16 de setembro de 2009

A TERCEIRA MARCA DA IGREJA



REFLEXÃO DO EXERCÍCIO FIEL DA DISCIPLINA DA IGREJA



Por Wilbur A. Madera Rivas*

Tradicionalmente, nossa herança reformada ensina que a Igreja verdadeira se caracteriza por três marcas particulares: (1) a pregação verdadeira da Palavra; (2) a administração correta dos sacramentos e (3) o exercício fiel da disciplina. Precisamente sobre a terceira marca da igreja desejo que pensemos.

O que é disciplina? Qual seu propósito? Como deve ser aplicada? Segundo a tradição reformada, as respostas a essas perguntas marcarão a diferença entre uma igreja verdadeira e uma falsa. Algumas igrejas simplesmente não se atrevem a tocar no tema, visto que outras praticam cotidianamente sanções, censuras e repreensões que, segundo eles, resultarão na restauração do pecador.

Ao escutar certos casos de aplicação de disciplina e os abusos cometidos contra pecadores arrependidos, vem à mente a pergunta: É isto o que Jesus deseja de sua Igreja? Quando escutamos de irmãos que havendo confessado seu pecado e havendo se arrependido, têm de sentar no último banco do templo por todo um ano, e abster-se da Ceia do Senhor pelo mesmo tempo, nos perguntamos: Esta é a maneira como a comunidade cristã deve tratar aos perdoados, lavados e justificados com o sangre de Cristo? Estamos demonstrando claramente a terceira marca da Igreja?

Para clarear este assunto devemos começar reconhecendo que a disciplina eclesiástica tem um duplo propósito: (1) confrontar, corrigir e restaurar o membro da Igreja que tem pecado, e (2) reivindicar a autoridade e honra de Jesus Cristo, e velar pela pureza da Igreja naqueles casos em que o pecador persiste em seu pecado. Parece-me que tem havido um erro constante mesclar estes dois propósitos sem distinguir entre um e o outro. No primeiro caso a pessoa se arrepende, porém no segundo persiste em seu pecado. O erro está em tratar o arrependido do mesmo modo como tratamos o obstinado. Encontramos igrejas que tratam o irmão que confessou e deseja ser restaurado como se fosse o pior herege que, sob o fogo da “inquisição”, deve purgar todos seus pecados. Cristo não é glorificado quando em Seu nome se destrói, humilha e destroça aquele que diz: “Deus meu, sê propício a mim, pecador” (Lucas 18.13);


Quero propor que muita dessa confusão se dissiparia se tivéssemos um sistema para classificar e entender as diferentes passagens bíblicas que nos instruem sobre a disciplina. A classificação proposta seria a seguinte: (1) Disciplina de prevenção, (2) Disciplina de restauração e (3) Disciplina de correção.


DISCIPLINA DE PREVENÇÃO

Não necessitamos esperar que os membros da igreja caiam em pecado para começar a aplicar a disciplina do Senhor. A Escritura é rica em passagens que nos exortam a velar uns pelos outros, a estimular-nos para fazer boas obras e a andar no caminho reto. Quando virmos irmãos que tem a aparência de estar se perfilando ao pecado, devemos praticar a disciplina de prevenção. Nesta categoria poderíamos aplicar passagens como as seguintes:

• “Consolai-vos, pois, uns aos outros e edificai-vos reciprocamente, como também estais fazendo”. (1 Ts 5.11)

• “Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.23-25).
Toda a Bíblia está cheia de conselhos e exortações que devemos praticar para que todos vivamos para a glória do Senhor. Esta deve ser uma prática constante na comunidade do pacto. A resposta de Deus à pergunta de Caim (“acaso, sou eu tutor de meu irmão?” [Gn 4.9]) é um ‘Sim” contundente. Devemos prevenir o pecado na Igreja sendo “um povo zeloso de boas obras” (Tito 2.14).

