INTRODUÇÃO
Freqüentemente a
Igreja Protestante é acusada pelos católicos romanos de haver retirado da
Bíblia Sagrada alguns livros e partes de outros. E muitas vezes os cristãos
evangélicos ficam sem saber o que responder por falta de instrução acerca do
assunto. Será que esses livros foram retirados da Bíblia pelos protestantes ou foram
acrescentados como livros inspirados, mesmo que de reconhecimento tardio
(deuterocanônicos) pelos católicos romanos, após a Reforma Protestante? Na
verdade os livros apócrifos foram disputados durante séculos acerca de sua
inspiração divina. À época da Reforma Protestante ainda permanecia a discussão:
fazem parte ou não da coleção dos livros inspirados pelo Espírito Santo, também
chamada de Sagradas Escrituras? Os protestantes reconheceram pelo seu conteúdo
e pela própria formação do Cânon Hebraico que esses livros não eram de
inspiração divina. Por algum tempo eles foram colocados ao final das Bíblias de
edição protestante como um apêndice, tendo apenas valor histórico. Por fim,
foram totalmente retirados para que não houvesse nenhuma confusão a respeito
dos livros verdadeiramente inspirados.
O texto que se
segue é uma compilação de materiais. A primeira parte é extraída do livro Sola
Scriptura: a Doutrina Reformada das Escrituras, de autoria de Paulo
Anglada, Editora Os Puritanos. No capítulo 3 desse livro, o autor trata do Cânon
das Escrituras, e como a discussão dos livros não inspirados é uma questão
no Antigo Testamento, pois os livros apócrifos estão nessa parte da Bíblia
Católica, transcrevi as duas divisões que nos interessam no momento: O Cânon
Protestante do Antigo Testamento e O Cânon Católico do Antigo Testamento.
A segunda parte é um resumo dos livros apócrifos, extraído do artigo de G.
R. Beasley-Murray, Os Livros Apócrifos e Apocalípticos, do Novo
Comentário da Bíblia. A última parte, por sua vez, é uma
avaliação crítica da incompatibilidade das doutrinas ensinadas nesses livros em
relação aos livros inspirados, ou seja, os 39 livros do Antigo Testamento e 27 do
Novo Testamento.
1. O CANON DAS ESCRITURAS
1.1. O Cânon[1] Protestante do Antigo Testamento
Origem
O
cânon protestante do Antigo Testamento é exatamente igual ao cânon hebraico
massorético. O cânon massorético é a Bíblia hebraica em sua forma definitiva,
vocalizada e acentuada pelos massoretas. A ordem dos livros, entretanto, segue a
da Vulgata e da Septuaginta.
Os Massoretas
Os
massoretas eram judeus estudiosos que se dedicavam à tarefa de guardar a
tradição oral (massora) da vocalização e acentuação correta do texto. À
medida que um sistema de vocalização foi sendo desenvolvido, entre 500 e 950
d.C., o texto consonantal[2]
que receberam dos soferim[3]
foi sendo por eles cuidadosamente vocalizado e acentuado. Além dos pontos
vocálicos e dos acentos, os massoretas acrescentavam também ao texto massoras
marginais, maiores e finais, calculadas pelos soferim. Essas massoras
(tradições) eram estatísticas colocadas ao lado das linhas, ao fim das páginas
e ao final dos livros, indicando quantas vezes uma determinada palavra aparecia
no livro, o numero de versículos, palavras e letras. Elas indicavam até a
palavra e letra central do livro.
O Cânon Massorético
Embora
o conteúdo do cânon protestante seja o mesmo do cânon hebraico, a divisão e a
ordem dos livros são diferentes. Eis a divisão e a ordem do cânon hebraico:
O Pentateuco (Torá): Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números, Deuteronômio.
Os
Profetas (Neviim):
Anteriores: Josué,
Juízes, 1-2 Samuel, 1-2 Reis.
Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Profetas Menores.
Os
Escritos (Kêtuvim):
Poesia e Sabedoria:
Salmos, Provérbios e Jó.
Rolos ou Megilloth
(lidos nos anos litúrgicos): Cantares (na páscoa), Rute
(no pentecostes), Lamentações (no quinto mês), Eclesiastes (na festa dos
tabernáculos) e Éster (na festa de purim).
Históricos:
Daniel, Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas.
O Cânon Consonantal
A
divisão e ordem dos livros no cânon hebraico consonantal (anterior) eram as
mesmas. O número de livros, entretanto, era diferente. O conteúdo era o mesmo,
mas agrupado de modo a formar apenas 24 livros. Os livros de 1 e 2 Samuel, 1 e
2 Reis e 1 e 2 Crônicas eram unidos, formando apenas um livro cada (o que
implica em 3 livros a menos em relação ao nosso cânon). Os doze profetas
menores eram agrupados em um só livro (menos 11 livros). Esdras e Neemias
formavam um só livro, o Livro de Esdras (menos 1 livro).[4]
Testemunhas Antigas do Cânon Protestante Hebraico
A
referência mais antiga ao cânon hebraico é do historiador judeu Josefo (37-95
d.C.). Em Contra Apionem ele escreve: “Não temos dezenas de milhares de
livros, em desarmonia e conflitos, mas só vinte e dois, contendo o registro de
toda a história, os quais, conforme se crê, com justiça, são divinos”.[5]
Depois de referir-se aos cinco livros de Moisés, aos treze livros dos profetas,
e aos demais escritos (os quais “incluem hinos a Deus e conselhos pelos quais
os homens podem pautar suas vidas”), ele continua afirmando:
Desde
Artaxexes (sucessor de Xerxes) até nossos dias, tudo tem sido registrado, mas
não tem sido considerado digno de tanto crédito quanto aquilo que precedeu a
esta época, visto que a sucessão dos profetas cessou. Mas a fé que depositamos
em nossos próprios escritos é percebida através de nossa conduta; pois, apesar
de ter-se passado tanto tempo, ninguém jamais ousou acrescentar coisa alguma a
eles, nem tirar deles coisa alguma, nem alterar neles qualquer coisa que seja.[6]
Josefo é
suficientemente claro. Como historiador judeu, ele é fonte fidedigna. Era
apenas vinte e dois os livros do cânon hebraico agrupados nas três divisões do
cânon massorético. E desde a época de Malaquias (Artaxerxes, 464-424 a.C.) até
a sua época nada se lhe havia sido acrescentado. Outros livros foram escritos,
mas não eram considerados canônicos, com a autoridade divina dos vinte e dois
livros mencionados.
