Robson Rosa Santana
INTRODUÇÃO
A contextualização
missionária é um dos temas mais importantes a ser considerado no que se trata
do cumprimento da missão da igreja de levar o evangelho a todos os povos e
línguas. Até meados do século XX a igreja buscou desempenhar seu papel de
agente do Reino neste mundo sem uma reflexão séria do que seja a missão. O
primeiro aspecto a ser respondido foi o que é a missão em si. A resposta é que
a igreja não tem missão própria. Quem é o autor da missão é Deus (missio Dei). Em síntese, o Pai escolhe
os que seriam salvos, o Filho morre por eles especificamente e o Espírito Santo
aplica a obra de Cristo nos escolhidos. O papel da igreja é comunicar o
evangelho a todos de todos os lugares.
Quanto à questão da
contextualização, o problema maior era como comunicar o evangelho a pessoas de
outras culturas, sem levar no bojo a cultura do missionário. Por muito tempo
levar o evangelho incluía levar também a cultura aparentemente mais
desenvolvida dos países dos missionários, especialmente dos Estados Unidos e de
países europeus como Inglaterra, Irlanda, Holanda, Alemanha, França, dentre
outros.
Um dos problemas
principais na comunicação do evangelho a outros povos e culturas está no
conhecimento da língua dos nativos, e depois de diminuída a barreira
lingüística e com o surgimento dos primeiros convertidos era tentar compreender
a cultura local e propor as respostas que a Palavra de Deus tinha para os
aspectos culturais que iam de encontro aos mandamentos de Deus.
Esse é um desafio
perene da Igreja de Jesus nesse mundo. Jesus sempre é o exemplo maior de tudo
que precisamos executar para cumprir a missão de levar as boas novas de
salvação às pessoas. Na contextualização missionária o nosso Senhor Jesus nos
ensina em primeiro lugar a sua experiência de auto esvaziamento para fazer a
vontade do Pai. Jesus “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo” (Ef
2.7). Jesus não partiu do pressuposto do que Ele realmente era e é – Deus - mas
se esvaziou, identificou-se com aqueles que ele queria comunicar a salvação de
Deus. Ele se tornou gente como a gente. Encarnou a missão. Vestiu-se como o
povo comum. Exemplo disso foi quando Judas levou aqueles que o prenderiam no
Getsêmani, e para identificar foi preciso o sinal do beijo, porque nos aspectos
exteriores ele era igual aos outros.
Quanto a outros
exemplos bíblicos, que iremos expandir mais a frente, o apóstolo Paulo nos dá
diretrizes claras acerca da contextualização no diversos ambientes culturais
que ele comunicou o evangelho.
1.
DEFINICÃO DE CONTEXTUALIZAÇÃO MISSIONÁRIA
Depois de fazer uma
análise das raízes teológicas do significado de contextualização, citando o
conceito de autores como Byang H. Kato, Bruce J. Nicholls , George W. Peters e
Harvie Conn, David. J. Hesselgrave define o significado do termo na perspectiva
missiológica cristã da seguinte forma:
...
pode-se pensar na contextualização como a tentativa de comunicar a mensagem da
pessoa, das obras, da palavra e da vontade de Deus de modo fiel à revelação de
Deus, sobretudo como está apresentando nos ensinos das Escrituras Sagradas, e
que é significativo aos receptores em suas culturas e contextos existenciais
receptivos. A contextualização é tanto verbal quanto não-verbal e está ligada à
teologização; à tradução, à interpretação e à aplicação da Bíblia; ao estilo de
vida encarnacional; à evangelização; à instrução cristã; a criação e ao
crescimento de igrejas; à organização da igreja; ao estilo de culto – na
verdade a todas aquelas atividades relacionadas com a execução da Grande
Comissão. [1]
Darrel L. Whiteman conceitua:
A
contextualização tenta comunicar o
Evangelho em palavras e ações e
estabelecer a igreja de maneira que
faça sentido para as pessoas dentro
de seu contexto cultural local, apresentando o cristianismo de tal forma que atenda às necessidades mais profundas das pessoas e penetre sua visão de mundo, permitindo-os seguir Cristo
e permanecer dentro de sua
própria cultura.[2]
É um desafio contínuo da
igreja de Cristo em todos os tempos e contextos culturais fazer essa ponte do
contexto das Escrituras para o contexto dos seus ouvintes. Isso pode parecer
evidente, mas não é o que sempre acontece. Normalmente os pastores e
missionários se vêem envoltos em suas próprias culturas e mantendo tradições humanas
de seus antepassados que não fazem parte da essência do evangelho de Cristo.
