12 de novembro de 2008

UNIÃO COM CRISTO

A união com Cristo (ou união mística) é uma doutrina que se deve estudar dentro da aplicação da obra de Cristo na vida dos eleitos, ou seja, da Soteriologia. John Murray diz que “a união com Cristo é a verdade central de toda a doutrina da salvação, não somente em sua aplicação, mas também de sua realização uma vez por todas na obra consumada de Cristo”.[i]

RAIZ DA UNIÃO COM CRISTO

A raiz desse ensino está explícita em vários textos do Novo Testamento. Podemos ver isso quando observamos textos que falam que os crentes estão em Cristo ou que nós estamos nele[ii]. A raiz, contudo, dessa união, jaz na eleição de Deus feita em Cristo. Efésios 1.3, 4 diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo” (itálicos meus).

Nesse texto aprendemos que os cristãos foram eleitos antes da fundação do mundo, e essa eleição foi feita em Cristo. Deus nos escolheu para a salvação baseado unicamente na predeterminada união com Cristo. Desse modo, vemos que a união de Cristo com o seu povo tem sua raiz no decreto eterno.

1. Raiz no Conselho Eterno da Redenção

“No conselho de paz Cristo se incumbiu voluntariamente de ser a Cabeça e o Penhor dos eleitos, destinados a constituir a nova humanidade”[iii], e desse modo, Cristo estabeleceu a justiça desta perante o Pai. Assim, Ele cumpriu a pena pelo seu pecado, prestando obediência à lei, garantindo o direito à vida para os eleitos.

2. Raiz Estabelecida Idealmente no Conselho Eterno

“Como o primeiro Adão, Ele (Cristo) não representou uma aglomeração de indivíduos disjuntos, mas um corpo de homens e mulheres que deveriam derivar sua vida dele, estar unidos por laços espirituais, formando, assim, um organismo espiritual. Idealmente, este corpo, que é a igreja, já estava formando na aliança da redenção, e isto em união com Cristo, e esta união possibilitou que todas as bênçãos merecidas por Cristo pudessem passar de maneira orgânica para aqueles que Ele representou”.[iv]

A BASE DA UNIÃO COM CRISTO

A base dessa união foi concretizada objetivamente na encarnação e na obra redentora de Cristo. Uma vez que legalmente a união com Cristo foi decretada na eternidade, Cristo assumiu a natureza humana para ser o substituto pelo pecado de Seu povo, e, assim, alcançar as bênçãos da salvação para eles. Jesus alcançou a salvação para o Seu povo porque já estava em “relação com eles como seu Penhor e seu Mediador, sua Cabeça e seu Substituto”[v]. Quando Cristo morreu toda a igreja estava incluída nele como sua Cabeça. Desse modo, objetivamente, a igreja foi crucificada com Cristo, morreu com ele (Rm 6.5), ressuscitou e assentou-se com Ele nas regiões celestes (Ef 1.3).

REAL UNIÃO COM CRISTO
Essa união se torna real quando da operação do Espírito Santo. É Ele quem aplica esse aspecto da obra redentora de Cristo. Calvino ressalta que somente nos aproveitamos dessa obra quando ocorre uma ação secreta do Espírito Santo na vida pecador. Ele mesmo diz:
“Portanto, para que possa comunicar-nos os bens que recebeu do Pai, é preciso que Ele (Jesus) se faça nosso e habite em nós. Por esta razão é chamado “nossa Cabeça” e “primogênito entre muitos irmãos”; e de nós se afirma que somos “inxertados nEle” (Rm 8.29; 11.17; Gl 3.27); porque, segundo tem dito, nenhuma dessas coisas que possui nos pertencem, nem temos a ver com elas, enquanto não somos feitos uma só coisa com Ele”.[vi]

Então percebemos que a união com Cristo se dá quando o Espírito nos comunica uma nova vida. Assim compara Michael Horton: “a união com Cristo descreve a realidade sobre a qual Paulo escreveu em Romanos 6. Como um marido e sua esposa estão unidos por meio do casamento e os pais e seus filhos estão unidos por meio do nascimento, assim estamos unidos com Cristo por meio do batismo do Espírito”[vii].