Além
de Josefo, Mileto, Bispo de Sardes, diz ter viajado para o Oriente, em 170, com
o propósito de investigar a ordem e o número dos livros do Antigo Testamento;
Orígenes, o erudito do Egito, que morreu em 254; Tertuliano (160-250), pai
latino contemporâneo de Orígenes; e Jerônimo (340-420), entre outros, confirmam
o cânon hebraico de vinte e dois e vinte e quatro livros (dependendo do
agrupamento ou não de Rute e Lamentações).
É
interessante observar que o próprio Jerônimo, tradutor da Vulgata latina, que
daria origem ao cânon católico, embora considerasse os livros apócrifos úteis
para a edificação, não os tinha como canônicos. Embora tendo traduzido outros
livros não canônicos, ele escreveu que “deveriam ser colocados entre os
apócrifos”, afirmando que “não fazem parte do cânon”. Referindo-se ao livro de
Sabedoria de Salomão e ao livro de Eclesiástico, ele diz: “Da mesma maneira
pela qual a igreja lê Judite e Tobias e Macabeus (no culto público), mas não os
recebe entre as Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois livros
úteis para a edificação do povo, mas não para receber as doutrinas da igreja”.[7]
Vale
salientar ainda que a versão siríaca Peshita, que bem pode ter sido
feita no século II ou III, ou até mesmo no século I, nos manuscritos mais
antigos, não contém nenhum dos apócrifos.
O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos
Embora as
evidencias já mencionadas sejam importantes, a principal testemunha do cânon
protestante do Antigo Testamento é o Novo Testamento. Jesus e os apóstolos não
questionaram o cânon hebraico da época (época de Josefo, convém lembrar). Eles
citaram-no cerca de 600 vezes, de modo autoritaritativos, incluindo
praticamente todos os livros do cânon hebraico. Entretanto, não citam nenhuma
vez os livros apócrifos.[8]
Pode-se concluir, portanto, que Jesus e os apóstolos deram o imprimatur
deles ao cânon hebraico e, conseqüentemente, ao cânon protestante.
1.2 O Cânon Católico do Antigo Testamento
Origem
O
cânon católico, composto pelos trinta e nove livros encontrados no cânon
protestante, acrescido das adições a Daniel e Éster, e dos livros de Baruque,
Carta de Jeremias, 1-2 Macabeus, Judite, Tobias, Eclesiástico e Sabedoria – 3 e
4 Esdras e a Oração de Manasses[9]
são acrescentadas depois do NT [Novo Testamento] –
origina-se da Vulgata latina, que por sua vez provém da Septuaginta.
A Septuaginta
A
Septuaginta [LXX] é uma tradução dos livros judaicos para o grego feita,
possivelmente, durante o reinado de Ptolomeu Filadelfo (285-245 a.C.) ou até
meados do século I a.C., para a biblioteca de Alexandria, no Egito. Os
tradutores não se limitaram a traduzir os livros considerados canônicos pelos
judeus. Eles traduziram os demais livros judaicos disponíveis. E, a julgar
pelos manuscritos existentes, deram um arranjo tópico à biblioteca judaica, na
seguinte ordem:
Livros
da Lei: Gênesis, Êxodo, Levitico, Números e
Deuteronômio.
Livros
de História: Josué,
Juízes, Rute, 1-2 Samuel, 1-2 Reis (chamados 1-2-3-4 Reinados), 1-2
Crônicas, 1-2 Esdras (o primeiro apócrifo), Neemias, Tobias, Judite
e Éster.
Livros
de Poesia e Sabedoria: Jó,
Salmos, Provérbios, Eclesiástes, Cantares, Sabedoria de Salomão, Sabedoria
de Siraque (ou Eclesiástico).
Livros
Proféticos: Profetas Menores [12 livros: de Oséias a
Malaquias], Profetas Maiores: Isaías, Jeremias, Baruque, Lamentações, Epístola
de Jeremias, Ezequiel, e Daniel (incluindo as histórias de Susana, Bel e
o Dragão e o cântico dos Três Varões).
Alguns desses livros foram escritos posteriormente, em
grego, possivelmente por judeus alexandrinos, e foram incluídos na biblioteca
judaica de Alexandria, tais como Primeiro e Segundo Esdras, adições a Éster,
Sabedoria, a Epístola de Jeremias. Nem
sempre todos estes livros estão presentes nos manuscritos antigos da
Septuaginta. O Códice Vaticano (B) omite Primeiro e
Segundo Macabeus (canônicos para a Igreja Católica) e inclui Primeiro Esdras
(não canônicos para a Igreja Católica). O Códice Sinaítico (a)
omite Baruque (canônico para Roma), mas inclui o quarto
livro dos Macabeus (não canônico para Roma). O Códice Alexandrino (A) inclui
o Primeiro Livro de Esdras e o Terceiro e Quarto Livros dos Macabeus (apócrifos
para Roma).
O que se pode concluir daí é que, quando a Septuaginta
era copiada, alguns livros não canônicos para os judeus eram também copiados.
Isso poderia ter ocorrido por ignorância quanto aos livros verdadeiramente canônicos.
Pessoas não afeiçoadas ao judaísmo ou mesmo desinteressadas em distinguir
livros canônicos dos não canônicos tinham por igual valor todos os livros,
fossem eles originalmente recebidos sagrados pelos judeus ou não. Mesmo aqueles
que não tinham os demais livros judaicos como canônicos certamente também
copiavam estes livros, não por considerá-los sagrados, mas apenas para serem
lidos. Por que não copiar livros tão antigos e interessantes?
Mesmo pessoas bem intencionadas podem ter sido levadas
a rejeitar alguns livros canônicos, ou aceitar como canônicos alguns que não
fossem, por ignorância ou má interpretação da historia do cânon. Convém lembrar
que, embora o testemunho do Espírito Santo seja a principal regra de
canonicidade por parte da igreja como um todo, mesmo assim, o crente ainda tem
uma natureza pecaminosa que não o livra totalmente de incidir em erro,
inclusive quanto ao assunto da canonicidade. Isto acontece especialmente em
épocas de transição, como foi o caso de Agostinho[10]
que defendeu os livros apócrifos, embora de modo dúbio, e depois o de Lutero, o
qual colocou em dúvida a canonicidade da carta de Tiago.
A Vulgata
Ao
traduzir a Vulgata[11],
Jerônimo também inclui alguns livros apócrifos. Não o fez, contudo, por
considerá-los canônicos, mas apenas por considerá-los úteis, como fontes de
informação sobre a história do povo judeu.
Na
Idade Média a versão francamente usada pela igreja foi a Vulgata latina. A partir dela e da Septuaginta também forma
feitas outras traduções. Ora, multiplicando-se o erro, e afastando-se cada vez
mais a igreja da verdade (como aconteceu crescentemente nesse período),
tornou-se mais e mais difícil distinguir entre os livros que deveriam ser
considerados canônicos ou não. Esses livros nunca foram completamente aceitos,
mesmo nessa época. Mas, por estarem incluídos nessas versões, a igreja em época
de trevas, geralmente falando, não teve discernimento espiritual para
distinguir entre livros apócrifos e canônicos.
