12 de novembro de 2011

A Relevância da Contextualização Missionária no Plantio de Igrejas


PDF

Robson Rosa Santana

INTRODUÇÃO
A contextualização missionária é um dos temas mais importantes a ser considerado no que se trata do cumprimento da missão da igreja de levar o evangelho a todos os povos e línguas. Até meados do século XX a igreja buscou desempenhar seu papel de agente do Reino neste mundo sem uma reflexão séria do que seja a missão. O primeiro aspecto a ser respondido foi o que é a missão em si. A resposta é que a igreja não tem missão própria. Quem é o autor da missão é Deus (missio Dei). Em síntese, o Pai escolhe os que seriam salvos, o Filho morre por eles especificamente e o Espírito Santo aplica a obra de Cristo nos escolhidos. O papel da igreja é comunicar o evangelho a todos de todos os lugares.
Quanto à questão da contextualização, o problema maior era como comunicar o evangelho a pessoas de outras culturas, sem levar no bojo a cultura do missionário. Por muito tempo levar o evangelho incluía levar também a cultura aparentemente mais desenvolvida dos países dos missionários, especialmente dos Estados Unidos e de países europeus como Inglaterra, Irlanda, Holanda, Alemanha, França, dentre outros.
Um dos problemas principais na comunicação do evangelho a outros povos e culturas está no conhecimento da língua dos nativos, e depois de diminuída a barreira lingüística e com o surgimento dos primeiros convertidos era tentar compreender a cultura local e propor as respostas que a Palavra de Deus tinha para os aspectos culturais que iam de encontro aos mandamentos de Deus.
Esse é um desafio perene da Igreja de Jesus nesse mundo. Jesus sempre é o exemplo maior de tudo que precisamos executar para cumprir a missão de levar as boas novas de salvação às pessoas. Na contextualização missionária o nosso Senhor Jesus nos ensina em primeiro lugar a sua experiência de auto esvaziamento para fazer a vontade do Pai. Jesus “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo” (Ef 2.7). Jesus não partiu do pressuposto do que Ele realmente era e é – Deus - mas se esvaziou, identificou-se com aqueles que ele queria comunicar a salvação de Deus. Ele se tornou gente como a gente. Encarnou a missão. Vestiu-se como o povo comum. Exemplo disso foi quando Judas levou aqueles que o prenderiam no Getsêmani, e para identificar foi preciso o sinal do beijo, porque nos aspectos exteriores ele era igual aos outros.
Quanto a outros exemplos bíblicos, que iremos expandir mais a frente, o apóstolo Paulo nos dá diretrizes claras acerca da contextualização no diversos ambientes culturais que ele comunicou o evangelho.

1. DEFINICÃO DE CONTEXTUALIZAÇÃO MISSIONÁRIA
Depois de fazer uma análise das raízes teológicas do significado de contextualização, citando o conceito de autores como Byang H. Kato, Bruce J. Nicholls , George W. Peters e Harvie Conn, David. J. Hesselgrave define o significado do termo na perspectiva missiológica cristã da seguinte forma:

... pode-se pensar na contextualização como a tentativa de comunicar a mensagem da pessoa, das obras, da palavra e da vontade de Deus de modo fiel à revelação de Deus, sobretudo como está apresentando nos ensinos das Escrituras Sagradas, e que é significativo aos receptores em suas culturas e contextos existenciais receptivos. A contextualização é tanto verbal quanto não-verbal e está ligada à teologização; à tradução, à interpretação e à aplicação da Bíblia; ao estilo de vida encarnacional; à evangelização; à instrução cristã; a criação e ao crescimento de igrejas; à organização da igreja; ao estilo de culto – na verdade a todas aquelas atividades relacionadas com a execução da Grande Comissão. [1]

Darrel L. Whiteman conceitua:

A contextualização tenta comunicar o Evangelho em palavras e ações e estabelecer a igreja de maneira que faça sentido para as pessoas dentro de seu contexto cultural local, apresentando o cristianismo de tal forma que atenda às necessidades mais profundas das pessoas e penetre sua visão de mundo, permitindo-os seguir Cristo e permanecer dentro de sua própria cultura.[2]

