Por Pablo Bergsma
Se a missão é de Deus, qual é o papel da Igreja? Na coluna anterior examinamos a missão transcultural como obra de Deus. Agora nos toca investigar o papel que Deus atribui à igreja em sua missão.
Recorremos novamente a Georg Vicedom e as distinções que ele faz. O objeto da missio Dei [missão de Deus], segundo Vicedom, é a salvação da humanidade. “A missão não pode ser nada menos que a continuação da atividade redentora de Deus mediante a publicação dos fatos da salvação. Esta é a sua autoridade maior e sua comissão suprema” (1965:9). Pelo envio Deus faz da história da salvação a história da Missio Dei. Seu envio chaga a ser uma revelação especial quando se traz a palavra ao povo Sl 19.1-7, 8-11), e em Jesus Cristo, a Palavra encarnada, o Redentor. “Desse modo a missão de Deus sempre é ao mesmo tempo um chamado a decidir” (1965:11).
Cada pessoa tem que decidir-se: Responderá ao chamado de Deus ou estará em rebelião contra seu Senhor? A pessoa que nega colocar-se sob às ordens da missio Dei intenta restringir a Deus em sua obra, em seu senhorio.
Vicedom identifica três elementos que formam parte integral do que é a missio Dei. Em primeiro lugar, a missio Dei, enquanto que se identifica com o senhorio de Deus, se expressa no reino de Deus. E em relação com o reino de Deus podemos identificar outros dois elementos: a missio ecclesiae e a missio hominum.
O Reino de Deus
O Novo Testamento emprega duas frases indistintivamente ao descrever o Reino: “Reino dos céus” e “Reino de Deus”. Em essência as duas se referem diretamente a Deus mesmo. Ou seja, o Reino é a presença e o senhorio de Deus, em sua eminência divina. Ele viverá com todas as pessoas e as governará a todas (Ap 21.3).
O propósito de Deus em seu senhorio é a restauração redentora de todo seu universo. Herman Ridderbos, em sua obra A Vinda do Reino, explica o enfoque redentor com estas palavras: “A basiléia [reino] é a grande obra divina da salvação em seu cumprimento e consumação em Cristo. A ekklesia [igreja] é o povo eleito e chamado por Deus, que participa da bem-aventurança da basiléia [reino]” (1988:66). Portanto, em Cristo Jesus vemos a realidade do reino.
Esta observação nos ajuda a entender a missão da igreja.
A missio ecclesiae [A missão da Igreja]A missio ecclesiae é a participação do povo de Deus na missio Dei [missão de Deus]. O povo participa de duas maneiras. Primeiro, a igreja como instituição realiza sua vocação divina ao estar onde Cristo estar e ao fazer o que Ele manda. Tudo o que a igreja faz como instituição deve estar determinado pela Palavra divina e por sua vocação de ser profeta, sacerdote e rei. Como profeta a Igreja proclama a Palavra verbalmente e por atos. Como sacerdote a Igreja toma sua cruz, identifica-se com o povo, intercede por ele, e representa o perdão de Deus ao viver sua paz e sua justiça. Como rei a Igreja exerce domínio sobre os elementos poderosos deste mundo, os principados e potestades, e em sua própria vida demonstra as primícias da nova humanidade em Cristo (Costas 1973:133-147).
No entanto, como instituição a Igreja tem suas limitações. Por exemplo, não pode inscrever-se como partido político a fim de conformar as estruturas do governo à vontade do Deus soberano. Não pode constitui-se em universidade e licenciar carreiras de direito ou de administração de negócios. Por isso, os teólogos falam também da Igreja como organismo composto de crentes membros do corpo de Cristo, os quais representam Cristo em toda atividade de sua vida, seja dentro da Igreja institucional, afora (no mundo dos negócios) ou na esfera da família. Porque Cristo é o rei soberano, não há distinção entre sagrado e secular. Tudo pertence a Ele: comprou-o com seu sangue quando derrubou o muro de separação e recuperou todo o universo para o reino de Deus.
Jesus capacita com seus dons a cada membro de seu Corpo para servir em sua missão integral. Cada crente tem o dever e o poder em Cristo de participar na vocação missionária e pastoral da Igreja já que cada membro é profeta, sacerdote e rei em Cristo.
Como instituição e como organismo a Igreja realiza a missão que lhe tem sido encarregada. Procura estar onde Cristo está. Por meio da participação de cristãos em todo aspecto da vida, e por meio de instituições paraeclesiásticas, o reino de Deus se faz visível e o nome de Deus é exaltado.
Precisamente porque Cristo está aqui no mundo por seu Espírito, os cristãos podem estar com ele e participar em sua missão. Sua presença torna possível a missão transcultural e nos assegura os resultados.
A missio hominum
Em terceiro lugar alguns missiólogos falam da missio hominum. Este conceito é muito discutido nos círculos de reflexão missiológica. Sob este título se incluem os atos humanitários em favor do próximo, que tem como objetivo principal o bem social, a reconciliação, a libertação da opressão, a justiça e os direitos das pessoas em cada sociedade humana. Estes atos louváveis refletem a imagem do Criador dentro da humanidade em geral, e demonstram os sinais do reino de Deus no povo redimido ao cumprir com o grande mandamento: “Ama teu próximo como a ti mesmo” [Mt 22.39]. (consulte o Artigo 5 do Pacto de Lausanne sobre a Responsabilidade Social da Igreja, e o informe de Grand Rapids sobre O Evangelismo e a Responsabilidade Social). Deus pode fazer uso desses atos para demonstrar os sinais de seu Reino, porém eles, por sua natureza, não formam automaticamente parte do Reino e sua missão. São atos de pessoas pecadoras e nem sempre tem a glória de Deus como fim principal. Devemos lembrar que Deus é o sujeito do Reino e da missão; Ele, e só Ele, é o autor principal, é o que atua na missão. Jamais podemos obrigar a Deus a abençoar nossos atos rituais, sejam de culto ou de benevolência.
A figura chave na missão da Igreja é o Senhor Jesus. Como instituição e como organismo, se a igreja deseja cumprir com a missão que lhe tem sido encomendada deve procurar estar onde Cristo está por seu Espírito. Para muitas pessoas é uma experiência transcultural ao sair de seu gueto religioso e acompanhar a Cristo em sua missão de dar boas novas aos pobres, por em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor (Lc 4.18-19). Ao estar com Cristo em sua missão damos glória a Deus pela presença dos valores de seu Reino nas vidas de tantas pessoas.
Bibliografia citada
Costas, Orlando, ed. Hacia uma teologia de la evangelización, La Aurora, Buenos Aires, 1973.
Ridderbos, Herman, La venida del Reino, tomo II, La Aurora, Buenos Aires, 1988.
Vicedom, Goerg F. The Mission of God, Concordia Publising House, Saint, 1965. [Há tradução em português, A Missão como Obra de Deus, NT.]
Extraído da Revista Iglesia y Misión, Enero-Julio 1999, Numero 67/68. Tradução Robson Rosa Santana.
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