Antes de adentrarmos nas conseqüências da união com Cristo, vejamos sua definição de acordo com Louis Berkhof. Segundo ele, “a união mística é uma união íntima, vital e espiritual entre Cristo e o Seu povo, em virtude da qual Ele é a fonte de sua vida e poder, da sua bendita ventura e salvação”.[viii] Ela é mística porque é efetuada pelo Espírito Santo de modo misterioso e sobrenatural, e “porque transcende, e muito, todas as analogias das relações terrenais, na intimidade da sua conexão, no poder transformador da sua influência, e na excelência das suas conseqüências”.[ix]

Gostaria de acrescentar que nem todos os reformados (calvinistas) vêem a união mística do modo como expomos, separando em raiz (aspecto legal), base (aspecto objetivo), e real (aspecto subjetivo), mas incluindo todos esses aspectos como a união com Cristo. Berkhof é um dos teólogos reformados que pensa assim. No entanto, ele mesmo enfatizou que “geralmente ela indica unicamente o aspecto máximo dessa união, a saber, a sua realização subjetiva pela operação do Espírito Santo, e, naturalmente, é esse aspecto que está no primeiro plano da soteriologia”[x].

Anthony Hoekema discorda das quatro fases que fala Berkhof, pois reserva às três primeiras fases como raiz e base da união mística projetada, mas não ocorrida.[xi] Pois, efetivamente a união mística com Cristo só ocorre com um grupo humano existente no tempo e no espaço. Como diz Murray, “embora tivessem sido eleitos em Cristo antes dos tempos eternos, todavia estavam sem Cristo até que foram eficazmente chamados à comunhão do Filho de Deus (1 Co 1.9)”.[xii]

AS CONSEQUENCIAS DA UNIÃO MÍSTICA

Sabemos que as conseqüências da união que os crentes têm com Cristo são maravilhosas, e gostaríamos de mostrar o que as Escrituras nos ensinam:

1. Um Corpo em Cristo

É em Cristo que ocorre uma união orgânica, não somente individual, mas de todos os eleitos, formando, assim, um corpo, do qual Cristo é a cabeça. O caráter orgânico é ensinado em passagens como Jo 15.5; 1 Co 6.15-19; Ef 1.22, 23, entre outras. Essa união destaca que “Cristo atende aos crentes, e os crentes atendem a Cristo”.[xiii] Cada parte do corpo serve umas às outras, e todas juntas servem ao corpo todo numa união indissolúvel. Isso resulta na comunhão com Cristo e na comunhão dos santos. Comunhão vertical e horizontal, se assim podemos dizer.

2. Nova Vida em Cristo

Cristo é a vida (Jo 10.10; 14.6). Em Cristo temos vida abundante, fora dele estamos mortos em nossos delitos e pecados (Ef 2.1). Logo, Cristo é o “princípio vitalizador e dominante de todo o corpo de crentes”,[xiv] nos conduzindo em direção a Deus (Rm 8.10; 2 Co 13.5, Gl 4.19, 20).

3. Santificação em Cristo

Se temos nova vida com Cristo, devemos andar continuamente em novidade de vida. Essa novidade de vida é o processo do qual o Espírito Santo nos renova progressivamente e nos habilita a viver para a glória de Deus (Rm 11.36). E isso se dá porque estamos em Cristo. Desenvolvendo o assunto, Hoekema diz que “santificação através da união com Cristo (...) significa que nossos dons e habilidades são progressivamente burilados, desenvolvidos e purificados de forma que nos tornemos melhores ‘nós’”.[xv]

4. Justificação em Cristo

A Bíblia nos ensina que não podemos separar nossa justificação da união com Cristo (Fp 3.8-9). Paulo ilustra bem esse fato em 1 Co 1.30: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”. “Somos salvos porque estamos em Cristo, o qual se tornou nossa justiça (ou justificação) só porque estamos nele”.[xvi]

5. Perseverança em Cristo

A Bíblia diz que os crentes perseveram até a morte porque estão em união com Cristo (Jo 10.27, 28; Rm 8.30-39). Diz Hoekema: “Se estamos em Cristo perseveraremos até o fim, uma vez que nenhum poder criado nem possível futuro (‘nem as coisas do presente, nem do porvir...’) será capaz de alguma forma, de separar-nos de Cristo e do amor de Deus que está em Cristo”.[xvii]

6. Morte em Cristo

Mais uma vez aprendemos de Paulo esse ensinamento: “Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor” (Rm 13.8). Não só morremos para ele e nele, mas mesmo depois de mortos “somos do Senhor”. Desse modo, quando morremos, morremos em Cristo (1 Ts 4.16; Ap 14.13).