É um desafio contínuo da igreja de Cristo em todos os tempos e contextos culturais fazer essa ponte do contexto das Escrituras para o contexto dos seus ouvintes. Isso pode parecer evidente, mas não é o que sempre acontece. Normalmente os pastores e missionários se vêem envoltos em suas próprias culturas e mantendo tradições humanas de seus antepassados que não fazem parte da essência do evangelho de Cristo.
Podemos citar o exemplo contextualizado de Davi mencionado por Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia, quando disse: “Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção” (At 13.36, grifo meu). Davi serviu a Deus na sua própria geração. Como diz Carlos del Pino, “o próprio Davi não pode servir nem à geração de seus pais e avós, nem à geração de seus filhos e netos. Ele morreu e o que pode fazer o fez nos seus próprios dias ou, de forma mais ampla, o fez no contexto dos seus contemporâneos”.[3]
Muito do que foi pregado no passado foi o evangelho com a cultura do mensageiro. E se não se utilizar da contextualização continuará pregando da mesma forma. É preciso compreender o contexto dos ouvintes do evangelho, seja ele rural, urbano ou tribal, para que se faça a devida adaptação da mensagem. Frisa isso de modo magistral Harry L. Reeder III, quando afirma:

Muitos pastores estão plantando e liderando igrejas que seriam maravilhosas se vivêssemos em 1750. Porém, não estamos nessa época. A mensagem do evangelho e os objetivos ministeriais da igreja são sempre os mesmos. Todavia, o modo como comunicamos o evangelho e o modo como alcançamos nossos objetivos ministeriais têm de mudar para se encaixar na natureza de nosso tempo.[4]

1.1 Princípios bíblicos de contextualização tomados de Romanos 1.18-32
Nesse tópico, sobre pressupostos bíblicos para a contextualização, sou devedor à análise de Ronaldo Lidório do texto de Romanos 1.18-27 no livro Plantando Igrejas.
No verso 18, Paulo diz que Deus manifesta a sua ira dos céus contra a “impiedade” e “perversão” (ARA) ou “injustiça” (ARC). A impiedade significando o relacionamento quebrado com Deus e seus mandamentos, enquanto a perversidade ou injustiça, os relacionamentos quebrados com o seu próximo. Deus está irado com os seres humanos que quebram os dois maiores mandamentos das Escrituras Sagradas: amar a Deus e amar ao próximo. Enfim, o homem está corrompido pelo pecado.
Nos versos 19 e 20, Deus nos mostra que os homens são indesculpáveis, pois o que se pode conhecer de Deus foi manifestado por meio da criação. A própria criação revela Deus, ou seja, os “atributos invisíveis de Deus”, “seu eterno poder” e “sua própria divindade”. Conclui aqui Ronaldo Lidório:

Portanto, perante o homem caído, existente em sua própria injustiça, impiedoso e perverso, Paulo não destaca soluções humanas, eclesiásticas ou mesmo sociais. Ele nos apresenta Deus. Na teologia paulina, a solução para o homem não é o homem, mas Deus e sua revelação.[5]

Os versos 21 a 23 apontam para uma realidade marcante acerca do ser humano em pecado. Ele preferiu mudar a realidade da revelação natural que aponta para Deus e assim “não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças”. Trocaram a glória de Deus pelos deuses de seus próprios corações, manipuláveis e dirigidos por si mesmos. Tornaram-se “nulos em seus próprios raciocínios”. Esses versos nos revelam algo muito importante a ser considerado. Apesar da revelação natural de Deus, eles não o consideraram, por isso são condenados. Condenados não porque não conhecem a Bíblia, ou por não glorificarem a Deus ou por não ouvirem o evangelho, “os homens são condenados cada um por seu pecado”.[6]
Nos versos 24 a 32, Paulo nos ensina que “tais homens”...“mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador”. De alguma o juízo de Deus já se manifesta sobre os homens. Por três vezes Paulo usa o verbo “entregou” (paredoken – vv. 24, 26, 28) como sinal de juízo, não por induzi-los ao pecado, mas retirando as restrições para pecarem como desejam. Entregou-os “à imundícia” (v.24), “a paixões infames” (v.26) e “a uma disposição mental reprovável” (v.28). “Essas pessoas já haviam abandonado voluntariamente a Deus que apenas deixou-os à própria auto-determinação e auto-destruição, parte do preço da liberdade moral do homem”.[7]
Ao final da exposição do texto de Rm 1.18-27, Ronaldo Lidório elenca alguns princípios de contextualização:

1. Há uma verdade universal e supracultural: Deus é soberano e dono de toda glória. Esta verdade fundamenta a proclamação do evangelho.
2. O pecado intencional (perversidade e impiedade) nos separa de Deus. Não há como apresentar Deus que busca se relacionar com o homem sem expor o pecado humano e seu estado de total carência de salvação.
3. Somos seres culturalmente idólatras. É comum ao homem caído gerar uma idéia de deus que satisfaça aos seus anseios sem confrontá-lo com o pecado. Esta atitude é encontrada em toda a história humana e não colabora para o encontro do homem com a verdade de Deus.
4. A mensagem pregada por Paulo é contextualizada expondo Deus em rela­ção à realidade da vida e queda humana. Não é inculturada, pregando um Deus aceitável ou desejável, mas um Deus verdadeiro. Se amenizarmos a mensagem do pecado contribuiremos para a incompreensão do evangelho.[8]

1.2 Contextualização crítica
Os missionários têm de lidar com algumas questões quando pessoas de outras culturas se convertem. Por exemplo, o que fazer com os antigos costumes culturais, filosóficos, existenciais e religiosos que diferem ou vão de encontro aos ensinos de Deus?
Há alguns modos de lidar com essas questões. Segundo Paul G. Hiebert pode-se lidar de três formas: (1) negando o velho: rejeição da contextualização; (2) aceitando o velho: contextualização acrítica; e (3) lidando com o velho: contextualização crítica.

1.2.1 Rejeição da contextualização
Boa parte da evangelização na era colonial era feita sem uma consideração séria do contexto de seus ouvintes e convertidos. “Os primeiros missionários geralmente tomavam as decisões e tinham a tendência de rejeitar a maioria dos velhos costumes considerados ‘pagãos’”.[9] Rejeitava-se costumes tradicionais como músicas, instrumentos, ornamentos, roupas, comidas, celebração matrimonial, rituais funerários, por exemplo, por se tratar de velhos costumes das religiões tradicionais dos nativos. Coisa inaceitável para os missionários e/ou pastores. Muito dessa rejeição estava ligada não ao evangelho em si, mas à cultura dos missionários. Em muitas culturas é difícil definir com clareza ou que é religioso, daquilo que não é. Sabendo também que em algumas culturas tudo envolve coisas espirituais, portanto, fruto de crenças religiosas, como no animismo.
Hiebert enumera três problemas com a negação do velho:[10] (1) deixa um vazio cultural que precisava ser preenchido, que normalmente é preenchido pelos costumes do missionário. Exemplo, tambores, címbalos e outros instrumentos são substituídos por órgãos e pianos. (2) a negação por parte dos missionários leva a fazê-los às escondidas. Conduz ao sincretismo religioso. “Por exemplo, não é incomum que na África as pessoas realizem um casamento cristão formal na igreja e depois vão até à aldeia para as celebrações tradicionais”.[11] (3) A negação total das culturas locais transforma os missionários e líderes em policiais e impedem que eles cresçam, impedindo-os de tomarem suas próprias decisões. “Uma igreja só cresce espiritualmente se seus membros aprendem a aplicar os ensinamentos do evangelho a suas próprias vidas”.[12]

1.2.2 Contextualização acrítica
Há uma segunda resposta sobre o que fazer os velhos hábitos e costumes culturais dos nativos: aceitar as velhas práticas sem nenhum tipo de análise crítica. “Os velhos hábitos culturais são vistos como basicamente bons, e poucas ou nenhuma mudança é considerada necessária quando as pessoas se tornam cristãs”.[13]
Problemas sérios ocorreram quando o evangelho é pregado e nada é exigido de mudança na vida das pessoas, das corporações e da sociedade em geral. Pois o evangelho exige mudanças em todo o contexto que o ser humano esteja envolvido. Lidório afirma que “historicamente, a ausência de uma teologia bíblica de contextualização tem gerado  duas conseqüências desastrosas no movimento missionário mundial: o sincretismo religioso e o nominalismo evangélico”.[14]

