” (p.91). Este capítulo finaliza com alguns exemplos da igreja nos primeiros séculos de sua existência, em momentos de pragas e miséria no Império Romano, o que calou a ignorância de alguns imperadores.
Desse modo, não há contradição em afirmar que foi Deus que enviou o coronavírus como sinal de seu juízo ao horror do pecado, e, ao mesmo tempo, que ele envia seu povo a realizar boas obras em meio à pandemia. Deus é o próprio exemplo. Ele enviou a si mesmo em Cristo para levar sobre ele nosso juízo, demonstrando, assim, seu eterno e infinito amor.
A sexta e última resposta sobre o que Deus está fazendo através do coronavírus aponta para as missões transculturais: “Desprendendo as Raízes para Alcançar as Nações". O pastor batista reformado argumenta que Deus está soltando ou afrouxando as raízes dos cristãos estabelecidos ao redor do mundo para torná-los livres para algo novo em suas vidas, enviando-os a povos não alcançados.
Piper reconhece que relacionar uma pandemia com missões pode parecer estranho, pois de imediato o coronavírus tem causados a diminuição das viagens, migração e, logo, do avanço missionário. Mas ele não pensa no curto prazo. Segundo ele, Deus tem feito isso na história. Tem levado cristãos a moverem-se para lugares que o evangelho precisa chegar. Ele espera que missões seja um dos impactos a longo prazo do coronavírus.
Deus tem usado a perseguição como estratégia missionária. A expansão da igreja na era apostólica ocorreu a partir do martírio de Estevão em Atos 7 e da grande perseguição de Atos 8. Martírio e perseguição serviram para o avanço das boas novas. A promessa de Cristo que ele edificaria sua igreja em todo mundo tem de se cumprir.
Pode-se pensar que a pandemia é um revés para as missões mundiais, mas frequentemente os caminhos de Deus incluem aparentes retrocessos que levam a grandes avanços. A abrangência mundial do coronavírus é muito grande para Deus desperdiçar, acredita Piper.
O livro termina com “Uma Oração de Encerramento”. Ele pede, como Jesus no Getsêmani, que passe esse cálice de nós, se for da sua vontade. Pede por sabedoria para entendermos seus propósitos. Intercede pedindo misericórdia pelos pobres, aflitos e por cura. E que esse surto global sirva de purificação e santificação para seu povo.
O livro é um grande chamado ao arrependimento do mundo, santificação da Igreja e serviço abnegado aos necessitados física e espiritualmente deste mundo. Um chamado a reconhecer que o que há de errado nesse mundo é apenas uma imagem pálida da rebelião do homem contra Deus; que Ele é justo, santo e bom ao exercer juízo sobre este mundo, ao mesmo tempo que nos aponta o caminho para ele que ele mesmo pavimentou através do sangue de Jesus e sua ressurreição.




[1] É ministro presbiteriano. Bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano Brasil Central e mestre em teologia (M.Div.), com habilitação em Missões Urbanas, pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. Autor do livro Missão Urbana: Fundamentos,Desafios e Implicações.


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