Por
fim, no Concílio de Trento, em 1546, também em reação contra os protestantes,
que reconheceram apenas o cânon hebraico, a igreja de Roma declarou os livros
apócrifos relacionados acima, bem como autoritativas as tradições orais: “O
Sínodo... recebe e venera todos os livros, tanto do Antigo como do Novo Testamento...
assim como as tradições orais”. A seguir são relacionados todos os livros
considerados canônicos, incluindo os apócrifos. Concluindo o decreto adverte:
Se
qualquer pessoa não aceitar como sagrado e canônico os livros mencionados em
todas as suas partes, de modo como eles têm sido lidos nas igrejas católicas, e
como se encontram na antiga Vulgata latina, e deliberadamente rejeitar as
tradições antes mencionadas, seja anátema. [12]
A
igreja grega seguiu mais ou menos os passos da igreja ocidental. Houve sempre
dúvida na aceitação dos apócrifos, mas, no Concílio de Trulano, em 692, foram
todos aceitos (quatorze). Ainda assim, como sempre houve reservas quanto à
plena aceitação de muito deles, a igreja grega, em 1672, acabou reduzindo para
quatro o número dos apócrifos aceitos: Sabedoria, Eclesiástico, Tobias e Judite.[13]
Conclusão
Por
ironia da História, a Vulgata de Jerônimo, o qual não considerava canônicos os
livros apócrifos,[14]
veio a ser a principal responsável pela inclusão destes livros no cânon
católico.
A
obra dos reformadores foi maior do que se pode pensar à primeira vista. Eles
não apenas redescobriram as doutrinas básicas do evangelho, como a doutrina da
salvação pela graça mediante a fé. Eles redescobriram também o cânon. Graças a
eles e ao testemunho do Espírito Santo, a igreja protestante reconhece como
canônicos, com relação ao Antigo Testamento (é claro), os mesmos livros que
Jesus e os apóstolos, e os judeus de um modo geral sempre reconheceram.
Alguns dos apócrifos são realmente
úteis como fontes de informações a respeito de uma época importante na história
do povo de Deus: o período inter-testamentário. Os protestantes reconhecem o
valor histórico deles. Seguindo a
prática dos primeiros cristãos, as edições modernas protestantes da Septuaginta
normalmente incluem os apócrifos, e até algumas Bíblias protestantes antigas os
incluíam, no final, apenas como livros históricos.
Mas
as igrejas reformadas[15]
excluíram totalmente os apócrifos das suas edições da Bíblia, e, “induziram a Sociedade
Bíblica Britânica e Estrangeira, sob pressão do puritanismo escocês, a
declarar que não editaria Bíblias que tivessem os apócrifos, e de não colaborar
com outras sociedades que incluíssem esses livros em suas edições”.[16]
Melhor assim, tendo em vista o que aconteceu com a Vulgata! Melhor editá-los
separadamente.
2. CONTEÚDO RESUMIDO DOS LIVROS APÓCRIFOS[17]
O
livro 1 [3] de Esdras é uma narração fragmentária dos acontecimentos
lembrados no livro canônico de Esdras, juntamente com a história dos três
cortesãos, um dos quais se chama Zorobabel e que teve papel preponderante na
festa de Dario.
O
livro 2 [4] de Esdras não passa dum apocalipse do primeiro século da era
cristã, de certo modo o mais trágico de todos os apocalipses.
Tobias
é uma história romântica que nos fala da sepultura dos mortos e do casamento de
Tobias. Foi escrito provavelmente nos fins do século III a. C.
Judite
é outra obra de ficção a propósito da libertação duma cidade do exército
assírio. Não vai além da época dos macabeus (cerca de 150 a.C.).
O
descanso de Ester é um apêndice ao livro canônico, e inclui orações e
decretos, que vêm tornar mais explícito o caráter religioso do livro.
A
sabedoria de Salomão é considerado um dos livros mais representativos e
mais sublimes da sabedoria hebraica, do período que decorre entre os dois
Testamentos, pois supõe-se escrito entre 150 a.C. e o ano 40 da nossa era.
O
Eclesiástico, também chamado "Sabedoria de Jesus, filho de
Siraque", é uma obra do gênero da anterior, embora se julgue ser da
autoria dum saduceu e publicada cerca do ano 180 a.C.
Baruque
forma um livro só com A Epístola de Jeremias,
datando o primeiro do século III a.C. e o segundo do século II a.C. Ambos se
destinam a combater a heresia.
Apêndices
ao livro de Daniel conhecem-se três: A história de
Susana condenada à morte e defendida pelo jovem Daniel; A oração de Azarias e o
Cântico dos três santos mancebos lançados à fornalha ardente; e por fim Bel e o
Dragão, duas narrativas separadas contando como Daniel desacreditou os
sacerdotes de Bel e desmascarou o deus-dragão.
A oração de
Manassés é um grito de arrependimento proferido pelo rei que tem este nome
e baseado em #2Cr 23.12 e segs., escrito provavelmente no século II a.C.
O
livro 1 Macabeus narra a luta dos judeus, chefiados pelos filhos de
Matatias, contra Antíoco Epífanes e seus sucessores. Há quem suponha que o
autor é contemporâneo dos acontecimentos que relata.
O
2 Macabeus continua o anterior e expõe, num estilo primoroso, as
façanhas de Judas Macabeu.
3. ANÁLISE CRÍTICO-DOUTRINÁRIA DOS LIVROS APÓCRIFOS[18]
3.1. Salvação Pelas Obras
Em Tobias 4.7 –11
é dito: “Toma de teus bens para dar esmola. Nunca afastes de algum pobre
a tua face, e Deus não afastará de ti a sua face… pois a esmola livra da morte
e impede que se caia nas trevas. Dom valioso é a esmola, para quantos a
praticam na presença do altíssimo”. 12.8 e 9 “Boa coisa é a oração com o jejum,
e melhor é a esmola com a justiça do que a riqueza com a iniquidade… a esmola
livra da morte e purifica de todo o pecado. Os que dão esmola terão longa
vida…”
Essas duas
passagens comprometem muito esse livro, pois não se trata apenas de uma
referência do pensamento do velho Tobias, o que nele está é uma expressão de
forma normativa, de uma doutrina contrária às Escrituras Sagradas, apresentada
como ensinada pôr um anjo. (ver Gal. 1.8).