1.2.3 Contextualização crítica
Vimos que a rejeição ou aceitação das práticas culturais sem um exame e aplicação crítica é extremamente prejudicial ao cristianismo nativo. O que fazer, então, com os velhos aspectos culturais? É preciso fazer uma contextualização crítica. Como se dá isso?

1.2.3.1 Exegese da cultura
O primeiro passo para a contextualização crítica é estudar a cultura local fenomenologicamente. “Líderes da igreja local e o missionário devem conduzir a congregação a uma reunião não-crítica e analisar as crenças e costumes tradicionais relacionados a alguma questão”.[15] Todos devem analisar seus ritos tradicionais como casamento, funerais, festas, dentre outros costumes, e depois discutir com eles o significado de cada aspecto daquela antiga tradição. O propósito é entender, sem criticar inicialmente, pois se o missionário assim o fizer, não falarão sobre o assunto e o significado mais profundo deles.

1.2.3.2 Exegese da Escritura e a Ponte Hermenêutica 
O segundo passo é conduzir a igreja a estudar a Escritura com relação à questão observada. Os líderes da igreja analisam o significado, por exemplo, da morte na Bíblia e nas tradições locais. “O líder deve ter também uma estrutura metacultural que o capacita a traduzir a mensagem bíblica nas dimensões cognitiva, afetiva e avaliativa de outra cultura”.[16] Deve haver também uma participação ativa da igreja no estudo do caso em questão para que tenha capacidade de discernir por si mesma a verdade de Deus.

1.2.3.3 Resposta crítica
O terceiro passo é levar a igreja a avaliar criticamente à luz da Escritura seus próprios costumes do passado e tomar decisões com respeito a essas práticas. Não é suficiente que os líderes estejam convencidos das mudanças que são necessárias. “Os líderes podem compartilhar suas convicções pessoais e apontar as conseqüências de várias decisões, mas eles devem permitir o povo a tomar a decisão final na avaliação de seus costumes do passado”.[17]
Carlos del Pino resume esses três passos para uma contextualização crítica ao analisar Atos 13.36, citado anteriormente:

Nossa missão repousa sobre uma tarefa hermenêutica permanente muito ampla: estudar as Escrituras encontrando nelas os propósitos redentores de Deus; estudar a sociedade encontrando a alma da nossa geração e criar as devidas pontes para que a mensagem de Deus seja proclamada e vivida de forma relevante e transformadora dentro dessa geração.[18]

1.3. Conclusão
Quero concluir com alguns desafios propostos por Whiteman com respeito a contextualização missionária. Segundo ele, devemos nos livrar de nosso próprio etnocentrismo e hegemonia eclesiástica, sendo humildes para ouvir e aprender das culturas diferentes da dos missionários e pastores envolvidos na comunicação do evangelho.
Whiteman aponta três desafios para a contextualização na missão:

1. A contextualização muda e transforma o contexto – este é o desafio profético.
2. A contextualização expande nossa compreensão do evangelho porque nós agora vemos o evangelho através de lentes culturais diferentes – este é o desafio hermenêutico.
3. A contextualização muda os missionários porque eles não serão os mesmos uma vez que eles se tornam parte do corpo de Cristo em um contexto diferente do deles – este é o desafio pessoal.[19]


2. MODELOS BÍBLICOS DE CONTEXTUALIZAÇÃO DA MENSAGEM
A questão básica para que os seres humanos, criados à imagem de Deus, conheçam o propósito de salvador de Deus, passa pela comunicação da mensagem das boas novas. Paulo diz claramente: “... E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10.12). A Palavra de Deus é cheia de exemplos de contextualização da mensagem para que a vontade salvadora de seja conhecida e compreendida.
A própria comunicação acerca de Deus é feita, muitas vezes, contextualizada nas palavras ao entendimento humano dentro de seu contexto existencial.
Vamos tomar como exemplos a experiência do apóstolo Paulo na comunicação do evangelho de Cristo em quatro contextos distintos, os quais sejam: (1) Damasco (At 9.19-22), (2) Antioquia da Pisídia (At 13.14-41), (3) Listra (At 14.14-17) e (4) Atenas (At 17.16-31).

