O primeiro passo é analisar a palavra hebraica berît - pacto, aliança. Ela aparece cerca de 290 vezes no Antigo Testamento. Quanto ao significado, a mais aceita pelos estudiosos é que ela está relacionada com a palavra acadiana birtu, que significa “laço”, “vínculo”, ou seja, “estabelecer uma situação legal por meio de um testemunho acompanhado de juramento”.[1] Do mesmo modo que há dificuldades para estabelecer a origem e o significado da palavra berît, surge também uma dificuldade quanto ao que se quer dizer com pacto ou aliança. Será que quer dizer que esse acordo é “bilateral”? No próprio texto bíblico e na história antiga o termo pode significar aliança entre nações, entre indivíduos e entre Deus e o homem. Nos dois primeiros casos essa aliança podia ser de igual para igual, mas quando partimos para a aliança feita entre Deus e o homem, o conceito bilateral é abandonado. “A bilateralidade, no contexto do pacto entre Deus e homens, implica tão somente em que duas partes estão envolvidas, mas não que exista igualdade entre as partes. (…) Nesse sentido a aliança divino-humana é unilateral”.[2] Desse modo a Aliança é um compromisso de iniciativa de Deus para com a sua criação, especialmente com aqueles que foram criados a sua imagem e semelhança.
Essa iniciativa se torna evidente em Gn 17.2, cuja tradução na ARA é: “farei uma aliança entre mim e ti”. O verbo traduzido por “fazer” é derivado do hebraico nathan, que significa “dar”. Logo, a ênfase do verbo fazer no português recai sobre o fato de que é algo dado por Deus, que reflete a unilateralidade do pacto. Comentando Gn 15.17, Derek Kidner diz: “Simbolicamente, só Ele faz a aliança. Salientam-se a Sua iniciativa e a Sua dádiva, como esclareceu v.18, em contraste com a aliança do tipo contrato de, digamos, 31.44”.[3] Desse modo, podemos conceituar Aliança como vínculo de amor e vida iniciado e administrado soberanamente por Deus com os seres humanos[4].
Depois de analisado o termo berît e de seu conceito bíblico, gostaríamos de analisar brevemente o Pacto da Criação e Pacto da Redenção. A primeira questão que surge é se é justo falar de um Pacto da Criação, quando a palavra aliança só aparece em Gênesis 6. Apesar de não aparecer a palavra berît antes de Gn 6 pode-se concluir que intrinsecamente está inserida no relato da criação. Primeiro, ao criar Deus manteve um relacionamento, não só enquanto criava Ele mantinha a ordem das coisas que criava até que tivessem leis próprias, mas continua sendo o “sustentador de todas as coisas”. Segundo, quando criou o homem deu-lhe a capacidade de pensar, obedecer, discernir e optar. É justamente isso a “imagem e semelhança” de Deus no homem, que lhe dava a capacidade de se relacionar com Ele. Terceiro, Deus criou o homem como macho e fêmea e lhes deu responsabilidades como procriação, multiplicação e domínio (Gn 2.15,19). Por fim, todos esses tipos de relacionamentos deixam claro que poderiam advir bênçãos e maldições. Características estas de pactos do antigo Oriente Médio. Isso reflete três tipos de mandatos: cultural, social e espiritual. “Essas características (soberania, sustento, relacionamento, responsabilidade, bênçãos e maldições) formam o conjunto de elementos do chamado pacto da criação”.[5] Poderíamos analisar outros textos que falam do pacto da criação, como Os 6.7; Jr 33.20, 25; e Gn 6.18, mas não cabe na proposta desse ensaio.
O Pacto da Redenção é uma conseqüência primeira da falha do homem em cumprir o Pacto da Criação. O pacto da Redenção é também chamado de “Pacto da Graça”, pois uma vez que o homem não cumpriu o primeiro e mereceria as maldições do pacto, Deus agiu com graça e misericórdia. Vemos nas Escrituras Deus fazendo alguns pactos com homens que representam o povo de Deus: Adão, Noé, Abraão, Moisés e Davi, por fim, o Seu próprio Filho. Cada uma dessas alianças não significa uma ruptura da aliança anterior, mas continuidade e desenvolvimento. Como diz Robertson, “quando Deus institui uma nova aliança com a nação de Israel, ordena a ocasião, de sorte que reflita especificamente a continuidade, e não a descontinuidade, com o passado”.[6] Conforme o próprio Robertson, cada aliança com os personagens bíblicos, que são tipos de Cristo, têm um significado primário.