Podemos citar o
exemplo contextualizado de Davi mencionado por Paulo na sinagoga de Antioquia
da Pisídia, quando disse: “Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu,
foi para junto de seus pais e viu corrupção” (At 13.36, grifo meu). Davi serviu
a Deus na sua própria geração. Como diz Carlos del Pino, “o próprio Davi não
pode servir nem à geração de seus pais e avós, nem à geração de seus filhos e
netos. Ele morreu e o que pode fazer o fez nos seus próprios dias ou, de forma
mais ampla, o fez no contexto dos seus contemporâneos”.[3]
Muito do que foi
pregado no passado foi o evangelho com a cultura do mensageiro. E se não se
utilizar da contextualização continuará pregando da mesma forma. É preciso
compreender o contexto dos ouvintes do evangelho, seja ele rural, urbano ou
tribal, para que se faça a devida adaptação da mensagem. Frisa isso de modo magistral
Harry L. Reeder III, quando afirma:
Muitos pastores estão plantando e liderando igrejas que
seriam maravilhosas se vivêssemos em 1750. Porém, não estamos nessa época. A
mensagem do evangelho e os objetivos ministeriais da igreja são sempre os
mesmos. Todavia, o modo como comunicamos o evangelho e o modo como alcançamos
nossos objetivos ministeriais têm de mudar para se encaixar na natureza de
nosso tempo.[4]
1.1 Princípios bíblicos de contextualização tomados de
Romanos 1.18-32
Nesse tópico, sobre
pressupostos bíblicos para a contextualização, sou devedor à análise de Ronaldo
Lidório do texto de Romanos 1.18-27 no livro Plantando Igrejas.
No verso 18, Paulo diz
que Deus manifesta a sua ira dos céus contra a “impiedade” e “perversão” (ARA)
ou “injustiça” (ARC). A impiedade significando o relacionamento quebrado com
Deus e seus mandamentos, enquanto a perversidade ou injustiça, os
relacionamentos quebrados com o seu próximo. Deus está irado com os seres
humanos que quebram os dois maiores mandamentos das Escrituras Sagradas: amar a
Deus e amar ao próximo. Enfim, o homem está corrompido pelo pecado.
Nos versos 19 e 20,
Deus nos mostra que os homens são indesculpáveis, pois o que se pode conhecer
de Deus foi manifestado por meio da criação. A própria criação revela Deus, ou
seja, os “atributos invisíveis de Deus”, “seu eterno poder” e “sua própria
divindade”. Conclui aqui Ronaldo Lidório:
Portanto,
perante o homem caído, existente em sua própria injustiça, impiedoso e
perverso, Paulo não destaca soluções humanas, eclesiásticas ou mesmo sociais.
Ele nos apresenta Deus. Na teologia paulina, a solução para o homem não é o
homem, mas Deus e sua revelação.[5]
Os versos 21 a 23
apontam para uma realidade marcante acerca do ser humano em pecado. Ele
preferiu mudar a realidade da revelação natural que aponta para Deus e assim “não
o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças”. Trocaram a glória de Deus
pelos deuses de seus próprios corações, manipuláveis e dirigidos por si mesmos.