2.1 Paulo em Damasco (At 9.19-22)
Logo após a conversão de Paulo e de seu chamamento para ser apóstolo de Jesus, ele se associa com outros convertidos de Damasco e começa a pregar na sinagoga da cidade, num contexto essencialmente judeu. Os judeus já tinham conhecimento das Sagradas Escrituras do Antigo Testamento e, por conseguinte, da promessa do Messias. No tempo de Jesus era grande a expectativa da chegada do Cristo de Deus. Vários são os textos que falam dessa expectativa por parte dos líderes judeus, como do povo em geral (e.g. Mt 23.63; Lc 3.15; 22.67, Jo 1.41; 4.25).
A mensagem essencial dirigida a judeus na sinagoga foi pregada afirmando que Jesus é “o Filho de Deus” (v.20), “demonstrando que Jesus é o Cristo” (v.22). A verbo grego para “demonstrando” (symbibazon) é muito importante para o método de pregação de Paulo no contexto mais estreitamente judaico. Lidório diz que “implica demonstração com evidências objetivas, visíveis, o que nos dá a impressão de que Paulo o fazia por meio do próprio texto sagrado, as Escrituras”.[20]
Robertson diz que “aqui Saulo tomou os vários itens na vida de Jesus de Nazaré e encontrou neles a prova que ele era na realidade ‘o Messias’ (o` Cristoj)”. Este método de argumento Paulo continuou a usar com os judeus (At 17.3)”.[21]
Na versão em português ARA symbibazon é traduzida por “demonstrando”, mas a ARC traduz por “provando”, assim como nas duas versões em inglês King James Version (KJV) e New International Version (NIV) “proving”. Paulo ao pregar o evangelho aos judeus buscava provar pelas Escrituras que de fato Jesus era o Cristo. O pastor puritano do século XVII Matthew Henry comentou o verso da seguinte forma: “... em todos os discursos com os judeus, ele provava que esse Jesus era o Cristo, o Ungido de Deus, o verdadeiro Messias prometido aos pais. Ele estava provando, symbibazon – afirmando e confirmando, ensinando com persuasão”.[22]

2.2 Paulo em Antioquia da Pisídia (At 13.14-41)
O texto nos mostra Paulo e alguns companheiros, “atravessando de Perge para a Antioquia da Pisídia, indo num sábado à sinagoga” (v.14).  Na sinagoga os chefes perguntam se eles tinham “alguma palavra de exortação ao povo” (v.15). Paulo aproveita a oportunidade para pregar a Jesus. O contexto humano em termos de religião é essencialmente judeu, com alguns simpatizantes e prosélitos gentios. Ele começa sua mensagem falando de um dos eventos mais importantes para seus ouvintes que foi o êxodo. Faz um panorama das história de Israel até Davi e faz a ponte do Messias predito por Davi apontado para Jesus (vv.22-23). Assim Paulo parte do “Deus de Israel”, fundamentando-se no Antigo Testamento para apresentar o Messias, porque sabia que havia ali gentios que buscavam seguir o judaísmo bíblico.
 “Porém sua pregação tem também forte teor moral e escatológico, que a distingue da primeira em Atos 9, apenas para os judeus, demonstrando sua sensibilidade para um auditório misto, mesmo que prioritariamente judeu e judaizante”,[23] diz Lidório. A fim de apresentar também aos gentios judaizantes a mensagem salvadora de Deus, Paulo apresenta de forma inclusiva “um Messias judeu para judeus e gentios”.[24]