As Escrituras
afirmam mediante as palavras de Jesus que por meio do próprio homem a salvação
é impossível (Mateus 19.25, 26); que o amor de Deus demonstrado em seu filho
Jesus Cristo é a solução divina para quem nele crê (João 3.16); e em outras
passagens como I Timóteo 2.5; Atos 4.12; João 14.6; Efésios 2.8, 9,;Atos 11.13,
14; 10.1-5.
3.2. Elogio ao Suicídio
Em II Macabeus
14.41-46 vemos o relato da história de um homem chamado Razias, um ancião de
Jerusalém, acusado diante de Nicanor e seu exército em um momento de grande
aperto: “As tropas estavam para se apoderar da torre e forçavam a porta do
pátio, e já se dera a ordem para trazer fogo para se incendiarem as portas
quando Razias, cercado de todos os lados, atirou-se sobre a própria espada…
contudo, não tendo acertado com o golpe, por causa da pressa do combate…correu
ele animosamente para a muralha e, com intrepidez viril, precipitou-se em cima
da muralha… ainda respirando e ardendo em indignação, ele ergueu-se… arrancou
as entranhas e, tomando-as com as duas mãos, arremessou-as contra a multidão.
Invocando, ao mesmo tempo, aquele que é o senhor da vida e do espírito, para
que lhos restituísse um dia, desse modo passou para outra vida”.
Pelo teor da narrativa
se vê a expressão fictícia, o afã de exaltar um personagem heróico. O autor da
mesma e em todo o seu livro, quis contar a história da bravura com que seus
compatriotas lutaram e até morreram, e para salvaguardar a responsabilidade de
seu biografado Razias, chega a declarar que sua atitude suicida é uma maneira
de morrer nobremente. Essa afirmação choca brutalmente com toda a Escritura.
Passagem como Êxodo 20.13 que afirma mediante lei divina o “não matarás” e
outras como I Crônicas 10.1-14; Atos 1.15-20.
Além do mais, o
tal Razias é apresentado como alguém que teve resistência um tanto quanto
sobre-humana, pois se ferir, cair de certa altura, depois correr no meio do
povo e ainda tirar com as próprias mãos as suas entranhas e as atirar ao povo,
exige forças além das que são conhecidas e experimentadas pelo homem.
3.3. Feitiçaria
Em
Tobias 6.4,5, 7,8 vemos o conselho do anjo ao jovem Tobias quando na beira do
rio Tigre quase foi atacado por um grande peixe: “ … e o anjo lhe disse: agarra
o peixe e segura-o firme! Tobias dominou o peixe e o arrastou para a terra. E o
anjo acrescentou : abre o peixe, tira o fel, o coração e o fígado e guarda-os;
joga fora os intestinos, pois o fel, o coração e o fígado são remédios úteis…
então Tobias perguntou ao anjo: Azarias, meu irmão, que remédio há no coração,
no fígado e no fel do peixe? Respondeu
ele: Se se queima o coração ou o fígado do peixe diante de um homem ou de uma
mulher atormentados por um demônio ou por um espírito mau a fumaça afugenta
todo mau e o faz desaparecer para sempre”.
Este
romance está de todo envolto em mistérios e exageros, onde o peixe é arrastado
para fora d’água de modo aparentemente heróico e quanto ao uso de suas partes
para fins de combate a espíritos, tem conotação de certas práticas de
feitiçaria ou baixo espiritismo. Nas Escrituras não se vê tais ensinos ou
superstições, antes ela declara que entre o povo de Deus não deve haver
feitiçaria, pois a mesma é abominação (Deuteronômio 18.10), sendo que os que a
praticam como não tendo parte no reino dos céus (Ap. 21.8). Tal livro de Tobias
é fruto de uma mentalidade babilônica e pagã que possuíam essas práticas para
com os supostos espíritos.(ver Marcos 9.29).
3.4. Intercessão pelos Mortos
Em
II Macabeus 12.39-46 vemos o comportamento de Judas Macabeus por ocasião da
perda de alguns soldados e a consideração do próprio autor do livro: “No dia
seguinte… partiram os homens de Judas para recolherem os corpos dos que haviam
tombado, a fim de inumá-los junto com os seus parentes nos túmulos de seus
pais. Então encontraram, debaixo das túnicas de um dos mortos, objetos
consagrados aos ídolos de Jâmnia, cujo o uso a lei vedava aos judeus. Tornou-se
assim evidente, para todos, que foi por esse motivo que eles sucumbiram. Todos,
pois, tendo o bendito modo de proceder do senhor… puseram-se em oração para
pedir que o pecado cometido fosse completamente cancelado…”
Tal
afirmação entra em profunda contradição com o ensino das Escrituras sagradas
com respeito aos que morrem. Passagens como Mateus 25. 31-46; Hebreus 9. 27;
Lucas 16.19-31; I Timóteo 2.5-6; Atos 4.12; I João 2.2; João 14.6; I Pedro
1.18-19.
3.5. Ausência de Inspiração Divina
Estas
são as próprias palavras do autor de II Macabeus ao concluir a sua obra: “… se
o fiz bem, de maneira conveniente a uma composição escrita, era justamente isso
que eu queria; se vulgarmente e de modo medíocre, é isso o que me foi possível.
De fato, como é nocivo beber somente vinho, ou somente água, ao passo que o
vinho misturado à água é agradável e causa um prazer delicioso, assim
(trabalho) da preparação do relato encanta os ouvidos daqueles que entram em
contato com a composição. Aqui, porém, será o fim”.
Assim
declara o autor, reconhecendo a possibilidade de falhas e contradição com os
próprios fatos que pôr ele próprio são narrados. E se desculpa caso tenha
cometido algum engano. Isso nunca pode ser narrativa bíblica, pois Jesus disse
que as Escrituras nunca podem falhar Jo.
10.35. Ver também II Pe.1.19-21; II Tm 3.16; Lc. 1.3; I
Co. 14.34; II Co. 13.3; Jo. 42.2.
Como
vimos, todos estes livros entram em contradição com toda a Escritura,
inseri-los no cânon sagrado seria pôr em descrédito toda a Escritura. Portanto,
é inadmissível aceitarmos tais erros teológicos e doutrinários no Cânon
Sagrado.
3.6. O Pecado
“Foi
muito discutida a origem do pecado, tendo sido apresentadas várias soluções, em
especial no que se refere ao grande desastre do Éden. Em alguns casos a culpa é
atribuída a Eva (Eclesiástico 25.24), em outros a Adão (2Ed 7.118), ainda
noutros ao Demônio (Sabedoria 2.24), e finalmente aos Anjos Maus (1 Enoque
10.7-8). Por outro lado, o autor de 2 Baruque não concorda com a atribuição da
culpa aos nossos antepassados: "Embora Adão fosse o primeiro a pecar, por
ele a morte se transmitisse a todos os seus descendentes, cada um de nós
preparou no seu íntimo tal acontecimento... Adão é, pois, apenas o responsável
pelo seu pecado, enquanto cada um de nós responde pelo seu, por sermos cada um
o seu Adão em espírito" (2 Baruque 54.15 e 19).
