12 de junho de 2013

MISSÃO TRANSFORMADORA - David J. Bosch: uma resenha

BOSCH, David J. Missão transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da missão. Tradução de Geraldo Korndörfer e Luís Marcos Sander. São Leopoldo/RS: Editora Sinodal, 2002. 690 p.

          David Bosch neste livro trabalha como a igreja durante sua história tem definido sua missão. É um livro denso, uma obra erudita voltada para líderes mais avançados teologicamente.
          Ainda na introdução, Bosch atenta que a tese principal do livro é que depois da Segunda Guerra Mundial a crise na missão cristã tem trazido uma mudança de paradigma. Trata da crise da missiologia apontada por missiólogos e executivos de missão e traz uma definição provisória em 13 proposições. Outras mudanças de paradigmas são tratadas no livro. Missão Transformadora é dividido em 3 partes, num total de 13 capítulos.
           A Parte 1 faz uma retrospectiva do conceito de missão no Antigo Testamento até a prática de Jesus e da Igreja Primitiva, centrando a missão na revelação de Jesus Cristo: nascimento, vida, morte e ressurreição (cap. 1). Ainda sobre as reflexões neotestamentárias aborda o testemunho de Mateus (cap. 2), Lucas-Atos (cap. 3) e Paulo (cap. 4). Pois segundo ele esses três autores bíblicos representam o pensamento e a prática missionários do século 1.
           Bosch afirma que Mateus escreveu a uma comunidade predominantemente judaica. E tinha como propósito maior que sua comunidade se envolvesse missionariamente com seu ambiente. E que a Igreja hoje não deve levar em conta apenas o famoso texto da Grande Comissão (Mt 28.18-20), mas o Evangelho em todo seu conjunto.
           Quanto à obra em dois volumes Lucas-Atos, afirma que Lucas tem sua importância por juntar a missão de Jesus e da igreja primitiva. Este capítulo finaliza com os 8 principais componentes do paradigma missionário de Lucas: (1) O papel do Espírito Santo; (2) A missão aos judeus e aos gentios; (3) o testemunho da igreja; (4) o arrependimento, perdão e salvação; (5) as seis dimensões da salvação; (6) a boa nova da paz em Cristo; (7) a eclesiologia; e (8) a questão da adversidade e sofrimento.
           Na análise sobre a importância de Paulo para a missão, Bosch distingue o Paulo das epístolas do Paulo de Atos, concentrando-se nas epístolas, especificamente em sete cartas (Rm; 1 e 2 Co; Gl; Fp; 1 Ts e Fl). De início ele destaca o apóstolo como o primeiro missionário e primeiro teólogo, sua conversão e vocação. Na sequência aborda as seguintes questões missionárias: sua estratégia, sua motivação, a missão e triunfo de Deus. Finaliza o capítulo trazendo-nos 6 declarações sobre o paradigma missionário paulino. Com Paulo Bosch finaliza o primeiro paradigma abordado por ele: o apocalíptico do cristianismo primitivo.
            A Parte 2, “Paradigmas históricos da missão”, considera como os cristãos em vários períodos da história interpretam e realizam a missão. Para isso Bosch adapta a divisão de Hans Kung da história do cristianismo em seis paradigmas principais: (1) primitivo (Novo Testamento); (2) Helenístico (Igreja Oriental); (3) Católico Romano Medieval; (4) Protestante; (5) Iluminista (ou sob a influência do Iluminismo); e (6) Emergente-Ecumênico (Parte 3). Nessa abordagem ele mostra como cada um desses representa uma mudança tanto no paradigma teológico quanto missiológico.
            O segundo paradigma missionário foi o da Igreja Oriental, no qual o cristianismo deixou de ser uma religião judaica para ser uma religião greco-romana. Sofreu uma grande influência de seu contexto religioso, pois teve de “lutar” contra a sinagoga e as religiões helenísticas, lidar com a influência filosófica da época, especialmente o platonismo, com a escatologia e compreensão da história e com o gnosticismo. Essas questões desenvolveram uma teologia e uma missiologia oriental transformando-se historicamente no paradigma patrístico e ortodoxo. Quanto a essa primeira mudança de paradigma, Orígenes pode ser descrito como seu principal responsável, pois “preparou o caminho para uma compreensão verdadeiramente inovadora entre a cultura da época e a autocompreensão cristã [...]. Reelaborou-se a tradição cristã desde a base, e o resultado final foi uma maneira de teologizar que fazia sentido para a mente grega” (p. 261).
           O terceiro paradigma (cap. 7) é o católico romano medieval (c. 600 a 1500). Isso não quer dizer que com o fim da idade média esse paradigma tenha finalizado. A ênfase jaz que a igreja católica era a igreja majoritária desse período, no qual se cristalizou a teologia e a práxis missionária católica com vestígios até os dias atuais. Tendo como seu principal paradigma missionário, segundo Bosch, Lucas 14.23: “e os obrigue a entrar”. Segundo Bosch, embora haja muitos aspectos negativos da missão nesse período, “lembremos que não nos teríamos havido melhor que eles” (p. 291). E finaliza esse capítulo afirmando que durante as três últimas décadas “a compreensão católica da missão sofreu uma mudança extremamente profunda” (p. 291).
           O capitulo 8 trata do paradigma missionário da Reforma Protestante. Ele identifica cinco traços que ajudam a perceber a missão em todos os ramos do protestantismo do século XVI. Sendo que pouco foi feito em termos de missões nos dois primeiros séculos do protestantismo. Ele critica que as igrejas herdeiras da reforma estavam mais preocupadas em definir a doutrina pura, tornando-se uma igreja sem missão, e com uma teologia influenciada pela escolástica. Após esse período, o autor aborda a influência do movimento pietista e puritano para a missão. Dada a diversidade dentro do protestantismo, Bosch diz que o paradigma da Reforma é ambivalente, apontando 5 abordagens diversas e até mesmo antagônicas desse período.