2.3. Paulo e Barnabé em Listra (At 14.14-17)
Ainda na sua primeira viagem missionária Paulo e Barnabé passam pela cidade de Listra, na Licaônia, parte da seção da província romana da Galácia. Bertil Ekström afirma que “a cidade de Listra ficava numa região agrícola e, por muitos, considerada atrasada. Seus habitantes falavam a língua licaônica e não o latim ou grego, utilizadas pelos mais cultos no Império Romano. [...] ambiente de zona rural e de idolatria”.[25]
A história da igreja em Listra começa com a cura de aleijado paralítico de nascença (vv.8-10). As multidões entenderam que os deuses Júpiter e Mercúrio (no original grego Zeus e Hermes[26]) haviam baixado até eles. Nesse frenesi o sacerdote de Júpiter e as multidões preparam-se para oferecer sacrifícios a Paulo e Barnabé. Estes por sua vez, indignados com aquilo, rasgam as suas vestes, comportamento judeu, mas com certeza compreensível para o povo de Listra. Então passavam a pregar o evangelho de forma contextualizada com o ambiente totalmente gentio e rural (At 14.15-17).
Diz Ekström:

A pregação propriamente dita inicia-se com alguns termos chaves: anunciamos o evangelho (evangelizomai), para que destas coisas vãs (mataios – de matê – vão, ineficiente, inútil, infrutífero, sem base, louco, tolo, 1Co 3.20; 1Co 15.17; Tt 3.9) vos convertais (epistrefein – mudar de direção, dar meia volta, significando mudar de caminho de vida, uma transformação completa) ao Deus vivo. [27]

A abordagem da mensagem nesse contexto gentio e rural começa apresentando Deus como Criador de tudo, que “permitiu que os povos andassem nos seus próprios caminhos” (At 14.16). Contudo se manifestou por meio da natureza, especialmente da graça comum, ao enviar para eles também “chuvas e estações frutíferas”, tendo como conseqüência “fartura e alegria” (At 13.17).
Eerdman comenta:

Em Listra Paulo dá um exemplo admirável da adaptação necessária da mensagem missionária ao auditório, não alterando sua essência, mas o enfoque. Paulo se dirige à entusiasmada multidão de pagãos. Não começa recorrendo à Escritura, que seus ouvintes desconhecem por completo, mas fala-lhes de Deus cujo poder e amor se manifestam nas obras da natureza e de sua providencia. Diante da bondade de um Deus vivo e verdadeiro como esse, Paulo convida a seus ouvintes a se arrependerem, e prepara o caminho para a mensagem acerca de Cristo, o Salvador.[28]

Fazendo uma comparação entre as abordagens entre judeus e gentios, Henry observa: “quando pregaram aos judeus, que odiavam a idolatria, não tinham que fazer senão anunciar a graça de Deus em Cristo. [...]. Mas, ao pregar aos gentios, tinham de corrigi-los dos erros e equívocos da religião natural e tirá-los de suas deturpações grosseiras”.[29] Devemos notar também que a exposição além de ser num contexto gentio, é rural também,  por isso “a terminologia é campesina e facilita ao povo um reconhecimento da grandeza de Deus”.[30]