“Quanto
à expiação por esse pecado, recorre-se aos sacrifícios, tal como no Velho
Testamento. Mas não se dispensam as obras: "Aquele que honra o pai fará
sacrifícios pelos pecados" (Eclesiástico 3.3); "A esmola livra da
morte e purifica do pecado" (Tobias 12.9). É contra estas teorias que
Paulo se insurge veementemente.
“Recorre-se,
ainda, aos méritos dos santos (2Ed 8.28-29), e o martírio dos confessores fiéis
pode vir a expiar os pecados (4Mc 6.28-29)”.[19]
Os
textos que se seguem nos mostram claramente que todos os seres humanos sofrem
as conseqüências do pecado de Adão (Rm 5.14; 1Co 15.22). Como diz Davi,
"eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe" (Sl
51.4). Apesar de todas as coisas acontecerem de acordo com o decreto eterno de
Deus, quem pecou foi Adão. Como diz o teólogo reformado Louis Berkhof, “esse
pecado trouxe consigo corrupção permanente, corrupção que, dada a solidariedade
da raça humana, teria efeito, não somente sobre Adão , mas também sobre todos
os seus descendentes”. Mais à frente ele continua: “Adão pecou não somente como
o pai da raça humana, mas também como chefe representativo de todos os seus
descendentes; e, portanto, a culpa do seu pecado é posta na conta deles, pelo
que todos são passíveis de punição e morte”[20]
(leia Rm 5.12, 18-19). Desse modo, em Adão todos nós nascemos corrompidos pelo
pecado e culpados diante de Deus, merecedores de punição e morte.
E
quanto à expiação dos pecados, o que as Escrituras inspiradas nos ensinam? Nem
as obras, nem os méritos dos santos, nem os mártires confessores podem nos
purificar da malignidade de nosso pecado, mas a graça de Deus por intermédio da
fé no sacrifício único de Jesus Cristo (Rm 3.19-26; 6.23; Ef 2.8-9).
Sabemos
que existem os ensinos fundamentados nos livros Apócrifos (como a doutrina do
purgatório), mas esses ensinos distorcidos e incompatíveis com o que dizem os
livros realmente inspirados, são suficientes para reprová-los nos testes de
autoridade e inspiração. Por isso é preciso que se diga que esses livros e
acréscimos não devem fazer parte do cânon sagrado.
CONCLUSÃO
“Conhecereis a verdade e a verdade
vos libertarás”, disse Jesus (João 8.32). Os testemunhos históricos nos dão
provas claras de que foi um equívoco muito grande esses textos apócrifos serem
inseridos no conjunto dos livros sagrados. Como diz o dito popular, o pior
cego é o que não quer ver. Jerônimo, tradutor da versão autorizada pela
Igreja Católica Romana, a Vulgata, ele próprio desconsiderou os livros
apócrifos, como já foi dito.
Além do testemunho histórico desde o
início em que foram incluídos esses livros, quando da tradução dos livros dos
judeus para o grego, a fim de que fizesse parte da Biblioteca de Alexandria,
passando pelo historiador Flávio Josefo, que afirmou que os judeus não tinham
esses livros no cânon hebraico, bem como pelos pais da Igreja, todos são
categóricos em afirmar quais os livros verdadeiramente são inspirados, e os que
citamos como apócrifos, ou seja, os que estão na tradução das Bíblias
católicas, não são canônicos; logo, não devem fazer parte do texto sagrado, a
Palavra de Deus. O livro de Apocalipse finaliza com uma advertência muito grave
e séria: “Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro,
testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os
flagelos escritos neste livro” (Ap 22.18). Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!
BIBLIOGRAFIA
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura: a
Doutrina Reformada das Escrituras. 1 ed., São Paulo: Editora Os Puritanos,
1998.
BEASLEY-MURRAY, G. R. Os Livros Apócrifos e Apocalípticos. In:
Novo Comentário da Bíblia, 2 ed., São Paulo: Vida Nova: 1980 [CD-Rom].
CARDOSO, Luiz Ancelmo, MAGALHÃES, Nelson
dos Santos. Os Livros Apócrifos. Goiânia: SPBC, 2000 (trabalho não
publicado).
NOTAS
[1] A palavra cânon é mera
transliteração do termo grego kanwn, que significa vara reta, régua,
regra. Aplicado às Escrituras, o termo designa os livros que se conformam à
regra da inspiração e autoridade divinas. Atanásio (séc. IV) parece ter sido o
primeiro a usar a palavra neste sentido. São chamados canônicos, portanto, os
livros que foram inspirados por Deus, os quais compõem as Escrituras Sagradas –
o cânon bíblico (Anglada. Sola Scriptura, p. 33-34).
[2] O nome é texto consonantal porque
no alfabeto hebraico não havia vogais, logo, os massoretas adicionaram às palavras
que só tinham consoantes os sinais vocálicos para facilitar a pronuncia.
[3] Ordem dos escribas que originou-se
com Esdras, e que se estendeu até 200 d.C., cuja função era preservar puro o
texto bíblico.
[4] 24 livros da Bíblia hebraica, mais
15 que foram agrupados, chega aos 39 livros do cânon protestante.
[5] Ele menciona 22, ao invés de 24,
porque com certeza, originalmente, Rute era agrupado com Juízes e Lamentações
com Jeremias.
[6] Capítulo primeiro.
[7] Gleason L. Archer Jr, Merece
Confiança o Antigo Testamento?, 76.
[8] Com exceção de Enoque 1:9, aludido
em Judas 14-16; contudo, não citado autoritativamente, e sim como qualquer
outro autor; assim como Paulo cita Arato em Atos 17.28 e Menander em 1
Coríntios 15.33.
[9] Todos os itálicos são ênfase minha.
[10] Bispo de Hipona (354-430), norte da
África, chamado pelos católicos de Santo Agostinho.
[11] Vulgata (em latim vulgar editio,
"edição popular"), edição da Bíblia latina qualificada de autêntica
pelo Concílio de Trento. A atual composição da Vulgata é, em essência, obra de
Jerônimo (345-419), doutor da Igreja Católica.
[12]
R. L. Harris, Inspiration and Canonicity of the Bible [Inspiraçao e
Canonicidade da Bíblia], 192.
[13] Gleason L. Archer Jr, Merece
Confiança o Antigo Testamento?, 80.
[14] Jerônimo foi o primeiro a usar o
termo apócrifo.