Tornaram-se “nulos em seus próprios raciocínios”. Esses versos nos revelam algo
muito importante a ser considerado. Apesar da revelação natural de Deus, eles
não o consideraram, por isso são condenados. Condenados não porque não conhecem
a Bíblia, ou por não glorificarem a Deus ou por não ouvirem o evangelho, “os
homens são condenados cada um por seu pecado”.[6]
Nos versos 24 a 32,
Paulo nos ensina que “tais homens”...“mudaram a verdade de Deus em mentira,
adorando e servindo a criatura em lugar do Criador”. De alguma o juízo de Deus
já se manifesta sobre os homens. Por três vezes Paulo usa o verbo “entregou” (paredoken – vv. 24, 26, 28) como sinal
de juízo, não por induzi-los ao pecado, mas retirando as restrições para
pecarem como desejam. Entregou-os “à imundícia” (v.24), “a paixões infames”
(v.26) e “a uma disposição mental reprovável” (v.28). “Essas pessoas já haviam abandonado
voluntariamente a Deus que apenas deixou-os à
própria auto-determinação e auto-destruição,
parte do preço da liberdade moral do homem”.[7]
Ao final da exposição do texto de Rm 1.18-27,
Ronaldo Lidório elenca alguns princípios de contextualização:
1. Há uma verdade universal e
supracultural: Deus é soberano e dono de toda glória. Esta verdade fundamenta a
proclamação do evangelho.
2. O pecado intencional (perversidade e
impiedade) nos separa de Deus. Não há como apresentar Deus que busca se relacionar
com o homem sem expor o pecado humano e seu estado de total carência de
salvação.
3. Somos seres culturalmente idólatras.
É comum ao homem caído gerar uma idéia de deus que satisfaça aos seus anseios
sem confrontá-lo com o pecado. Esta atitude é encontrada em toda a história
humana e não colabora para o encontro do homem com a verdade de Deus.
4. A mensagem pregada por Paulo é
contextualizada expondo Deus em relação à realidade da vida e queda humana.
Não é inculturada, pregando um Deus aceitável ou desejável, mas um Deus
verdadeiro. Se amenizarmos a mensagem do pecado contribuiremos para a
incompreensão do evangelho.[8]
1.2
Contextualização crítica
Os
missionários têm de lidar com algumas questões quando pessoas de outras
culturas se convertem. Por exemplo, o que fazer com os antigos costumes
culturais, filosóficos, existenciais e religiosos que diferem ou vão de
encontro aos ensinos de Deus?
Há
alguns modos de lidar com essas questões. Segundo Paul G. Hiebert pode-se lidar
de três formas: (1) negando o velho: rejeição da contextualização; (2)
aceitando o velho: contextualização acrítica; e (3) lidando com o velho:
contextualização crítica.
1.2.1 Rejeição da contextualização
Boa
parte da evangelização na era colonial era feita sem uma consideração séria do
contexto de seus ouvintes e convertidos. “Os primeiros missionários geralmente
tomavam as decisões e tinham a tendência de rejeitar a maioria dos velhos
costumes considerados ‘pagãos’”.[9] Rejeitava-se costumes tradicionais como músicas, instrumentos,
ornamentos, roupas, comidas, celebração matrimonial, rituais funerários, por
exemplo, por se tratar de velhos costumes das religiões tradicionais dos
nativos. Coisa inaceitável para os missionários e/ou pastores. Muito dessa
rejeição estava ligada não ao evangelho em si, mas à cultura dos missionários.
Em muitas culturas é difícil definir com clareza ou que é religioso, daquilo
que não é. Sabendo também que em algumas culturas tudo envolve coisas
espirituais, portanto, fruto de crenças religiosas, como no animismo.
Hiebert
enumera três problemas com a negação do velho:[10] (1) deixa um vazio cultural que precisava ser preenchido, que
normalmente é preenchido pelos costumes do missionário. Exemplo, tambores, címbalos
e outros instrumentos são substituídos por órgãos e pianos. (2) a negação por
parte dos missionários leva a fazê-los às escondidas. Conduz ao sincretismo
religioso. “Por exemplo, não é incomum que na África as pessoas realizem um
casamento cristão formal na igreja e depois vão até à aldeia para as
celebrações tradicionais”.[11] (3) A negação total das culturas locais transforma os missionários e
líderes em policiais e impedem que eles cresçam, impedindo-os de tomarem suas
próprias decisões. “Uma igreja só cresce espiritualmente se seus membros
aprendem a aplicar os ensinamentos do evangelho a suas próprias vidas”.[12]
1.2.2 Contextualização acrítica
Há uma
segunda resposta sobre o que fazer os velhos hábitos e costumes culturais dos
nativos: aceitar as velhas práticas sem nenhum tipo de análise crítica. “Os
velhos hábitos culturais são vistos como basicamente bons, e poucas ou nenhuma mudança
é considerada necessária quando as pessoas se tornam cristãs”.[13]
Problemas
sérios ocorreram quando o evangelho é pregado e nada é exigido de mudança na
vida das pessoas, das corporações e da sociedade em geral. Pois o evangelho
exige mudanças em todo o contexto que o ser humano esteja envolvido. Lidório
afirma que “historicamente, a ausência de uma teologia bíblica de
contextualização tem gerado duas
conseqüências desastrosas no movimento missionário mundial: o sincretismo
religioso e o nominalismo evangélico”.[14]
1.2.3 Contextualização crítica
Vimos que
a rejeição ou aceitação das práticas culturais sem um exame e aplicação crítica
é extremamente prejudicial ao cristianismo nativo. O que fazer, então, com os
velhos aspectos culturais? É preciso fazer uma contextualização crítica. Como
se dá isso?