Adão: aliança do começo.
Noé: aliança da preservação.
Abraão: aliança da promessa.
Moisés: aliança da Lei. Por fim,
Jesus Cristo: aliança da consumação ou nova aliança.
Desse modo, podemos concluir que se o Pacto da Redenção é um novo elemento dentro do Pacto da Criação, “seu princípio, suas estipulação, seus mandatos, assim como seu propósito original para a raça humana e, de maneira especial, para a semente escolhida da qual viria a redenção final”.[7] Em suma, “o mandado da redenção relembra e repete o que está contido no pacto da criação, a saber, que o redimido instrua e prepare seus filhos para o serviço”.[8]
A conclusão a que chegamos é que Deus é imutável em seus decretos. Ele fez uma aliança com o homem em Adão que foi quebrada, mas não mudou os Seus planos. Manifestou graça e misericórdia, continuou a aliança com o homem e constituiu um povo exclusivamente para Si. Apesar das sucessivas rebeliões e quebra das Suas sucessivas alianças, Deus desenvolve o propósito de redenção que encontra seu estágio final em Seu Filho Jesus Cristo. Por isso, é apropriado chamar a aliança em Cristo de “aliança da consumação”, uma vez que une as dimensões da promessa de aliança ao povo de Israel, suplantando, assim, as alianças anteriores.
BIBLIOGRAFIA
Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Lairds, Archer Jr e Waltke ed., ,1a ed., São Paulo: Vida Nova, 1998.
Kidner, Derek, Gênesis: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova, 1979.
Meister, Mauro F., “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, em Fides Reformata, 3/1 (Janeiro-Junho 1998).
_______________ , Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto (II)”, em Fides Reformata, 4/1 (Janeiro-Junho 1999).
Robertson, O. Palmer, Cristo dos Pactos, 1a ed., trad. Américo J. Ribeiro, Campinas: LPC, 1997.
van Groningen, Harriet e Gerard, Família da Aliança, 1a ed, trad. Maria Priscila Barro, São Paulo: Cultura Cristã, 1997.
_____________, Gerard, Revelação Messiânica no Velho Testamento, 1a ed., trad. Cláudio Wagner, Campinas: Luz Para o Caminho, 1995.
CITAÇÕES
[1] CAD, baru, p.125, citado por Elmer B. Smick, “berît”, em Lairds, Archer Jr e Waltke ed., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, 215.
[2] Mauro F. Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, em Fides Reformata, 3/1 (Janeiro-Junho 1998), 117.
[3] Derek Kidner, Gênesis: introdução e comentário, (São Paulo: Vida Nova, 1979), 117.
[4] Esse é basicamente os conceitos de Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, 119; e de Harriet e Gerhard van Groningen, Família da Aliança, 27. O. Palmer Robertson difere dos dois quando diz que “Aliança é um pacto de sangue soberanamente administrado”, ou seja, de vida e morte, Cristo dos Pactos, 18.
[5] Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, 120.
[6] O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, 31.
[7] Mauro F. Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto (II)”, em Fides Reformata, 4/1 (janeiro-junho, 1999), 102.
[8] Gerard van Groninger, Revelação Messiânica no Velho Testamento (Campinas: Luz Para o Caminho, 1995), 57.
[1] CAD, baru, p.125, citado por Elmer B. Smick, “berît”, em Lairds, Archer Jr e Waltke ed., Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, 215.
[2] Mauro F. Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, em Fides Reformata, 3/1 (Janeiro-Junho 1998), 117.
[3] Derek Kidner, Gênesis: introdução e comentário, (São Paulo: Vida Nova, 1979), 117.
[4] Esse é basicamente os conceitos de Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, 119; e de Harriet e Gerhard van Groningen, Família da Aliança, 27. O. Palmer Robertson difere dos dois quando diz que “Aliança é um pacto de sangue soberanamente administrado”, ou seja, de vida e morte, Cristo dos Pactos, 18.
[5] Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, 120.
[6] O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, 31.
[7] Mauro F. Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto (II)”, em Fides Reformata, 4/1 (janeiro-junho, 1999), 102.
[8] Gerard van Groninger, Revelação Messiânica no Velho Testamento (Campinas: Luz Para o Caminho, 1995), 57.
muito bom este estudo ou melhor este ensaio....
ResponderExcluirque Deus possa te abençoar muito pastor...