[15] Igrejas calvinistas, como a Igreja
Presbiteriana do Brasil.
[16] A. Buntzer, Introdução ao Antigo
Testamento, 49.
[17] Este conteúdo resumido foi extraído
do artigo de G. R. Beasley-Murray, Os Livros Apócrifos e Apocalípticos. In: Novo
Comentário da Bíblia, 2 ed., São Paulo: Vida Nova: 1980 [CD-Rom].
[18] A partir daqui até o tópico 3.5 é parte
de um trabalho apresentado pelos então seminaristas Luiz Ancelmo Cardoso e
Nelson dos Santos Magalhães, no Seminário Presbiteriano Brasil Central (GO).
[19]
G. R. Beasley-Murray. Os Livros Apócrifos e Apocalípticos.
In: Novo Comentário da Bíblia, 2 ed., São Paulo: Vida Nova: 1980
[CD-Rom].
[20] Louis Berkhof. Teologia
Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990. p. 222.
Alessandro Lima é professor universitário na área de Engenharia em Brasília. Desde 1999 dedica-se ao estudo do Cristianismo dos primeiros séculos, estudo pelo qual foi levado a deixar o protestantismo e ingressar na Igreja Católica no final de 2000.
ResponderExcluirAcaba de publicar um livro sobre a história do cânon bíblico, chegando a demonstrar que não foi o Concílio de Trento que acrescentou sete livros à Bíblia, mas foi Martinho Lutero quem os retirou da Bíblia. Nas páginas subseqüentes exporemos o conteúdo da obra de A. Lima em seus traços principais, dada a importância da temática.
1. Nomenclatura
A palavra cânon vem do grego kanón = régua, que por extensão passou a significar catálogo.
Na linguagem católica há livros protocanônicos (catalogados em primeira instância), que os protestantes chamam simplesmente “canônicos”.
Há livros deuterocanônicos (catalogados em segunda instância, depois de discutidos), que os protestantes têm como “apócrifos”. São sete: Tobias, Judite, Eclesiástico, Baruque, Sabedoria, 1/2 Macabeus, além de fragmentos de Daniel e Ester.
Há outrossim livros apócrifos, que os protestantes designam como pseud-epígrafos (=falsamente intitulados): Evangelhos de Tomé, de Pedro, de Nicodemos...
2. Os critérios de inspiração bíblica
A S. Escritura não define o seu catálogo, de modo que é preciso consultar outras instâncias para poder afirmar que tal ou tal livro é inspirado por Deus. – E quais seriam essas instâncias?
1) Há quem diga que “O Espírito Santo afirma claramente que a Bíblia é inspirada por Deus”. Esta é uma noção muito subjetiva, que qualquer personagem pode professar a respeito do Alcorão, dos Vedas...
2) A inspiração divina pode ser averiguada pela inspiração que a Bíblia causa no crente. Com outras palavras: o livro é inspirado porque inspira. – Ora são muitos os livros que inspiram, e, por vezes, mais do que alguns livros bíblicos; ver a propósito as narrativas de guerra de Josué.
3) A sublimidade de estilo do livro o comprovaria como inspirado. – A propósito observamos que muitos livros bíblicos foram redigidos em estilo pouco elegante; tenha-se em vista o Apocalipse, que emprega construções gregas correspondentes a “nós vai”, “eu lhe digo: Toma teus papéis”.
4) O autor do livro e seu nome garantem a inspiração. – Ora há vários livros cujo respectivo autor é ignorado; ver Hb.
Ainda que um livro trouxesse o rótulo: “inspirado por Deus”, não se lhe poderia dar crédito, pois é muito fácil dizer isto sem prova ulterior.
Por conseguinte o critério de inspiração e canonicidade há de ser depreendido de algo de fora da Bíblia, ou seja, da tradição oral, que é anterior à escrita e a acompanha sempre, através do Magistério da Igreja.
3. Dois catálogos do Antigo Testamento
ResponderExcluirDeve-se notar que os judeus tinham dois catálogos de sua literatura sagrada:
- o de Jâmnia, cidade do Sul da Palestina, onde os rabinos se reuniram por volta do ano 90 para delimitar seu catálogo e evitar que os escritos cristãos se aglutinassem aos do Antigo Testamento. Tais critérios eram fortemente sugeridos pelo nacionalismo de Israel, que desde 587 a.C, estava sob o jugo estrangeiro; assim estipularam que todo livro sagrado deveria ter sido escrito em hebraico (não em aramaico nem em grego); e somente na terra de Israel poderia ter sido inspirado (não no Egito nem na Babilônia). Por força destes critérios não foram reconhecidos os sete livros ditos “deuterocanônicos”;
- o catálogo de Alexandria, onde havia uma famosa colônia judaica, que falava uma língua estrangeira (grego) e vivia em terra estrangeira. Os judeus tanto assimilaram o linguajar local que foram traduzindo a Bíblia do hebraico para o grego entre 250 e 100 a.C. Essa tradução é também dita “dos Setenta” por causa de uma lenda, que afirmava ser ela obra de setenta e dois homens, que, encerrados em cubículos independentes uns dos outros, traduziram as páginas sagradas do mesmo modo. Essa tradução grega contém os sete livros deuterocanônicos e alguns outros livros tidos como sagrados. Eis, porém, que os Apóstolos e evangelistas, escrevendo em grego, citaram o Antigo Testamento na versão dos LXX; é o que se depreende os seguintes exemplos:
Em Mt 1,23, o evangelista usa o vocábulo “virgem” (parthénos) do texto grego em vez de “jovem” (almah em hebraico).
Em At 7,14s Estêvão diz que Jacó levou para o Egito 75 descendentes (LXX) em vez de dizer 70 como se lê no texto hebraico. Cf. Gn 46,26s.
Em At 7,43 Estêvão cita um deus pagão como Renfan (LXX) em lugar do nome hebraico “Quijum”.