7. Ressurreição em Cristo

Em certo sentido já fomos ressuscitados em Cristo (Cl 3.1; Ef 1.20), mas há uma ressurreição de nossos corpos quando da sua volta. Assim, os que morreram em Cristo, ressuscitarão com ele também (1 Ts 4.16, 17).

8. Glorificação em Cristo

1 Ts 4.16 diz que os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. O verso 17 diz que depois os vivos serão arrebatados, “e, assim, estaremos para sempre com o Senhor”. Romanos 8.17 também afirma que “com ele seremos glorificados”. “A glória futura será, portanto, nada mais do que a continuação dos desdobramentos das riquezas de nossa união com Cristo”.[xviii]


Desse modo, finalizamos dizendo que a união com Cristo tem sua origem na eleição do Pai, em Cristo, antes da fundação do mundo, e culmina na glorificação dos crentes por toda a eternidade.

Conclusão

A conclusão a que chegamos é que o estudo da união com Cristo nos leva a sermos gratos imensamente ao Deus Triúno. Como diz o apóstolo Paulo: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente” (Rm 11.36). De Deus procede toda iniciativa de buscar e salvar o perdido. Por meio de Cristo nós nos chegamos até Ele, pois Cristo é o nosso mediador. Essa mediação é aplicada pelo Santo Espírito, e, assim, gozamos da comunhão com Ele. Por isso, tudo o que Deus fez em nós deve nos levar a louvar e a adorar ao Seu santo nome.

Essa gratidão deve ser demonstrada na proclamação das virtudes de Deus e através de uma vida de santificação. Como ato, a santificação ocorre quando nos unimos a Cristo por meio do Espírito Santo, nos separando para Ele. Esse é um ato soberano do Espírito. Mas, como um processo, que dura enquanto estivermos sobre a terra, é uma ação conjunta do Espírito com o crente, como dizem os teólogos é um processo sinergístico. Por isso, essa busca de santidade deve ser o reconhecimento de que estamos em Cristo e Ele está em nós, então vivamos pela fé nele.
Se realmente o crente entender o caráter de Deus demonstrado através de Cristo e da ação interna do Espírito, ele irá buscará viver para a glória de Deus, que com amor eterno o amou.
Notas

[i] John Murray, Redenção: consumada e aplicada, (São Paulo: Cultura Cristã, 1993), 179.
[ii] 2 Co 5.17; Jo 15.4,5,7; 1 Co 15.22; 2 Co 12.2; Gl 3.28; Ef 1.4; 2.10; Fp 3.9; 1 Ts 4.16, 1 Jo 4.13
[iii] Berkhof, Teologia Sistemática, (Campinas: Luz Para o Caminho, 1990), 450.
[iv] Ibid.
[v] Ibid.
[vi] Juan Calvino, Institución de la Religión Cristina, (Barcelona: FELIRE, 1994), III, i, 1.
[vii] Michael Horton, ed., Cristo o Senhor, (São Paulo: Cultura Cristã, 2000), 107.
[viii] Louis Berkhof, Teologia Sistemática, 451.
[ix] A. A. Hodge, Outlines of Theology, (Grand Rapids: Zondevan, 1979), 483.
[x] Berkhof, Teologia Sistemática, 452.
[xi] Diz ele: “Minha dificuldade com a apresentação de Berkhof é que as primeiras três fases da união com Cristo, como ele alista, são descrições de uma união projetada que ainda não ocorreu. Real união com Cristo só pode ocorrer com pessoas reais”. Anthony Hoekema, Salvos pela Graça, (São Paulo: Cultura Cristã, 1997), 62
[xii] John Murray, Redenção: consumada e aplicada, 183-184.
[xiii] Berkhof, Teologia Sistemática, 452.
[xiv] Ibid.
[xv] Salvos pela Graça, 69.
[xvi] Hoekema, Salvos pela Graça, 68.
[xvii] ibid., 70.
[xviii] ibid., 71.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você pode comentar aqui se quiser