1.2.3.1 Exegese da cultura
O
primeiro passo para a contextualização crítica é estudar a cultura local
fenomenologicamente. “Líderes da igreja local e o missionário devem conduzir a
congregação a uma reunião não-crítica
e analisar as crenças e costumes tradicionais relacionados a alguma questão”.[15] Todos devem analisar seus ritos tradicionais como casamento,
funerais, festas, dentre outros costumes, e depois discutir com eles o
significado de cada aspecto daquela antiga tradição. O propósito é entender,
sem criticar inicialmente, pois se o missionário assim o fizer, não falarão
sobre o assunto e o significado mais profundo deles.
1.2.3.2 Exegese da Escritura e a Ponte
Hermenêutica
O
segundo passo é conduzir a igreja a estudar a Escritura com relação à questão observada.
Os líderes da igreja analisam o significado, por exemplo, da morte na Bíblia e nas
tradições locais. “O líder deve ter também uma estrutura metacultural que o
capacita a traduzir a mensagem bíblica nas dimensões cognitiva, afetiva e
avaliativa de outra cultura”.[16] Deve haver também uma participação ativa da igreja no estudo do caso
em questão para que tenha capacidade de discernir por si mesma a verdade de
Deus.
1.2.3.3 Resposta crítica
O terceiro
passo é levar a igreja a avaliar criticamente à luz da Escritura seus próprios
costumes do passado e tomar decisões com respeito a essas práticas. Não é
suficiente que os líderes estejam convencidos das mudanças que são necessárias.
“Os líderes podem compartilhar suas convicções pessoais e apontar as conseqüências
de várias decisões, mas eles devem permitir o povo a tomar a decisão final na
avaliação de seus costumes do passado”.[17]
Carlos del Pino resume
esses três passos para uma contextualização crítica ao analisar Atos 13.36,
citado anteriormente:
Nossa
missão repousa sobre uma tarefa hermenêutica permanente muito ampla: estudar as
Escrituras encontrando nelas os propósitos redentores de Deus; estudar a
sociedade encontrando a alma da nossa geração e criar as devidas pontes para
que a mensagem de Deus seja proclamada e vivida de forma relevante e
transformadora dentro dessa geração.[18]
1.3. Conclusão
Quero concluir com
alguns desafios propostos por Whiteman com respeito a contextualização
missionária. Segundo ele, devemos nos livrar de nosso próprio etnocentrismo e
hegemonia eclesiástica, sendo humildes para ouvir e aprender das culturas
diferentes da dos missionários e pastores envolvidos na comunicação do
evangelho.
Whiteman aponta três
desafios para a contextualização na missão:
1.
A contextualização muda e transforma o contexto – este é o desafio profético.
2.
A contextualização expande nossa compreensão do evangelho porque nós agora
vemos o evangelho através de lentes culturais diferentes – este é o desafio hermenêutico.
3.
A contextualização muda os missionários porque eles não serão os mesmos uma vez
que eles se tornam parte do corpo de Cristo em um contexto diferente do deles –
este é o desafio pessoal.[19]
2.
MODELOS BÍBLICOS DE CONTEXTUALIZAÇÃO DA MENSAGEM
A questão básica para
que os seres humanos, criados à imagem de Deus, conheçam o propósito de salvador
de Deus, passa pela comunicação da mensagem das boas novas. Paulo diz
claramente: “... E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10.12). A Palavra
de Deus é cheia de exemplos de contextualização da mensagem para que a vontade
salvadora de seja conhecida e compreendida.