DISCIPLINA DE RESTAURAÇÃO

Indubitavelmente algum dia surpreenderemos a algum irmão em pecado. Nossa missão é confrontar o irmão com seu pecado e se se arrepende restaurá-lo. O arrependimento é a chave para ativar este tipo de disciplina. Um coração que aceita sua responsabilidade, que confessa seu pecado e deseja restaurar sua relação com Deus e a Igreja, é um coração que devemos submeter a um processo de disciplina e restauração. O propósito não é condenar, porém restaurar; não é destruir, porém reconstruir; não é excluir, porém renovar. Várias passagens endossam esta atitude e prática da comunidade cristã aos seus membros arrependidos:

• “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado. Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6.1-2).

• “Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe” (Lc 17.3).
• “Ora, se alguém causou tristeza, não o fez apenas a mim, mas, para que eu não seja demasiadamente áspero, digo que em parte a todos vós; basta-lhe a punição pela maioria. De modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2 Co 2.5-8).
• “Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” (Tg 5.19-20).
• “Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a eu irmão” (Mt 18.15).

Como vimos em todos estes casos o arrependimento assume o papel principal. Se o pecador está arrependido e confessa seu pecado a Deus, a Igreja deve aplicar a disciplina de restauração. Por um lado, não podemos minimizar o dano que o pecado causa à Igreja e às pessoas envolvidas. Porém, por outro lado, a disciplina nestes casos não deve ser vista como a expiação do pecado (a qual foi feita por Cristo), senão que devemos considerar o irmão arrependido como um soldado ferido por sua própria vontade, e necessitado do alimento espiritual e o cuidado intensivo por parte da comunidade do pacto.


A disciplina de restauração poderia incluir medidas como as seguintes:


(1) Suspensão. É importante dar a pessoa tempo para restaurar suas relações rompidas pelo pecado. Por isso é prudente dar-lhe descanso de suas responsabilidades e/ou ofícios dentro da Igreja para que com todo seu coração se dedique a buscar ao Senhor e a restaurar sua relação com o próximo.


(2) Cuidado Intensivo. A Igreja deve ser envolvida na restauração dos disciplinados. Devem estar orando, visitando-lhe e animando-lhe. Deve-se também requerer à pessoa que tenha aconselhamento e cuidado pastoral intensivos.


(3) Assistência à Igreja. Os que estão em um processo de restauração necessitam estar expostos à Palavra, a oração e a edificação do Corpo. Por isso é importante que assistam regularmente às reuniões do povo do pacto. Em lugar de ser enviado aos últimos bancos, devem sentar-se nos primeiros, para poder participar com maior concentração.


(4) Participação da Mesa do Senhor. Sei que isto vai de encontro a muitos anos de tradição. Uma das primeiras medidas tradicionais que se tomam quanto aos disciplinados é negar-lhes o privilégio de participar da Mesa do Senhor. Quero propor que é um grave erro negar a mesa ao pecador arrependido. Nossa teologia reformada e a Escritura mesma nos ensinam que o sacramento da comunhão nos fortalece espiritualmente, e que não é para gente perfeita, senão para aqueles que correm até à cruz buscando a graça inefável do Cordeiro imolado por nós. Ao pecador obstinado devemos excluir do acesso à Mesa, porém ao arrependido, devemos conceder um lugar junto a seus irmãos, pois mais que nunca necessita ter comunhão com o Ressuscitado e com a igreja. Assim como não pensamos em negar-lhes os demais meios de graça (a oração, a Palavra, etc.) tampouco devemos negar-lhes o meio de graça tão especial que é o sacramento da Ceia do Senhor.


Alguns já estão perturbados com esta proposta e estarão se perguntando: “E qual é o resultado do pecado cometido?”, “Como pagará por seu mau caminho?” A tais pessoas só lhes recordo que no Calvário o inocente morreu pelos pecadores, o justo pelos injustos, e que Sua justiça é imputada por graça a nosso favor. Todos nós estaríamos perdidos sem a graça derramada em nossos corações. Por isso o apóstolo nos recorda que devemos restaurar com mansidão e humildade ao arrependido, cumprindo a lei de Cristo ao levar sobre si a carga uns dos outros (Gl 6.1-2).


