Por Aubrey Malphurs*
Talvez as questões mais importantes que uma igreja e sua liderança possam fazer são: O que Deus quer que nós façamos? Qual é o nosso mandato ou missão? Quais são nossas ordens para marchar? A resposta a todas três questões não é difícil de encontrar. Há mais de dois mil anos atrás, o Salvador predeterminou a missão da Igreja – é a Grande Comissão, como encontrada em textos como Marcos 16.15; Lucas 24.46-49; João 20.21; e Mateus 28.19-20, onde ele diz, “Fazei discípulos”. Essa comissão levanta muitas questões importantes, tais como o que é um discípulo e o que significa fazer discípulos?
Se você perguntasse a dez pessoas da sua igreja (incluindo a equipe pastoral) o que um discípulo é, você pode ter dez diferentes respostas. O mesmo é verdadeiro em um seminário. Se a igreja não tem certeza sobre o que Jesus quis dizer, então será difícil para ela concordar com sua vontade expressa. Porém, para a igreja compreender o que o Salvador quis dizer em Mateus 28.19-20, nós devemos examinar o verbo principal e seu objeto “fazei discípulos” e então os dois particípios que seguem – “batizando” e “ensinando”. O que tudo isso significa?
“Fazei Discípulos”
Primeiro, vamos examinar o verbo principal e seu objeto: “fazei discípulos”. Uma visão comum é que um discípulo é um crente comprometido. Assim um discípulo é um crente, mas um crente não é necessariamente um discípulo. Portanto, isso não é como o Novo Testamento usa o termo. Eu afirmo que o uso normativo do termo discípulo (embora existam algumas obvias exceções[1]) é de alguém que é um convertido ou um crente em Jesus Cristo. Desse modo, a Bíblia ensina que um discípulo não é necessariamente um cristão que fez um compromisso mais profundo para com o Salvador, mas simplesmente um cristão. Cristãos comprometidos são discípulos comprometidos. Cristãos descomprometidos são discípulos descomprometidos. Isto é claramente como Lucas usa o termo discípulo no livro de Atos e seu Evangelho. É evidente em passagens tais como as seguintes: Atos 6.1-2, 7; 9.1, 26; 11.26; 14.21-22; 15.10; 18.23; 19.9. Por exemplo, Atos 6.7 nos diz que a Palavra de Deus mantinha-se espalhando e o número de discípulos continuava a crescer grandemente em Jerusalém. Lucas não está dizendo-nos que o número de crentes comprometidos profundamente estava crescendo significantemente. Ele está dizendo aos seus leitores que a Igreja estava fazendo numerosos convertidos à fé. Em Atos 9.1 Lucas escreve que Saulo (Paulo) estava “respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor”. É muito duvidoso que Saulo estivesse ameaçando somente os crentes maduros. Ele estava perseguindo tantos crentes que ele pudesse localizar. Um grande exemplo é Atos 14.21 onde Lucas diz que eles “fizeram muitos discípulos” em conexão com o evangelismo. Aqui eles pregaram o evangelho e ganharam ou fizeram um grande número de discípulos ou convertidos, não cristãos maduros ou em crescimento. (Note que as palavras “fizeram muitos discípulos” é uma única palavra grega mathateusantes, a mesma palavra de Mateus 28.19!). Discípulos, então, eram sinônimos de crentes. Praticamente todos os estudiosos reconhecem que este seja o caso em Atos.
Assim, a ordem “fazei discípulos” em Mateus 28.19 é igualada a evangelismo? Antes que possamos responder essa questão, nós devemos também examinar um segundo contexto. O primeiro teve a ver com o uso do termo discípulo no Novo Testamento; o segundo tem a ver com as outras passagens da Grande Comissão: Marcos 16.15 e Lucas 24.46-49 (com Atos 1.8). Em Marcos 16.15 Jesus ordenou os discípulos, “Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura.” Aqui “pregai” como “fazei discípulos” é o verbo principal (um imperativo aoristo) precedido por outro particípio de circunstancia assistente traduzido por “ide”. Isso é claramente uma ordem proativa de fazer evangelismo.
Em Lucas 24.46-48 temos mais da mesma mensagem com o evangelho definido: “Assim está escrito que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressurgisse dentre os mortos; e que em seu nome se pregasse o arrependimento para remissão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas.” Jesus apresenta a mensagem do evangelho e a necessidade que suas testemunhas pregassem este evangelho a todas as nações. Nessas duas passagens da Grande Comissão, a ênfase é claramente sobre evangelismo e missões.
Finalmente, João dá-nos o mínimo de informação em sua declaração da comissão. Em João 20.21-22 Jesus fala aos discípulos que ele está enviando-os e os provê com o Espírito Santo numa antecipação do Pentecostes.
Não devemos parar por aqui. Há um terceiro contexto. Muito do ensino de Jesus aos Doze (que são crentes, exceto Judas) diz respeito ao discipulado ou o necessário para o discípulo crescer em Cristo (Mt 16.24-26; 20.26-28; Lc 9.23-25). Por exemplo, Mateus 16.24 diz, “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.”
Assim, como isso se relaciona com as passagens em Atos e outras passagens da comissão nos Evangelhos? A resposta é que a Grande Comissão tem tanto um componente de evangelismo como edificação ou crescimento espiritual. Para fazer um discípulo, primeiro alguém tem de ganhar uma pessoa (um não discípulo) para Cristo. Nesse ponto ele ou ela torna-se um(a) discípulo(a). Não para aí. Assim sendo este novo discípulo precisa crescer ou amadurecer como um discípulo, o componente da edificação.