A própria comunicação acerca
de Deus é feita, muitas vezes, contextualizada nas palavras ao entendimento
humano dentro de seu contexto existencial.
Vamos tomar como
exemplos a experiência do apóstolo Paulo na comunicação do evangelho de Cristo
em quatro contextos distintos, os quais sejam: (1) Damasco (At 9.19-22), (2)
Antioquia da Pisídia (At 13.14-41), (3) Listra (At 14.14-17) e (4) Atenas (At 17.16-31).
2.1
Paulo em Damasco (At 9.19-22)
Logo após a conversão
de Paulo e de seu chamamento para ser apóstolo de Jesus, ele se associa com
outros convertidos de Damasco e começa a pregar na sinagoga da cidade, num
contexto essencialmente judeu. Os judeus já tinham conhecimento das Sagradas
Escrituras do Antigo Testamento e, por conseguinte, da promessa do Messias. No
tempo de Jesus era grande a expectativa da chegada do Cristo de Deus. Vários
são os textos que falam dessa expectativa por parte dos líderes judeus, como do
povo em geral (e.g. Mt 23.63; Lc 3.15; 22.67, Jo 1.41; 4.25).
A mensagem essencial
dirigida a judeus na sinagoga foi pregada afirmando que Jesus é “o Filho de
Deus” (v.20), “demonstrando que Jesus é o Cristo” (v.22). A verbo grego para
“demonstrando” (symbibazon) é muito
importante para o método de pregação de Paulo no contexto mais estreitamente
judaico. Lidório diz que “implica demonstração com evidências objetivas,
visíveis, o que nos dá a impressão de que
Paulo o fazia por meio do próprio texto sagrado, as Escrituras”.[20]
Robertson diz que “aqui
Saulo tomou os vários itens na vida de Jesus de Nazaré e encontrou neles a
prova que ele era na realidade ‘o Messias’ (o` Cristoj)”. Este
método de argumento Paulo continuou a usar com os judeus (At 17.3)”.[21]
Na versão em português ARA symbibazon é traduzida por “demonstrando”, mas a ARC traduz por “provando”,
assim como nas duas versões em inglês King
James Version (KJV) e New International
Version (NIV) “proving”. Paulo ao pregar o evangelho aos judeus buscava
provar pelas Escrituras que de fato Jesus era o Cristo. O pastor puritano do
século XVII Matthew Henry comentou o verso da seguinte forma: “... em todos os
discursos com os judeus, ele provava que esse Jesus era o Cristo, o Ungido de Deus, o verdadeiro Messias prometido aos
pais. Ele estava provando, symbibazon – afirmando
e confirmando, ensinando com persuasão”.[22]
2.2 Paulo em Antioquia da Pisídia (At 13.14-41)
O texto nos mostra
Paulo e alguns companheiros, “atravessando de Perge para a Antioquia da
Pisídia, indo num sábado à sinagoga” (v.14).
Na sinagoga os chefes perguntam se eles tinham “alguma palavra de
exortação ao povo” (v.15). Paulo aproveita a oportunidade para pregar a Jesus.
O contexto humano em termos de religião é essencialmente judeu, com alguns
simpatizantes e prosélitos gentios. Ele começa sua mensagem falando de um dos
eventos mais importantes para seus ouvintes que foi o êxodo. Faz um panorama
das história de Israel até Davi e faz a ponte do Messias predito por Davi apontado
para Jesus (vv.22-23). Assim Paulo parte do “Deus de Israel”, fundamentando-se
no Antigo Testamento para apresentar o Messias, porque sabia que havia ali
gentios que buscavam seguir o judaísmo bíblico.
“Porém sua pregação tem também forte teor
moral e escatológico, que a distingue da primeira em Atos 9, apenas para os
judeus, demonstrando sua sensibilidade para um auditório misto, mesmo que
prioritariamente judeu e judaizante”,[23]
diz Lidório. A fim de apresentar também aos gentios judaizantes a mensagem
salvadora de Deus, Paulo apresenta de forma inclusiva “um Messias judeu para
judeus e gentios”.[24]
2.3.