           A missão na esteira do iluminismo é o quinto paradigma. O autor trata do iluminismo nos aspectos que contribuem para compreensão e prática missionários dos últimos três séculos. Aponta 6 contornos desse paradigma e 9 motivos missionários. Finaliza com um perfil dos motivos missionários modernos. E apesar de toda crítica feita às práticas missionárias do período, “os cristãos ocidentais – em sua relação com pessoas de outras culturas – fizeram a única coisa que lhes parecia sensata – levaram-lhes o evangelho da forma como o empreendiam” (p. 415).
           Depois desse pano de fundo histórico-teológico-missiológico, Bosch parte Rumo a uma missiologia relevante (Parte 3). No capítulo 10, aborda a Emergência de um paradigma relevante. Descreve o fim da era moderna e faz as devidas contestações acerca dos aspectos negativos da influência do iluminismo, enfatizando a importância da “redescoberta da igreja como corpo de Cristo e da missão cristã como edificação de uma comunidade das pessoas que partilham um destino comum” (p. 435).
           No nosso período de transição para a pós-modernidade a missão passa por um período de avaliação e busca de definição (Cap. 10). Com o surgimento mais formal do estudo missiológico, especialmente depois de Willingen (1952), a análise da prática missionária sofreu duras críticas e se estabelece uma crise, propondo continuidade e mudança, tradição e transformação.
           O capítulo 12 Bosch não define o novo paradigma que surge, mas aponta os Elementos de um paradigma missionário ecumênico emergente. Discute as várias dimensões de missões expressas na era pós-moderna. Isso inclui a Missão como: Igreja-Com-os-Outros; Missio Dei; Serviço de Salvação; Busca da Justiça; Evangelização; Contextualização; Libertação; Inculturação; Testemunho Comum; Ministério do Povo de Deus; Testemunho entre os Crentes de outras religiões; Teologia; Ação na Esperança. No paragrafo final resume: “... precisamos definir nossa missão – com a devida humildade – como a participação na missio Dei. Testemunhando o evangelho da salvação presente e da esperança futura, identificando-nos, então, com as formidáveis dores que acompanham o nascimento da nova criação de Deus” (p. 608).
           No último capítulo afirma que a tese principal do livro é que a missão é um processo contínuo de pensar e agir na missão de Deus no mundo, a qual transforma a realidade ao mesmo tempo em que está se transformando (é a tensão criativa da palavra transforming – do título original em inglês - que pode ser traduzida por “transformadora” ou “em transformação”). Segundo Bosch, “A missão constitui um ministério multifacetado em termos de testemunho, serviço, justiça, cura, reconciliação, libertação, paz, evangelização, comunhão, implantação de igrejas, contextualização, etc.” (p. 610). Aponta para as faces da igreja-em-missão descritos no Novo Testamento: encarnação, cruz, ressurreição, ascensão, Pentecostes e parúsia. Finaliza o livro com uma pergunta: “para onde vai a missão?”. Onde reafirma a concretude do evento cristológico abordado anteriormente. A missão tendo como centro e protagonismo o próprio Deus trino. Em suas palavras, “a missão é, simplesmente, a participação das pessoas cristãs na missão libertadora de Jesus (Hering 1980:78), apostando em um futuro que a experiência verificável parece desmentir. Ela é a boa nova do amor de Deus, encarnado no testemunho de uma comunidade, em prol do mundo” (p. 619).
          O livro de David Bosch é considerado uma obra de referência erudita na área de missiologia. Leslie Newbigin chama o livro de um tipo de Summa Missiologica. É evidente que é um clássico na área das missões cristãs. Existe até um Guia do Leitor escrito por Stan Nussbaum (American Society of Missiology Series). É inegável o profundo conhecimento bíblico, teológico, filosófico e missiológico.  No entrelaçamento desses conhecimentos ele expõe sua compreensão do pensar e fazer missões desde Cristo até os dias atuais. No período de transição da modernidade para a pós-modernidade, ele expõe com grande fluência o pensamento de teólogos das mais diversas percepções, bem como dos grandes encontros missionários ecumênicos, evangelicais e católicos.
           Há duas dificuldades no livro. A primeira é a perspectiva bem ecumênica, que para mim é difícil conciliar, quando se trata em pé de igualdade os católicos, quanto outros ramos protestantes como os liberais. A segunda é seu conceito de revelação. De certa forma sintetizando o paradigma neotestamentário, Bosch afirma: “sustentei, nos capítulos precedentes, que nem mesmo os livros bíblicos que são examinados são, como tais, registros da revelação divina; eles constituem interpretações dessa revelação. É uma ilusão acreditar que podemos chegar a um evangelho puro, não afetado por quaisquer acréscimos culturais ou outros. Inclusive na mais antiga tradição de Jesus, os ditos de Jesus já eram afirmações sobre Jesus” (p. 228). Dentro do aspecto revelacional, parece que faz uma crítica à inerrância bíblica na nota final 14 do capítulo 9.
 
Robson Rosa Santana
Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil

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