“Batizando e Ensinando”
Tendo estudado o verbo principal e seus objetos, “fazei discípulos”, precisamos examinar os dois particípios em Mateus 28.20 – “batizando” e “ensinando”. A interpretação desses esclarecerá se “fazer discípulos” envolve tanto o evangelismo quanto a edificação. Enquanto existem duas opções interpretativas possíveis, a melhor é a que eles são particípios circunstanciais (adverbiais) de meio. A NVI tomou essa interpretação: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei." Dan Wallace, um estudioso do grego e professor do Novo Testamento no Dallas Seminary, escreve: “Finalmente, os outros dois particípios (baptizontes, didaskontes) não deveriam ser tomados como circunstância assistente. Primeiro, eles não se encaixam no padrão normal para particípios de circunstância auxiliar (eles estão no presente do indicativo e seguem o verbo principal). E segundo, eles fazem sentido como particípios de meio; isto é, o meio pelo qual os discípulos deveriam fazer discípulos era batizar e então ensinar”.[2] Se este é o caso, então os dois particípios nos proveem com os meios ou o como para o crescimento dos novos discípulos. O caminho que a igreja faz discípulos é batizando e ensinando seu povo.
Mas qual é o significado do batismo na vida de um novo discípulo (crente)? O batismo é mencionado onze vezes em Atos (At 2.38; 8.12, 16, 36, 38; 9.18; 10.48; 16.15, 33; 19.5; 22.16). Em cada passagem exceto uma (19.5) é usada em estreita associação com evangelismo e segue-se imediatamente à conversão de alguém a Cristo. O batismo era o meio público ou a atividade que identificava o novo discípulo com Jesus.[3] O batismo era um negócio sério, isso poderia significar rejeição por parte dos pais e família, até mesmo resultar na perda da vida. Como temos visto, implica ou está estreitamente associado com evangelismo e era uma confissão pública que alguém tinha se tornado um discípulo de Jesus. Assim Mateus inclui evangelismo no contexto do fazer discípulos.
E finalmente, qual o significado de ensinando? Lucas também aborda o ensino em Atos (At 2.42; 5.25, 28; 15.35; 18.11; 28.31). Michael Wilkins resume isso bem quando diz que “ensinando” introduz as atividades pela qual o novo discípulo cresce no discipulado.[4] O objetivo de nosso ensino é a obediência ao ensino de Jesus. A ênfase no ensino não é simplesmente por uma questão de conhecimento. O ensino eficaz resulta em uma vida transformada ou em discípulo/crente em amadurecimento.
Conclusão
A conclusão da evidência acima é que os dois particípios são melhores considerados e traduzidos como particípios circunstanciais de meio. O termo fazei discípulos (mathateusantes) é uma clara referência tanto para evangelismo (batizando) como para maturidade (ensino). (Note novamente o uso de mathateusantes em Atos 14.21 no contexto de evangelismo). Marcos e Lucas enfatizam o aspecto evangelismo da Grande Comissão (e João o envio dos discípulos). Mateus enfatiza o evangelismo e a necessidade de fazer crescer os discípulos em sua nova fé, como acrescenta a necessidade não somente de batizar, mas ensinar esses novos crentes também. De acordo com outras passagens no Novo Testamento, este último levaria os novos convertidos à maturidade espiritual (1 Co 3.1-4; Hb 5.11-6.3). Portanto, o objetivo é para eles tornarem-se discípulos maduros com o tempo. Isso deve resultar de uma combinação de ser ensinado e obedecer aos mandamentos de Jesus.
Jesus foi claro sobre suas intenções para sua igreja. Não era apenas pregar e ensinar a Palavra, mesmo tão importantes quanto essas atividades são. Nem era evangelismo somente, embora esta última seja enfatizada tanto quanto o ensino. Ele espera que sua igreja inteira (não somente uns poucos fazedores de discípulos apaixonados) leve pessoas do pré-nascimento (incredulidade) ao novo nascimento (fé) e então à maturidade. De fato, isso é tão importante que nós podemos medir a saúde espiritual da igreja por sua obediência à Grande Comissão. É justo perguntar a cada ministro da igreja quantas pessoas tem se tornado discípulos (crentes) e quantos desses discípulos estão crescendo para a maturidade. Em resumo, é imperativo que cada igreja faça e amadureça discípulos nacionais e estrangeiros!
Nota: Eu recomendo muito Following the Master: A Biblical Theology of Discipleship de Michael J. Wilkins (Zondervan, 1992). Wilkins é professor de língua e literatura do Novo Testamento e Deão na Escola de Teologia Talbot, Biola University.
* Esse texto é a tradução do “Apêndice B” do livro Strategic Disciple Making de Aubrey Malphurs. Traduzido por Robson Rosa Santana. Usado com permissão do autor.
[1] Algumas exceções são dos discípulos de Moisés (João 9.28), os discípulos dos Fariseus (Mt 22.16; Mc 2.18), os discípulos de João (Mc 2.18; Jo 1.35) e os discípulos de Jesus que o deixaram (Jo 6.60-66).
[2] Daniel B. Wallace, Greek Grammar beyond the Basics (Grand Rapids: Zondervan, 1996), 645.
[3] Veja Wilkins, Following the Master, 189.
[4] Ibid., 189-190.
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