Paulo e Barnabé em Listra (At 14.14-17)
Ainda na sua primeira
viagem missionária Paulo e Barnabé passam pela cidade de Listra, na Licaônia,
parte da seção da província romana da Galácia. Bertil Ekström afirma que “a
cidade de Listra ficava numa região agrícola e, por muitos, considerada
atrasada. Seus habitantes falavam a língua licaônica e não o latim ou grego,
utilizadas pelos mais cultos no Império Romano. [...] ambiente de zona rural e
de idolatria”.[25]
A história da igreja
em Listra começa com a cura de aleijado paralítico de nascença (vv.8-10). As multidões
entenderam que os deuses Júpiter e Mercúrio (no original grego Zeus e Hermes[26])
haviam baixado até eles. Nesse frenesi o sacerdote de Júpiter e as multidões
preparam-se para oferecer sacrifícios a Paulo e Barnabé. Estes por sua vez,
indignados com aquilo, rasgam as suas vestes, comportamento judeu, mas com
certeza compreensível para o povo de Listra. Então passavam a pregar o
evangelho de forma contextualizada com o ambiente totalmente gentio e rural (At
14.15-17).
Diz Ekström:
A
pregação propriamente dita inicia-se com alguns termos chaves: anunciamos o
evangelho (evangelizomai), para que
destas coisas vãs (mataios – de matê – vão, ineficiente, inútil,
infrutífero, sem base, louco, tolo, 1Co 3.20; 1Co 15.17; Tt 3.9) vos convertais
(epistrefein – mudar de direção, dar
meia volta, significando mudar de caminho de vida, uma transformação completa)
ao Deus vivo. [27]
A abordagem da
mensagem nesse contexto gentio e rural começa apresentando Deus como Criador de
tudo, que “permitiu que os povos andassem nos seus próprios caminhos” (At
14.16). Contudo se manifestou por meio da natureza, especialmente da graça
comum, ao enviar para eles também “chuvas e estações frutíferas”, tendo como
conseqüência “fartura e alegria” (At 13.17).
Eerdman comenta:
Em
Listra Paulo dá um exemplo admirável da adaptação necessária da mensagem
missionária ao auditório, não alterando sua essência, mas o enfoque. Paulo se
dirige à entusiasmada multidão de pagãos. Não começa recorrendo à Escritura,
que seus ouvintes desconhecem por completo, mas fala-lhes de Deus cujo poder e
amor se manifestam nas obras da natureza e de sua providencia. Diante da
bondade de um Deus vivo e verdadeiro como esse, Paulo convida a seus ouvintes a
se arrependerem, e prepara o caminho para a mensagem acerca de Cristo, o
Salvador.[28]
Fazendo uma comparação
entre as abordagens entre judeus e gentios, Henry observa: “quando pregaram aos
judeus, que odiavam a idolatria, não tinham que fazer senão anunciar a graça de
Deus em Cristo. [...]. Mas, ao pregar aos gentios, tinham de corrigi-los dos
erros e equívocos da religião natural e tirá-los de suas deturpações grosseiras”.[29]
Devemos notar também que a exposição além de ser num contexto gentio, é rural
também, por isso “a terminologia é
campesina e facilita ao povo um reconhecimento da grandeza de Deus”.[30]
2.4
Paulo em Atenas (At 17.16-31)
A pregação do
evangelho na cidade de Atenas se dá de forma semelhante à de Listra, ou seja,
num contexto totalmente pagão, sem pontes com a religião judaica. No entanto, o
contexto cultural e religioso de Atenas exige uma mensagem mais elaborada para
atingir seus cidadãos. “Atenas é contexto urbano, cosmopolita e pluralista”,[31]
“o centro filosófico do mundo da época”.[32]
Embora Atenas tivesse uma sinagoga e Paulo pregou nela (At 17.17), ele também
pregava na praça (agora). Sendo
descoberto por filósofos estóicos e epicureus, estes o levaram para o areópago
(colina de Ares). O povo da cidade e residentes que vieram de outros lugares
possuíam o hábito de ouvir os verdadeiros filosóficos nesse lugar. Aproveitando
a curiosidade filosófica dos atenienses, Paulo começa sua mensagem
contextualizada elogiando sua acentuada religiosidade (At 17.22). Parece que
Paulo inicia seu discurso usando essas palavras no bom sentido para atrair a
sua atenção.