Quero enfatizar uma vez mais, que este tipo de disciplina deve ser aplicada exclusivamente nos casos em que a confissão e o arrependimento exibidos pelo irmão que caiu.


DISCIPLINA DE CORREÇÃO

Em alguns casos o pecado tem endurecido o coração da pessoa e cauterizado sua consciência. Apesar de uma confrontação amorosa, a pessoa continua em seu pecado sem confissão nem arrependimento. Para estes casos a Escritura indica que apliquemos a disciplina corretiva, excluindo-a do abrigo da comunidade de crentes e privando-a de todos os privilégios correspondentes. Entre as passagens que nos ensinam a respeito, estão as seguintes:

• “Em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor, entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus” (1 Co 5.4-5).

• “Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam” (1 Tm 5.20).
• “Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebestes” (2 Ts 3.6);
• “Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais” (1 Co 5.9-11).
• “Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez, pois sabes que tal pessoa está pervertida, e vive pecando, e por si mesma está condenada” (Tt 3.10-11).
• “Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano” (Mt 18.16-17).

O propósito deste tipo de disciplina é separar o pecador não arrependido da proteção e abrigo do povo do pacto, buscando um dos dois propósitos: seja vindicar o Nome de Cristo e cuidar da pureza da Igreja, ou causar tristeza piedosa no coração do pecador ao estar longe do abrigo do povo de Deus, com a finalidade de conduzir-lo à confissão e ao arrependimento.


Notemos que este tipo de disciplina é aplicado exclusivamente quando o pecador não quer arrepender-se, e mantém um coração relutante a Deus e Sua Palavra. Porém, no caso de que ocorra o arrependimento, automaticamente se deve aplicar a disciplina de restauração mencionada anteriormente.


Lamentavelmente em muitas igrejas, se tomam passagens correspondentes à disciplina de correção (quando não há arrependimento) e se aplicam asperamente aos casos de restauração (quando há confissão e arrependimento). Os danos são enormes. Humilha-se, marca-se e pisoteia-se o irmão no “nome de Jesus”, crendo que desta maneira sua alma será restaurada. Muita razão tinha um escritor cristão quando chamou esta prática de “purgatório protestante”. Tenhamos muito cuidado. Não sejamos guiados pela tradição, ao invés de somente a Escritura. Já é tempo de manifestar biblicamente a terceira marca da igreja.


Sejamos uma comunidade que sabe tratar biblicamente com o pecado de seus membros e oficiais. Cuidemos da pureza da igreja ao estimular-nos uns aos outros às boas obras (disciplina preventiva); levantemos os joelhos caídos e as pernas paralisadas, restaurando com mansidão o irmão arrependido (disciplina de restauração); e defendendo o nome de Cristo e a pureza da Igreja ao excluir dos benefícios do povo do pacto ao que não se arrepende (disciplina corretiva).


Alguém disse: “Nenhum bom soldado abandona a seu companheiro que caiu na batalha”. A pergunta para nós é: que faremos com o soldado caído? O apóstolo nos recorda sutilmente que existe a possibilidade de nós sejamos os seguintes (Gálatas 6.1). Como manifestaremos, então, a terceira marca da Igreja?


* Wilbur A. Madera Rivas é pastor da Iglesia Presbiteriana Shalom de Mérida, Yucatán, México. Site da igreja: www.inpshalom.org.mxTraduzido, do original em espanhol “La Tercera Marca de la Iglesia”, por Robson Rosa Santana.

6 comentários:

  1. Oportuna reflexão para os dias atuais quando muitos são os que precisam de compaixão e que com um coração arrependido buscam o perdão e a comunhão dos fiéis. Todavia a Igreja deve permanecer firme no propósito de manter os princípios da santidade e referencial de pureza, moralidade e ética em tempo de relatividade. Embora compreende-se que é formada por homens e mulheres sujeitos ao pecado. Ao pecador arrependido deve ser expressado o perdão e o acolhimento. Porém o impenitente deve receber o tratamento corretivo e até mesmo cirurgico se for o caso para que o corpo não seja contaminado.