Estes dados demonstram que a tradução dos LXX não era utilizada somente pelos judeus de Alexandria, mas também pelos da Palestina. Em conseqüência deste amplo uso dos LXX as gerações cristãs foram propensas a aceitar não somente o texto dos LXX, mas também seu catálogo mais amplo. Isso suscitou hesitações entre cristãos dos três primeiros séculos, mas finalmente a dúvida foi superada pelo reconhecimento dos deuterocanônicos em 393 por parte do Concílio Regional de Hipona, que emitiu um decreto sobre o assunto adotando o cânon amplo, como se lê a seguir:
“Devemos agora tratar das Escrituras Divinas. Vejamos o que a Igreja Católica universalmente aceita e o que deve ser evitado: Começa a ordem do Antigo Testamento: um livro da Gênese, um do Êxodo, um do Levítico, um dos Números, um do Deuteronômio, um de Josué (filho de Num), um dos Juízes, um de Rute, quatro livros dos Reis, dois dos Paralipômenos, um livro de 150 salmos, três livros de Salomão (um dos provérbios, um do Eclesiastes, e um do Cântico dos Cânticos). Ainda um livro da Sabedoria e um do Eclesiástico. A ordem dos Profetas: um livro de Isaías, um de Jeremias com Cinoth (isto é, as suas lamentações), um livro de Ezequiel, um de Daniel, um de Oséias, um de Amós, um de Miquéias, um de Joel, um de Abdias, um de Jonas, um de Naum, um de Habacuc, um de Sofonias, um de Ageu, um de Zacarias e um de Malaquias. A ordem dos livros históricos: um de Jó, um de Tobias, dois de Esdras, um de Ester, um de Judite e dois dos Macabeus. A ordem das escrituras do Novo Testamento, que a Santa Igreja Católica Romana aceita e venera são: quatro livros dos Evangelhos (um segundo Mateus, um segundo Marcos, um segundo Lucas e um segundo João). Ainda um livro dos Atos dos Apóstolos. As 14 epístolas de Paulo Apóstolo: uma aos Romanos, duas aos Coríntios, uma aos Efésios, duas ao Tessalonissenses, uma aos Gálatas, uma aos Filipenses, uma aos Colossenses, duas a Timóteo, uma a Tito, uma a Filemon e uma aos Hebreus. Ainda um livro do Apocalipse de João. Ainda sete epístolas canônicas: duas do Apóstolo Pedro, uma do Apóstolo Tiago, uma de João Apóstolo, duas de outro João (presbítero) e uma de Judas Apóstolo (o zelota)”.
ResponderExcluirÉ de notar que tal cânon não assumiu todos os livros contidos no cânon dos LXX: Odes de Salomão, 3/4 Esdras, 3/4 Macabeus... o que só se explica pela ação do Espírito Santo guiando sua Igreja. Aliás foi o Espírito prometido por Jesus à Igreja quem orientou os trâmites para se chegar ao cânon autêntico.
A definição de Hipona foi confirmada por concílios regionais posteriores no Ocidente. Quanto ao Oriente, o Concílio de Trulos (692) repetiu a definição dos concílios anteriores, ficando assim o cânon amplo usual em toda a Igreja. Houve, sem dúvida, vozes destoantes, como a de São Jerônimo. Eis que foi para Belém estudar hebraico com os rabinos e lá assumiu o cânon de Jâmnia, mas mesmo assim traduziu para o latim os deuterocanônicos. Na Idade Média Hugo de São Vítor (1141) também abraçou o cânon restrito. Eram vozes isoladas, que não prevaleceram sobre o pensamento comum da Igreja.
No século XV, em 1454 a primeira Bíblia impressa por Joseph Gutenberg continha os deuterocanônicos, 50 anos antes da Reforma protestante.
Objeções protestantes
ResponderExcluirOs protestantes procuram justificar sua posição, acusando os livros deuterocanônicos de ensinar heresias; assim, por exemplo:
1) a remissão dos pecados mediante a esmola e Tb 4,10; 12,9; Eclo 3,33. Essa prática, dizem nega a eficácia redentora do sacrifício de Cristo.
A propósito observamos: o sacrifício de Cristo é posterior a tais práticas caritativas. O livro dos Provérbios (10,12) propõe a mesma tese; seria, por isto, necessário eliminá-lo do cânon?
O Novo Testamento ensina a mesma doutrina; ver Mc 9,41; Lc 11,41. Jesus confirma o valor das esmolas juntamente com outras formas de caridade. Ver Mt 6,2: “Quando deres esmola, não faças como os hipócritas...” Cf. 1Pd 4,8; At 10,31.
2) a vingança e o ódio dos inimigos em Eclo 12,6 e Jt 9,4, contradizendo Mt 5,44-48 (“orai por vossos inimigos”). – A respeito vale a pena lembrar que o Eclo pertence ao Antigo Testamento, onde estava em vigor a lei do talião, apresentada em Ex 21,24; Lv 24,20; 19,19-21.
3) a prática do suicídio em 2Mc 14,41. – A propósito vem o caso de Sansão que se suicida; vêm ainda Jz 9,54; 16,28s; 1Sm 31,4s; 2Sm 16,23. Deveriam tais passagens ou tais livros ser eliminados do cânon por causa do crime que narram?
4) ensino de artes mágicas em Tb 6,8s. – A respeito observamos em Tb 8,3 que não é Tobias quem expulsa o demônio, mas é o anjo Rafael. Havia interesse em ocultar a Tobias ação do anjo. Mais: em Jo 9,6, Jesus cura o cego usando saliva. Em Tg 5,14 há a instrução referente ao uso do óleo para aliviar os enfermos. Seriam práticas mágicas? Não. São primícias dos sacramentos.
5) Prática da mentira em Jt 11,13-17 e Tb 5,15; 19. – Ora, no Antigo Testamento lê-se que Abraão mandou sua esposa Sara mentir, dizendo ela que era irmã dele; cf. Gn 20,21. Mais: Jacó, auxiliado por sua mãe, mente ao pai cego dizendo-lhe que era Esaú, o filho mais velho; cf. Gn 27,19. Jacó também enganou o sogro; conforme Gn 31,20. Será que por causa de tais casos, o livro do Gênesis deveria ser retirado do cânon?
Quanto a Judite, ela agiu durante uma guerra e disse inverdade ao chefe do acampamento oposto, das quais este devia desconfiar, tendo-a como provável espiã; Holofernes, porém, deixou-se fascinar pelos artifícios utilizados pela mulher estrangeira. A culpa foi dele, que acabou degolado.
6) Erros históricos cronológicos. O gênero literário dito “midrache” era muito usual entre os judeus; comporta certas imprecisões historiográficas a fim de mais realçar o significado teológico do evento relatado. Ocorre também nos livros protocanônicos; tenha-se em vista, por exemplo, Mt 1,1-17, texto em que o Evangelista apresenta Jesus como filho de Abraão e de Davi mediante 42 gerações, que vão de Abraão a Jesus. Essas quarenta e duas gerações são dividas em três segmentos de quatorze nomes cada um. Com este artifício o evangelista queria dizer que Jesus é Davi por excelência ou três vezes Davi; com efeito 14 é a soma das três consoantes que compõem o nome Davi; tais consoantes tinham valor numérico: D=4 e V=6; donde 4+6+4 = 14. Era mais interessante ao autor sagrado manifestar o papel messiânico de Jesus mediante tal artifício do que contar exatamente quantas gerações se interpunham entre Abraão e Jesus. – Ora o uso do midrache não tirou ao Evangelho de Mateus a sua canonicidade, como não a tira aos deuterocanônicos.