2.4 Paulo em Atenas (At 17.16-31)
A pregação do evangelho na cidade de Atenas se dá de forma semelhante à de Listra, ou seja, num contexto totalmente pagão, sem pontes com a religião judaica. No entanto, o contexto cultural e religioso de Atenas exige uma mensagem mais elaborada para atingir seus cidadãos. “Atenas é contexto urbano, cosmopolita e pluralista”,[31] “o centro filosófico do mundo da época”.[32] Embora Atenas tivesse uma sinagoga e Paulo pregou nela (At 17.17), ele também pregava na praça (agora). Sendo descoberto por filósofos estóicos e epicureus, estes o levaram para o areópago (colina de Ares). O povo da cidade e residentes que vieram de outros lugares possuíam o hábito de ouvir os verdadeiros filosóficos nesse lugar. Aproveitando a curiosidade filosófica dos atenienses, Paulo começa sua mensagem contextualizada elogiando sua acentuada religiosidade (At 17.22). Parece que Paulo inicia seu discurso usando essas palavras no bom sentido para atrair a sua atenção.
Matthew Henry comenta que “o discurso registrado aqui é dirigido aos idólatras educados e cultos de Atenas. Trata-se de um discurso admirável e, sob todos os aspectos, adequado ao público-alvo e ao propósito que o apóstolo tinha em mente”.[33] Novamente Henry percebe, mesmo sem usar o termo contextualização, que a mensagem era adequada  aos seus ouvintes.
Além da ponte da religiosidade dos atenienses, Paulo ainda utiliza-se da ponte de uma divindade adorada por eles sem saber quem era, o “Deus desconhecido”. A partir do Deus desconhecido e da revelação natural – o universo criado -  Paulo apresenta o Deus que ele conhecia muito bem. Um exemplo clássico de contextualização da mensagem ocorreu quando o apóstolo utilizou a palavra grega para Deus (Theós) como aquele “que fez o mundo e tudo que nele existe” (v.24), assim como para o deus desconhecido.
Conforme analisa Lidório, “ele utiliza o termo grego existente para deus, para lhes apresentar revelacionalmente o Deus da Palavra, criador de todas as coisas. Faz, em sua mensagem, uma clara distinção entre deus e Deus. O fim da mensagem é o mesmo: Jesus que morreu e ressuscitou”.[34]
Num contexto judeu Paulo fala do Cristo prometido aos filhos da promessa, o povo judeu, provando ser Jesus o Cristo. No contexto ateniense estritamente gentio, e alheio às promessas do Antigo Testamento, Paulo fala-lhes como filhos da criação. Pois “possuíam tremenda atração pelas obras criadas e fascinação pela figura do Criador”.[35] Além de falar dos atributos do Deus vivo, Paulo finaliza apresentando a Jesus como o centro do plano salvador de Deus para toda humanidade.
Há vantagens e desvantagens da contextualização em qualquer contexto onde deve ser pregado o evangelho. Em Listra num ambiente cultural menos intelectual, Paulo e Barnabé quase foram adorados. Parece que a mensagem foi mais absorvida. Já em Atenas, Paulo poderia ser entendido como pregador de mais um “deus” entre tantos que eles adoravam. O único elemento radical da sua mensagem era a ressurreição, coisa inaceitável para os ouvintes filósofos.
Devemos lembrar que por natureza o homem tende a rejeitar o evangelho, e que não é assim tão fácil apresentar a mensagem salvadora de forma contextualizada. Sempre haverá rejeições. Em Listra foi dado por morto depois de apedrejado. Em Atenas foi menosprezado e ridicularizado.

CONCLUSÃO
Como diz Lidório, “o valor primário da contextualização do evangelho é a mensagem, a Palavra, e não a técnica, a comunicação”.[36] A contextualização não é um fim em si mesma, mas o meio, a ferramenta que pode e deve ser usada para uma melhor compreensão e recepção do evangelho.
O conteúdo da exposição do evangelho deve sempre incluir os três elementos básicos que constituem o cerne da revelação especial de Deus: criação, queda e redenção. Lidório afirma que

o conteúdo do evangelho exposto em todo e qualquer lugar deve incluir: a) Deus como Ser Criador e Soberano (Ef 1.3-6); b) o pecado como fonte de separação entre o homem e Deus (Ef 2.5); c) Jesus, sua cruz e ressurreição como o plano histórico e central de Deus para redenção do homem (Hb 1.1-4); d) o Espírito Santo como o cumprimento da promessa e encarregado de conduzir a igreja até o dia final.[37]

Concluo dizendo que a ferramenta da contextualização da mensagem à realidades dos receptores é de suma importância. No entanto, a mensagem evangélica jamais deve ser diluída, deve-se pregar todo o desígnio de Deus, começando dos elementos centrais mais simples para os mais complexos. É preciso sensibilidade ao público alvo como Paulo o fez nos quatro contextos diferentes de Damasco, Antioquia da Pisídia, Listra e Atenas. O uso da fenomenologia cultural pode ser usado, como o “Deus desconhecido” e a criação, desde que apresente claramente as boas novas. O alvo final da comunicação da mensagem contextualizada é levar os homens o conhecimento de Cristo, levando-os ao arrependimento e à conversão verdadeira e ao estabelecimento de igrejas saudáveis e reprodutoras.