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  2. Olá, Pr. Robson. Sou Isaltino Gomes Coelho Filho (www.isaltinogomes.com). Gostei muito do conteúdo do artigo e da tradução bem feita. Concordo in totum com o artigo. Levanto uma questão, que não o invalida nem deprecia.Como aplicar esta postura numa igreja que não prega mais sobre pecado, apenas sobre louvor e vitória, e que vive em anomia moral e teológica? Quando apertamos um crente que está vivendo errado, ele muda de igreja. Se tiver recursos e expressão social, será exibido pela outra como troféu. Até pastores fazem assim. Quando erram, mudam de doutrina, adotam uma postura eclesiástica monárquica, em que não podem ser questionados, ou mudam de denominação. As igrejas, infelizmente, não vivem ao redor do ensino bíblico, mas da celebração. Se num culto não houver tempo para a pregação, não faz mal. Se se cantou bastante, tudo está bem. Experimente sacrificar o chamado "louvor" em função da pregação! Concordo com todo o artigo e em meus 38 anos de ministério pastoral tenho defendido esta posição. Hoje, com 61 anos de idade, em pleno exercício do ministério que Deus me concedeu, sinto-me perplexo. As igrejas assimilaram a cosmovisão do mundo. Querem festa e não retidão. Santidade está fora de moda. Ser santo não está com nada. O que vale é ser adorador. E se criou um estilo de adoração em que a vida cristã, incluindo uma vida disciplinada e dentro da Palavra, não é necessário. Deus fica contente conosco quando cantamos corinhos ingênuos na igreja. Não quando vivemos em santidade moral, fora do templo.

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  3. Caro Pr. Jurandir, o segredo do crente é observar o que diz a Palavra interpretando de forma correta. Justamente porque Deus é amor, Ele cuida de Seus filhos e na necessidade Ele tem de nos corrigir e disciplinar, para nosso próprio bem. Esse artigo é muito consistente com aquilo que a Palavra ensina e como seus servos ordenados devemos exercer a disciplina para honrar o nome de Jesus e buscar a pureza da Igreja, que por natureza é santa!

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  4. Quero dizer, apesar de ainda não ter lido, que o Pr. Dr. Augustus Nicodemus lançou um livro que fala sobre o assunto, "MANTENDO A IGREJA PURA", pela Editora Cultura Cristã. Site: www.editoraculturacrista.com.br. Na seção livros - a igreja no mundo. Para mim o Rev. Augustus é o teólogo mais prático e fiel à Palavra de Deus no Brasil.

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  5. Caro Pr Isaltino. Em primeiro lugar quero dizer que sempre tenho usado um artigo seu em boletins onde tenho passado que fala "Sobre o Crescimento da Igreja". Quanto ao assunto da disciplina, embora o contexto cristão "evangélico" seja os dos piores possíveis, devemos buscar educar a liderança e a igreja em geral a permanecer firmes na sã doutrina. Cada vez eu acho que as igrejas sérias devem se afastar daquilo que tem se tornado o evangelicalismo moderno. O que a Igreja Romana passou um milênio para deteriorar, algumas igrejas ditas evangélicas em poucos anos e décadas tem chegado às mesmas práticas e consequentemente aos mesmos resultados, pessoas religiosas sem compromisso sério de viver o Evangelho como Deus quer. Resta-nos permenecer firmes e não cair na tentação de seguir a maioria. Deus nos ajude!

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  6. Wilbur Madera Rivas19/05/2010, 10:35

    Estimado Pastor Santana,
    Mi nombre es Wilbur Madera. Soy pastor presbiteriano de la Iglesia Presbiteriana Shalom de Mérida, Yucatán. Con mucho agrado vi en su blog que ha traducido al portugués uno de mis artículos "La tercera marca de la Iglesia". Gracias por compartir con otros en su idioma. Me anima mucho el pensar que podemos usar el internet para ser de bendición para muchos.
    Estamos para servir. Le comparto la página de nuestra iglesia www.inpshalom.org.mx

    Dios le guarde,


    Wilbur Madera

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