Matthew Henry comenta
que “o discurso registrado aqui é dirigido aos idólatras educados e cultos de
Atenas. Trata-se de um discurso admirável e, sob todos os aspectos, adequado ao
público-alvo e ao propósito que o apóstolo tinha em mente”.[33]
Novamente Henry percebe, mesmo sem usar o termo contextualização, que a
mensagem era adequada aos seus ouvintes.
Além da ponte da
religiosidade dos atenienses, Paulo ainda utiliza-se da ponte de uma divindade
adorada por eles sem saber quem era, o “Deus desconhecido”. A partir do Deus
desconhecido e da revelação natural – o universo criado - Paulo apresenta o Deus que ele conhecia muito
bem. Um exemplo clássico de contextualização da mensagem ocorreu quando o
apóstolo utilizou a palavra grega para Deus (Theós) como aquele “que fez o mundo e tudo que nele existe” (v.24),
assim como para o deus desconhecido.
Conforme analisa
Lidório, “ele utiliza o termo grego existente para deus, para lhes apresentar revelacionalmente
o Deus da Palavra, criador de todas as coisas. Faz, em sua mensagem, uma clara
distinção entre deus e Deus. O fim da mensagem é o mesmo: Jesus que morreu e
ressuscitou”.[34]
Num contexto judeu
Paulo fala do Cristo prometido aos filhos da promessa, o povo judeu, provando
ser Jesus o Cristo. No contexto ateniense estritamente gentio, e alheio às
promessas do Antigo Testamento, Paulo fala-lhes como filhos da criação. Pois
“possuíam tremenda atração pelas obras criadas e fascinação pela figura do
Criador”.[35]
Além de falar dos atributos do Deus vivo, Paulo finaliza apresentando a Jesus como
o centro do plano salvador de Deus para toda humanidade.
Há vantagens e
desvantagens da contextualização em qualquer contexto onde deve ser pregado o
evangelho. Em Listra num ambiente cultural menos intelectual, Paulo e Barnabé
quase foram adorados. Parece que a mensagem foi mais absorvida. Já em Atenas,
Paulo poderia ser entendido como pregador de mais um “deus” entre tantos que
eles adoravam. O único elemento radical da sua mensagem era a ressurreição,
coisa inaceitável para os ouvintes filósofos.
Devemos lembrar que
por natureza o homem tende a rejeitar o evangelho, e que não é assim tão fácil
apresentar a mensagem salvadora de forma contextualizada. Sempre haverá
rejeições. Em Listra foi dado por morto depois de apedrejado. Em Atenas foi
menosprezado e ridicularizado.
CONCLUSÃO
Como diz Lidório, “o
valor primário da contextualização do evangelho é a mensagem, a Palavra, e não
a técnica, a comunicação”.[36]
A contextualização não é um fim em si mesma, mas o meio, a ferramenta que pode
e deve ser usada para uma melhor compreensão e recepção do evangelho.
O conteúdo da
exposição do evangelho deve sempre incluir os três elementos básicos que
constituem o cerne da revelação especial de Deus: criação, queda e redenção. Lidório
afirma que
o
conteúdo do evangelho exposto em todo e qualquer lugar deve incluir: a) Deus
como Ser Criador e Soberano (Ef 1.3-6); b) o pecado como fonte de separação
entre o homem e Deus (Ef 2.5); c) Jesus, sua cruz e ressurreição como o plano histórico
e central de Deus para redenção do homem (Hb 1.1-4); d) o Espírito Santo como o
cumprimento da promessa e encarregado de conduzir a igreja até o dia final.[37]
Concluo dizendo que a
ferramenta da contextualização da mensagem à realidades dos receptores é de
suma importância. No entanto, a mensagem evangélica jamais deve ser diluída,
deve-se pregar todo o desígnio de Deus, começando dos elementos centrais mais
simples para os mais complexos. É preciso sensibilidade ao público alvo como
Paulo o fez nos quatro contextos diferentes de Damasco, Antioquia da Pisídia,
Listra e Atenas. O uso da fenomenologia cultural pode ser usado, como o “Deus
desconhecido” e a criação, desde que apresente claramente as boas novas. O alvo
final da comunicação da mensagem contextualizada é levar os homens o
conhecimento de Cristo, levando-os ao arrependimento e à conversão verdadeira e
ao estabelecimento de igrejas saudáveis e reprodutoras.