[1] HESSELGRAVE, David. J. Comunicação Transcultural do Evangelho. Vol. 1. Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo; Vida Nova, 1994, p.120.
[2] WHITEMAN, Darrell L. Contextualization: The Theory, The Gap, The Challenge. In: International bulletin of Missionary Research. New Haven, (quarterly) January 1997, p.2. Minha tradução.
[3] DEL PINO, Carlos. Caminhos Missionários da Igreja: estudos em Atos parte 1. In: Revista Palavra Viva. São Paulo: Cultura Cristã, s.d, p.45.
[4] REEDER III,  Harry L. A Revitalização da sua Igreja segundo Deus: para experimentar a ação visível do poder do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 104. O foco do autor é na revitalização de igrejas estabelecidas e que passam por estagnação ou declínio, tendo como um dos principais sintomas de enfermidade, o tradicionalismo morto, falta de fervor missionário e de contextualização.
[5] LIDÓRIO, Ronaldo. Plantando Igrejas: teologia bíblica, princípios e estratégias de plantio de igrejas. São Paulo, 2007, p. 33.
[6] Ibid.
[7] ROBERTSON, A. T. Word Pictures of The New Testament. Disponível em: ttp://www.biblestudytools.com/ commentaries/robertsons-word-pictures/romans/romans-1-24.html. Acesso em: 03 nov. 2011. Minha Tradução.
[8] LIDÓRIO, Op. Cit., p. 33-34.
[9] HIEBERT, Paul G. O Evangelho e a Diversidade das Culturas: um guia de antropologia missionária.  São Paulo: Vida Nova, 2008, p.184.
[10] Ibid., p.184-185.
[11] Ibid., p.185.
[12] Ibid.
[13] HIEBERT, O Evangelho e a Diversidade das Culturas, p.185.
[14] LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p. 25.
[15] HIEBERT, Paul G. Antropological Reflections on Missiological Issues. Grand Rapids: Baker, 1994, p.88. Minha tradução.
[16] HIEBERT, Antropological Reflections on Missiological Issues. p.89.
[17] Ibid.
[18] DEL PINO, Caminhos Missionários da Igreja, p.46.
[19] WHITEMAN, Contextualization, p.6.
[20] LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p. 34.
[21] ROBERTSON. Word Pictures of The New Testament.
[22] HENRY, Matthew. Atos a Apocalipse. In: Comentário Bíblico do Novo Testamento. Rio de janeiro: CPAD, 2008, p.99.
[23] LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p.35.
[24] Ibid.
[25] EKSTRÖM, Bertil. Modelos Bíblicos de Contextualização em Atos 14 e 17. In: Contextualização Missionária: desafios, questões, diretrizes. Barbara Helen Burns (ed.). São Paulo: Vida Nova, 2011, p.37.
[26] Júpiter e Mercúrio são as formas latinizadas dos deuses gregos Zeus e Hermes, respectivamente.
[27] EKSTRÖM. op. cit., p.39.
[28] EERDMAN, Carlos R. Hechos de los Apóstoles. Grand Rapids: T.E.L.L., 1974, pp.133-134.
[29] HENRY. Atos a Apocalipse, p.152.
[30] EKSTRÖM. Modelos Bíblicos de Contextualização em Atos 14 e 17, p.41.
[31] Ibid., p.41.
[32] LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p.35.
[33] HENRY. op. cit., p.191.
[34]LIDÓRIO, Plantando Igreja, p.35-36.
[35] Ibid., p.36.
[36] Idem. A Teologia Bíblica da Contextualização. In: Contextualização Missionária: desafios, questões, diretrizes. Barbara Helen Burns (ed.). São Paulo: Vida Nova, 2011, p.30.
[37] LIDÓRIO, Plantando Igrejas, p.39.

Um comentário:

  1. este texto me fez compreender a contextualização da Igreja Metodista em Angola. gostaria que se tivesses alguma informação sobre a igreja Metodista em Angola partilhasse comigo. abraços! que Deus te abençoe.

    ResponderExcluir

Você pode comentar aqui se quiser