CONCLUSÃO:
ResponderExcluirNo passado os cristãos tinham muita dúvida quanto à inspiração divina de muitos dos livros da Sagrada Escritura. A dúvida acabou quando a Igreja Católica Apostólica Romana em 08 de outubro de 393, durante o Concílio Ecumênico de Hipona, definiu o católogo sagrado ou catálogo canônico. Este catálogo também foi confirmado por Concílios posteriores como os Concílios de Cartago III (397 DC), Cartago IV (419 DC), Florença (1438-45 DC) , etc.
Desde então a Bíblia ficou dividida da seguinte forma:
Antigo Testamento: Gênese, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronônimo, Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Tobias, Judite, Ester, 1 Macabeus, 2 Macabeus, Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria, Eclesiástico (ou Sirácida), Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos dos Apóstolos, Romanos, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 Tessalonicenses, 2 Tessalonicenses, 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito, Filêmon, Hebreus, Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João, Judas e Apocalipse.
No séc. III AC os livros que correspondem ao Antigo Testamento foram traduzidos do hebraico e aramaico para o grego. Este trabalho foi realizado em Alexandria (Egito) por setenta e dois sábios em setenta dias, e por esta razão esta tradução ficou conhecida como Septuaginta ou Versão dos Setenta. A razão da tradução deve-se à enorme comunidade judaica da época que não tinha mais conhecimento do hebraico e sim do grego, devido à conquista de todo o Oriente Médio pelo General Alexandre o Grande em 332 AC.
No século IV, a Igreja se reuniu em Concilio em Nicéia, e uma das tarefas era organizar o "cânon", ou a lista de livros sagrados considerados autênticos. Neste Concilio, os livros foram estudados e se investigou quais os que sempre foram lidos nos cultos e sempre foram considerados legítimos. E se estabeleceu a ordem ainda hoje conservada. O motivo pelo qual alguns livros foram postos em dúvida era a grande quantidade de livros apócrifos, que fazia com que se duvidasse dos verdadeiros. Havia muitos livros que os judeus não aceitavam. Então os Ss. Padres ponderaram os prós e contras e definiram a lista que foi aprovada.
O fato de que "muitos membros rejeitaram os livros apócrifos" em nada abala a veracidade do cânon cristão. Todo mundo, hoje, amanhã e há 2000 anos atrás teve e têm o direito de questionar assuntos que dizem respeito à sua fé, e o cânon do Antigo e do Novo Testamento, alvo de debates por séculos, não é uma exceção. São Jerônimo, por exemplo, não reconhecia alguns livros "apócrifos", porém reconhecia a autoridade a quem cabia, de fato, essa decisão: a Igreja. E então Jerônimo terminou por aceitar tais livros. Então, o questionamento dos membros da Igreja serviram, e ainda servem, para por em debate o alvo em questão, para que faça nascer no meio da confusão a verdade mais pura. Por isso, os "membros do clero", mesmo agindo de boa fé, mesmo sendo nomes de peso, não podem responder pela Igreja isoladamente. À Igreja cabe a decisão final, e quem a rejeita, rejeita a verdade da fé, e, então, se torna um herege.
São Paulo exorta aos cristãos a unidade doutrinária com estas palavras: “um só corpo e um só Espírito ... um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,4-5). Como, então, as milhares de seitas protestantes podem ser denominadas de "Igrejas verdadeiras" quando as suas simples existências já refutam tal presunção? Como doutrinas tão heterodoxas e contraditórias podem servir de instrumento divino de união, desejada por Jesus? Sobre isto, o leitor deve lembrar das palavras de Jesus: pela árvore se conhece os frutos (Mt 12,33).
“CONHECEREIA A VERDADE E A VERDADE VOS LIBERTARÁ”:
ResponderExcluirSe não tivesse escapado da literalidade de minha educação cristã fundamentalista, não poderia fazer tal afirmação, pois há muito tempo eu teria rejeitado a Bíblia como um documento religioso antigo, irremediavelmente ignorante e preconceituoso, ou teria negado a realidade e me transformado em um fanático religioso de mentalidade estreita, usando as Escrituras de maneira literal para justificar meus preconceitos. Deus, em sua infinita bondade, não deixou suas criaturas relegadas à sua própria sorte ou 'interpretação' subjetiva (isto é, cada um interpreta como quer a Bíblia, segundo sua 'inspiração) de sua vontade. Ele nos deixou um "corpo místico" vivo, que se desenvolve no tempo. Ainda afirmou à sua Igreja: "Quem vos escuta a mim escuta, quem vos despreza, a mim despreza" (Lc. 10, 16). "Estarei convosco até o fim dos séculos" (Mt 28, 20).
Por isso, São Pedro previne em sua segunda Epístola: "Nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular" (2 Pe. I, 20). Daí a necessidade de Deus ter dado a alguém "as chaves" de sua interpretação. Foi Pedro quem recebeu essas chaves, quando o próprio Cristo lhe disse: "Bem aventurado és tu, Simão Bar Jonas, porque não foi a carne, ou o sangue que te inspiraram, mas meu Pai que está nos céus. E eu te digo que tu és Pedro, e sobre essa pedra eu edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus; e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos céus; e tudo o que desligares sobre a terra será desligado também nos céus" (Mt. 16, 17-20)
Ninguém pode conhecer a verdade com uma mente fechada, ou preconceituosa, ou com idéias pré-concebidas. A única maneira de alguém encontrar a verdade é ir à fonte com a mente aberta, e descobrir por si mesmo. Para aqueles que fazem falsas acusações contra a Igreja Católica, sem se importarem de irem à fonte para ver se as acusações são falsas ou verdadeiras, leiam por favor esta citação de Santo Irineu que foi escrita em 180 A.D.:
"CAPÍTULO. IV.--A VERDADE (sobre o que a Igreja Católica ensina[*]) NÃO PODE SER ENCONTRADA EM NENHUM LUGAR A NÃO SER NA IGREJA CATÓLICA, A ÚNICA DEPOSITÁRIA DA DOUTRINA APOSTÓLICA. AS HERESIAS FORAM CRIADAS RECENTEMENTE, E NÃO PODEM TRAÇAR SUA ORIGEM ATÉ OS APÓSTOLOS." (* explicação minha)
São Paulo escreveu a Timóteo: "A Igreja é a Coluna e o Fundamento da Verdade" (1Tm 3:15). Entretanto, aquele que se recusou a reconhecer a verdade na vida, será forçado a confrontá-la na morte. Abraços.
Fonte: PR ano XLVIII, julho 2007. No. 541. Pgs 306-312