[1]
HESSELGRAVE, David. J. Comunicação
Transcultural do Evangelho. Vol. 1. Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo; Vida Nova, 1994, p.120.
[2]
WHITEMAN, Darrell L. Contextualization: The Theory, The Gap, The Challenge. In:
International bulletin of Missionary
Research. New Haven, (quarterly) January 1997, p.2. Minha tradução.
[3]
DEL PINO, Carlos. Caminhos Missionários da Igreja: estudos em Atos parte 1. In:
Revista Palavra Viva. São Paulo:
Cultura Cristã, s.d, p.45.
[4] REEDER III, Harry L. A
Revitalização da sua Igreja segundo Deus: para experimentar a ação visível
do poder do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 104. O foco do
autor é na revitalização de igrejas estabelecidas e que passam por estagnação
ou declínio, tendo como um dos principais sintomas de enfermidade, o
tradicionalismo morto, falta de fervor missionário e de contextualização.
[5] LIDÓRIO, Ronaldo. Plantando Igrejas: teologia bíblica, princípios e estratégias de
plantio de igrejas. São Paulo,
2007, p. 33.
[6] Ibid.
[7] ROBERTSON, A. T. Word Pictures of The New Testament. Disponível em: ttp://www.biblestudytools.com/
commentaries/robertsons-word-pictures/romans/romans-1-24.html. Acesso em: 03
nov. 2011. Minha Tradução.
[8]
LIDÓRIO, Op. Cit., p. 33-34.
[9]
HIEBERT, Paul G. O Evangelho e a
Diversidade das Culturas: um guia de antropologia missionária. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.184.
[10]
Ibid., p.184-185.
[11]
Ibid., p.185.
[12]
Ibid.
[13]
HIEBERT, O Evangelho e a Diversidade das
Culturas, p.185.
[14]
LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p. 25.
[15] HIEBERT, Paul G. Antropological Reflections on Missiological
Issues. Grand Rapids: Baker, 1994, p.88. Minha tradução.
[16] HIEBERT, Antropological Reflections on Missiological Issues. p.89.
[17]
Ibid.
[18]
DEL PINO, Caminhos Missionários da Igreja, p.46.
[19]
WHITEMAN, Contextualization, p.6.
[20]
LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p. 34.
[21] ROBERTSON. Word Pictures of The New Testament.
[22]
HENRY, Matthew. Atos a Apocalipse. In: Comentário
Bíblico do Novo Testamento. Rio de janeiro: CPAD, 2008, p.99.
[23]
LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p.35.
[24]
Ibid.
[25]
EKSTRÖM, Bertil. Modelos Bíblicos de Contextualização em Atos 14 e 17. In: Contextualização Missionária: desafios,
questões, diretrizes. Barbara Helen Burns (ed.). São Paulo: Vida Nova,
2011, p.37.
[26]
Júpiter e Mercúrio são as formas latinizadas dos deuses gregos Zeus e Hermes,
respectivamente.
[27]
EKSTRÖM. op. cit., p.39.
[28]
EERDMAN, Carlos R. Hechos de los Apóstoles.
Grand Rapids: T.E.L.L., 1974,
pp.133-134.
[29]
HENRY. Atos a Apocalipse, p.152.
[30]
EKSTRÖM. Modelos Bíblicos de Contextualização em Atos 14 e 17, p.41.
[31] Ibid., p.41.
[32]
LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p.35.
[33] HENRY. op. cit., p.191.
[34]LIDÓRIO, Plantando Igreja, p.35-36.
[35] Ibid., p.36.
[36] Idem. A Teologia Bíblica
da Contextualização. In: Contextualização
Missionária: desafios, questões, diretrizes. Barbara Helen Burns (ed.). São
Paulo: Vida Nova, 2011, p.30.
este texto me fez compreender a contextualização da Igreja Metodista em Angola. gostaria que se tivesses alguma informação sobre a igreja Metodista em Angola partilhasse comigo. abraços! que Deus te abençoe.
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